sábado, 22 de dezembro de 2012

Em 2013, transgêneros serão retirados da classificação de doenças mentais no principal manual de psiquiatria




A homossexualidade era entendida como uma doença mental até 1973 e estava no mesmo grupo que necrofilia, pedofilia, zoofilia e outras mais pela chamada “Bíblia da psiquiatria”: o “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM). Uma forte reação de acadêmicos e ativistas conseguiu na época remover o termo do manual. Quarenta anos depois, a mesma publicação, que influencia profissionais de todo o mundo, realizará outra grande mudança. A partir do ano que vem, os transgêneros — grupo que inclui travestis, drag queens, transformistas e transexuais — serão retirados da classificação de doenças mentais.
 
A revisão da Associação Americana de Psiquiatria (APA), que coordena o manual com o apoio de 1.500 especialistas de 39 países, vem na esteira de recentes mudanças legais sobre os direitos dos homossexuais. Em 2010, o governo francês retirou a transexualidade das patologias psiquiátricas. Nesta semana, a Câmara de Deputados do Uruguai aprovou o casamento gay, e o projeto será enviado ao Senado. A lei já vale para Argentina, Islândia, Portugal, Suécia, Noruega, entre outros. No Brasil, a Justiça analisa caso a caso.
 
A médica e política americana Dana Beyer, transexual e ativista da causa, há uma década está no grupo de trabalho para a revisão do DSM-5, que foi aprovado este mês e será publicado em maio de 2013.
 
— Houve grande resistência nos primeiros anos por pesquisadores mais velhos e conservadores, mas isto foi diminuindo ao longo dos anos — comentou Dana por email. — Muitas das mudanças foram impulsionadas na última década pelo reconhecimento de que nós, gays e transgênero, nascemos assim.
 
Dana lembra que, apesar da remoção da homossexualidade do DSM-2, de 1973, o termo continuou presente como uma subcategoria, a “homossexualidade egodistônica”, até 1987. Já o DSM-5 trocou o Transtorno de Identidade de Gênero por Disforia de Gênero, entendida como uma condição, e não mais um transtorno. Manteve ainda o “distúrbio transvéstico” (antes fetichismo transvéstico).
 
— Precisamos removê-lo na próxima revisão — afirmou Dana. — A principal diferença é que a decisão de 1973 foi o que impulsionou o movimento gay, já essa revisão é uma aproximação da conclusão do movimento de direitos civis dos transgêneros.
 
Sociedade secreta e ativismo da história da APA
 
Já para a professora do Instituto de Medicina Social da Uerj, Jane Russo, que atua na área de gênero, sexualidade e saúde, a alteração na verdade mostrou que o movimento gay já estava forte naquele período:
 
— Em 1969, marca-se o surgimento do movimento gay, e em 1970, o grupo começou a pressionar a APA. Eles compareciam em congressos anuais da associação e faziam manifestações, não violentas, mas assertivas.
 
Jana conta que até este período, os próprios psiquiatras escondiam a sua orientação sexual.
 
— Não tinha um veto oficial, nada que proibisse um psiquiatra de ser homossexual, mas era mal visto. Exatamente porque a homossexualidade era considerada uma doença mental — explica ela.
 
Na época, inclusive, um grupo de psiquiatras homossexuais integrantes da APA reunia-se numa espécie de sociedade secreta. Jana explica, no entanto, que esta entidade tinha pouca participação política, e era mais um grupo de encontros sociais. Num dos congressos da associação, em 1972, ela conta que um psiquiatra envolto numa capa e com a cabeça coberta se declarou publicamente gay. O “Dr. Anônimo”, como se denominou, revelou que mais de 200 membros da APA eram homossexuais e que se encontravam secretamente. A questão da homossexualidade no DSM é considerada uma das mais controversas de sua história, que teve início em 1952, segundo o ex-presidente da Associação Americana de Psicologia e professor de Psicologia da Universidade Temple (EUA), Frank Farley.
 
— As questões de gênero e a homossexualidade na história do DMS sempre foram negativas. A Ciência progressivamente vem mostrando que não existem diferenças confiáveis e válidas relacionadas ao gênero. Existem muitos estereótipos sobre este tópico — disse Farley, por email.
 
Psiquiatras “tratavam” comportamento gay
 
Apesar da revisão sobre homossexualidade, foi somente em 1992 que a Organização Mundial de Saúde (OMS) alterou o termo na sua Classificação Internacional de Doenças (CID) — também passando por reformulação e com aprovação prevista para 2015. Ambos os guias servem de bases para profissionais de saúde e pesquisadores.
 
A mudança foi oficializada na década de 1980 pela Sociedade Brasileira de Psiquiatria, que alterou a associação da homossexualidade com uma doença. Já em 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) regulamentou a cirurgia de mudança de sexo.
 
Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, a psiquiatra Carmita Abdo afirma que antes do anos 70, também no Brasil, os homossexuais eram condicionados a manifestar atração pelo sexo oposto:
 
— Como isto acabava levando os indivíduos a quadros de depressão, surtos psicóticos e suicídios, os pesquisadores começaram a questionar se era realmente um tratamento adequado.
 
Carmita explica que a tendência da psiquiatria hoje é compreender a homossexualidade (e não homossexualismo, termo que remete à doença) como uma orientação que incide menos do que a heterossexualidade, mas que não é patológica, ou seja, “é apenas uma característica”, afirma.
 
— A sexualidade não é estática. Ela acompanha as mudanças sociais e culturais — comenta Carmita, que relembra. — No início do meu trabalho, há 35 anos, eu recebia homossexuais querendo mudar sua orientação. Hoje eu recebo pais, geralmente de adolescentes, não para mudar a cabeça do filho, mas para poderem entender e aceitar melhor a situação, saber como conduzi-la.
 
Hoje o transexual é o que considera ter nascido no sexo errado, segundo entendimento da psiquiatria.
 
Distúrbios de personalidade, autismo e traumas
 
Além das mudanças relacionadas aos transgêneros, a quinta edição do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5), que será publicada em maio de 2013, restruturou também outros pontos de seus 20 capítulos. Ainda na área de sexualidade, a pedofilia terá os mesmos critérios de diagnóstico, mas será denominada como transtorno de pedofilia.
 
O DSM-5 manterá as dez síndromes que figuram no grupo de distúrbios de personalidade, entre elas, borderline, personalidade antissocial, obsessivo-compulsivo etc. Apesar de populares nas prateleiras de autoajuda, especialistas criticavam a dificuldade de diagnóstico destes. Na revisão, desta forma, será incluída um seção para encorajar novos estudos nas formas de diagnóstico clínico destes indivíduos.
 
— O DSM tem uma abordagem melhor do que a que era utilizada antes de ele ser desenvolvido, já que ele tenta sistematizar e organizar os tópicos dos diagnósticos. Isto era necessário naquele momento. Mas ele tem uma desvantagem, entre muitas outras, que é o fato de suas bases científicas serem muito fracas, prejudicando seu uso em vários pontos — comentou o ex-presidente da Associação Americana de Psicologia e professor de Psicologia da Universidade Temple (EUA) Frank Farley.
 
Os distúrbios pós-traumáticos terão mais atenção no DSM-5. Além de três, serão quatro diferentes transtornos, com especial foco em crianças e adolescentes.
 
Além disso, como militantes e alguns especialistas temiam, o autismo passará e figurar como espectro autista, num único quadro de transtorno. Isto acarreta na reuniam de outros distúrbios e leva ao desaparecimento de algumas síndromes, como a de Asperger. Em vez disso, haverá gradações, de leve a grave, dos sintomas autistas.
 
“Com os avanços da clínica e do conhecimento científico, as mudanças eram inevitáveis”, justificou, num comunicado oficial, o presidente da Associação de Psiquiatria Americana, Dilip Jeste.

Papa sinaliza aliança entre religiões para combater casamento gay



 

Publicado pelo Globo
Por Philip Pullella
 
(Reuters) - O papa Bento 16, indicando o desejo do Vaticano de forjar alianças com outras religiões contra o casamento gay, disse nesta sexta-feira que a família estava ameaçada "em seus fundamentos" por tentativas de mudar a sua "verdadeira estrutura".
 
O papa fez a sua mais recente denúncia do casamento gay em um discurso de Natal para os funcionários do Vaticano, em que ele misturou religião, filosofia, antropologia e sociologia para ilustrar a posição da Igreja Católica Romana.
 
Ele colocou todo o peso em um estudo realizado pelo rabino-chefe da França sobre os efeitos que a legalização do casamento gay teria sobre as crianças e a sociedade. "Não há como negar a crise que ameaça em seus fundamentos --especialmente no mundo ocidental", disse o papa, acrescentando que a família tinha de ser protegida porque é "o autêntico ambiente para se entregar o plano da existência humana".
 
O papa de 85 anos de idade, falando no Salão Clementine do Palácio Apostólico do Vaticano, afirmou que a família estava sendo ameaçada por "uma compreensão falsa da liberdade" e um repúdio ao compromisso de toda a vida do casamento heterossexual. "Quando tal compromisso é repudiado, as figuras-chave da existência humana igualmente desaparecem: pai, mãe, filho -- elementos essenciais da experiência de ser humano são perdidos", disse o líder de 1,2 bilhão de católicos do mundo.
 
O Vaticano partiu para a ofensiva em resposta às vitórias do casamento gay nos Estados Unidos e Europa, utilizando todas as oportunidades possíveis para denunciá-lo através de discursos papais ou editoriais em seu jornal ou na sua rádio.
 
ALIANÇA RELIGIOSA
 
Em alguns países, a Igreja Católica uniu forças localmente com judeus, muçulmanos e membros de outras religiões para se opor à legalização do casamento gay, em alguns casos com argumentos baseados em análises jurídicas, sociais e antropológicas, em vez de ensinamentos religiosos.
 
Significativamente, o papa elogiou especificamente como "profundamente comovente" um estudo feito pelo rabino-chefe da França, Gilles Bernheim, que se tornou tema de acalorado debate no país.
 
Bernheim, também um filósofo, argumenta que grupos de direitos homossexuais "irão utilizar o casamento gay como um cavalo de Tróia" em uma campanha mais ampla para "negar a identidade sexual e apagar as diferenças sexuais" e "minar os fundamentos heterossexuais da nossa sociedade".
 
Seu estudo, "Casamento Gay, Paternidade e Adoção: O que muitas vezes esquecemos de dizer", argumenta que os planos de legalizar o casamento gay estão sendo feitos para "o lucro exclusivo de uma pequena minoria" e são muitas vezes apoiados por causa do politicamente correto.
 
Em seu próprio discurso nesta sexta-feira, o papa repetiu alguns dos conceitos do estudo de Bernheim, incluindo a afirmação de que crianças criadas por casais gays seriam mais "objetos" do que indivíduos.
 
No mês passado, os eleitores nos Estados norte-americanos de Maryland, Maine e Washington aprovaram o casamento homossexual, na primeira vez em que os direitos do casamento foram estendidos a casais do mesmo sexo pelo voto popular. Uniões do mesmo sexo foram legalizadas em seis Estados e no Distrito de Columbia pelos legisladores e pelos tribunais.
 
Também em novembro, a mais alta Corte da Espanha confirmou uma lei do casamento gay, e na França o governo socialista anunciou um projeto de lei que permitiria o casamento gay.