sábado, 28 de setembro de 2013

Forças Armadas já contam com 30 militares homossexuais reconhecidos


 
Publicado pelo G1
 
Levantamento realizado pelo Ministério da Defesa a pedido do G1 aponta que as Forças Armadas registram ao menos 30 militares gays e lésbicas, que tiveram os cônjuges oficialmente reconhecidos como dependentes, garantindo acesso aos sistemas de saúde, de moradia e previdenciário. Os dados foram contabilizados até o mês de setembro deste ano.
 
O maior número é registrado na Marinha: são 26 militares, 23 deles apresentaram declaração de união estável e outros três, certidão de casamento. Já o Exército registra três pedidos, enquanto que a Aeronáutica diz que não é possível fazer um levantamento, pois o sistema de registro não faz essa distinção. Pelo menos um caso é confirmado: em abril, a FAB reconheceu como dependente o marido de um sargento homossexual que é controlador de voo no Recife (PE).
 

Caso do cabo João (à esquerda) foi um dos que fizeram a Marinha mudar
a norma para reconhecer o dependente (Foto: Arquivo Pessoal)
 
A tendência é que, agora, o registro de soldados homossexuais nos quartéis deva aumentar. Isso porque a Marinha já alterou as normas internas, acabando com termos como “mulher” ou “marido” e admitindo os dependentes apenas como “cônjuges”.
 
O Exército, que teve o 1º homossexual reconhecido após decisão judicial em agosto, começa agora um processo para adequar “todas as normas internas” que tratam de inclusão de dependentes, buscando estender aos casais homossexuais todos os direitos concedidos aos heterossexuais.
 
Enquanto os manuais estão em adequação, os militares que possuírem uma união homoafetiva não precisarão mais recorrer à Justiça. Os pedidos, garante o Exército, serão reconhecidos administrativamente.
 
Segundo a Marinha, o alto número de registros ocorre devido a uma mudança feita no manual de Declaração de Dependentes e Beneficiários, chamada de DGPM-303. O texto, de 1996, sofreu revisões em outubro de 2011, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar os direitos de casais do mesmo sexo, e em 2013. A primeira alteração ocorreu após o cabo reformado João Batista Pereira da Silva, de 41 anos, brigar durante dois anos pelo reconhecimento do companheiro, Claudio Nascimento da Silva, de 40 anos. Casados no Rio de Janeiro, eles decidiram que "a Justiça não era o caminho".
 

Sargento foi o primeiro a obter reconhecimento da união
homoafetiva no Exército (Foto: Arquivo Pessoal)
 
“Queríamos que a Marinha mudasse as regras e que outros militares pudessem ser beneficiados sem ter que sofrer o que sofremos. Por isso optamos por brigar internamente, fazer a Marinha mudar, em vez de buscar o meio judicial”, diz Claudio, que é ativista GLBT e superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.
 
“O Exército está atrasado. Hoje, os princípios são de igualdade. Não estamos mais no tempo da ditadura. Somos procurados por muitos militares que querem orientação e ficam com medo de preconceito nos quartéis”, acrescenta ele.
 
João foi marinheiro de gola por mais de 20 anos e diz ter enviado e-mails à Presidência e ao Ministério da Defesa até conseguir o registro do dependente. Com a união estável registrada desde 2010, o casal procurou, pela primeira vez, a Diretoria Geral de Pessoal da Marinha em abril de 2011. Foram vários "não" ouvidos até setembro de 2011, quando a Marinha os comunicou que o cadastro era possível. Contudo, explica João, na época eles já estavam com certidão de casamento e o órgão indeferiu o pedido, alegando que a equiparação de direitos só valia para uniões estáveis – e não para casamentos. Foi só em 24 de agosto do ano passado que os dois foram registrados, enfim, como um casal militar.
 
“Quando solicitamos a equiparação de direitos à Marinha, um oficial nos disse que éramos loucos, que os militares nunca reconheceriam um casal gay”, relembra Claudio.
 
Mudanças em andamento
 
No Exército, as mudanças ainda estão em andamento após o Tribunal Regional Federal de Pernambuco determinar que um estudante de 21 anos seja reconhecido como companheiro de um sargento de 40. O praça largou a mulher em 2000, com quem tinha um casamento, por causa da paixão pelo estudante. O processo dele junto ao Comando Militar do Nordeste estava parado desde 2000.
 
Em primeira instância, um juiz federal negou preliminarmente o pedido de equiparação de direitos – alegou que a legislação em vigor para servidores públicos militares dispõe que a assistência médica só considera como dependente “a mulher” e os filhos do soldado. Já em agosto, o TRF de Pernambuco determinou que o Exército reconheça o casal. A Advocacia Geral da União (AGU) divulgou que não irá recorrer da decisão, mas um recurso sobre o valor a ser pago de custas judiciais adiou a homologação do caso.
 
“A União ainda não foi notificada e depois começa a correr um prazo de 30 dias até que transite em julgado. A partir de então o Exército terá que cumprir”, diz a advogada do sargento gay, Laurecília Ferraz.
 
“O Exército é uma instituição legalista, cumpre a lei. A notícia de que eles estão mudando as normas é bem-vinda, vai acelerar o processo de todos os demais. Para nós, é uma vitória este reconhecimento de direitos”, comemora a defensora.
 
Além do sargento de Recife, outros dois casos foram contabilizados no Exército: um já está regularizado e o outro está com homologação em andamento, mas também será atendido. A Força diz ter “perene compromisso de obediência às leis vigentes”. Já a Marinha diz que agiu “proativamente” na primeira revisão da norma, no sentido de se adequar à decisão do Supremo. A Aeronáutica diz que não faz distinção e que os documentos internos já usam o termo cônjuge.
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

TST confirma convenção coletiva que garante benefícios em união gay de trabalhadores aéreos do RS


 
Publicado pelo G1
Por Mariana Oliveira
 
Uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), divulgada nesta quarta-feira (25), confirmou a validade de uma convenção coletiva de trabalhadores do setor aéreo do Rio Grande do Sul que garante a extensão de benefícios trabalhistas no caso de união estável homoafetiva.
 
Foi a primeira vez que o TST reconheceu em uma convenção coletiva, que garante o direito de toda uma categoria profissional, a igualdade entre as uniões heterossexuais e homossexuais em relação a direitos como incluir o companheiro ou companheira como beneficiário do plano de saúde, do seguro ou do plano de previdência.
 
O TST analisou a validade da cláusula de convenção coletiva firmada pelo Sindicato dos Aeroviários de Porto Alegre (RS) com companhias aéreas porque o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região havia rejeitado a validade da seguinte cláusula: "Quando concedido pela empresa benefício ao cônjuge/companheiro(a) do empregado, reconhece-se a paridade de tratamento entre as uniões estáveis homoafetivas e heteroafetivas".
 
A decisão tomada pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) por unanimidade (nove votos a zero) levou em consideração entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de maio de 2011 que reconheceu a união estável de homossexuais.
 
Ao votar, o relator do processo, ministro Walmir Oliveira da Costa, disse que a decisão foi "fundamentada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade que impõem tratamento igualitário a todos, visando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária".
 
O ministro disse que antes mesmo da decisão do Supremo, a Justiça brasileira já concedia os mesmos direitos a casais do mesmo sexo em relação ao patrimônio (herança, partilha ou pensão), por exemplo.
 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

"O pastor que se acha o dono da praça", por Débora Diniz


 
Publicado pelo Estado de S. Paulo
 
Erro de local e hora não foi das garotas hostilizadas por Feliciano, mas do pastor que se apropriou da rua como se seu templo fosse  
 
Um pastor com poderes de governante de um Estado laico. Foi a isso que assistimos no último curto- circuito entre religião e democracia protagonizado pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP). “Aquelas duas meninas têm que sair daqui algemadas!”, esbravejou o pastor-deputado. Seu mal-estar era um beijo lésbico entre duas jovens. O espaço não era um templo, mas uma festa na praça principal de São Sebastião, uma cidade do interior de São Paulo, cujo maior financiador foi a prefeitura do município. Uma festa ao ar livre, com dinheiro público, auto intitulada “semana socio cultural”, porém tendo um pastor como soberano do Estado. As ordens de Feliciano não bradaram apenas no microfone, mas na força policial que arrastou as garotas para a delegacia.
 
Poderia ter sido pior. Os números dizem que 350 mil pessoas passaram pela praça para se divertir ou louvar. Os gritos de ordem de Feliciano foram acompanhados por um coro de fiéis também ávidos por vingança. Não sei o que sentiam enquanto gritavam – se nojo das mulheres ou lealdade ao pastor.
 
As duas mulheres viveram momentos de pânico, e as marcas do corpo são algumas das cicatrizes da violência. Talvez porque a multidão fosse pacífica ou porque também se intimidou com a força policial, não houve um massacre animado pelos gritos do pastor ao microfone. A multidão se aglomerou como abutres em torno das duas garotas – uma apanhava enquanto resistia e gritava, a outra era arrastada. A imagem das duas garotas provoca compaixão pela juventude e pelos corpos miúdos :indefesas na carne, porém convencidas do direito de existir como desejam.
 
Erra quem resume o evento a um abuso da força policial. Essa é uma das peças mal postas na história, mas há outras que a antecedem. A primeira é o Estado brasileiro financiar eventos que se descrevem como culturais, mas cujas estrelas os assumem publicamente como religiosos. A segunda é o uso do espaço público para fins privados e segregacionistas – a praça é um templo do mundo que recusa proprietários. A rua não é um templo religioso, e a Guarda Municipal não é a encarnação detorquemadas medievais; seu papel é defender o patrimônio do município. Por fim, mas não menos importante, o Estado não reprime com força policial beijos entre duas mulheres. A verdade é que o Estado nem discrimina nem algema lésbicas por estarem no mundo.
 
O quadro é triste. Se a festa cultural financiada com dinheiro público era “um culto”, como descreveu Feliciano,é urgente uma investigação sobre a moralidade do financiamento. Se era uma festa cultural, nela todas as expressões da diversidade deveriam ser bem-vindas – alguns estavam lá para ouvir as pregações do pastor, outros para se divertir, outros poucos para protestar. O direito à liberdade de expressão é fundamental em nossa ordem política, e as duas moças, além de se beijarem, protestavam. Se há crenças religiosas que consideram o beijo de duas mulheres um ato de vilipendiação ou de baderna – palavras do pastor Feliciano –, essa é um liberdade de pensamento com limites claros de expressão pública. Jamais as duas moças poderiam ser reprimidas com a força policial por suas preferências existenciais. Jamais poderiam ter sido objeto de perseguição por um microfone financiado com recursos públicos.
 
Feliciano descreveu a praça como um“ ambiente religioso”. Seu argumento para perseguir as moças, convocar a polícia e expulsá-las da vida pública foi o de inadequação espacial: as moças estariam no lugar errado, na hora errada, fazendo algo muito errado. Ora, se há algo equivocado nessa história é que a praça não é um espaço religioso; portanto, o erro de geografia não foi das garotas, mas de quem se apropriou da rua comose fosse um templo. Mas a discussão sobre pessoas certas nos lugares certos é realmente interessante quando proposta pelo pastor, que se crê representante da democracia e é o principal líder dos interesses das minorias n Câmara dos Deputados. Se há mesmo pessoas certas para lugares certos, como entender que ele lidere a Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados?
 
Feliciano pediu que as lésbicas, os gays ou os transexuais o esquecessem. “Eles estão me fortalecendo. Deviam ter um pouquinho de juízo e me esquecer”, disse o deputado- pastor imediatamente após as garotas serem algemadas em uma viatura policial. Se quer mesmo ser esquecido pelos grupos que não suporta que estejam na praça, Feliciano deve esquecer as próprias pretensões políticas, pois não sabe conviver com o espírito democrático. Seu papel como líder da Comissão de Direitos Humanos é conviver com os fora da norma religiosa.
 
Ao contrário do que o deputado-pastor imagina, a sociedade brasileira não é um evento gospel que o reconhece como soberano, nem as meninas são como “cachorrinhos latindo”, a metáfora que escolheu para descrevê-las enquanto eram arrastadas pela polícia. Não são latidos o que ouvimos nos últimos dias sobre o incidente, mas vozes de resistência à discriminação. Vivemos em uma democracia em que lésbicas têm o pleno direito de viver na praça, de beijar-se em eventos culturais e de não temer a força das algemas como repressão religiosa.
 
DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E PESQUISADORA DA ANIS – INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO

Carlos Tufvesson: "O preconceito é democrático e atinge todas classes"


 
Publicado pela Ego
 
Em entrevista, estilista fala de seu casamento de 17 anos com André Piva e da luta pelos direitos dos homossexuais.
 
Carlos Tufvesson, um dos mais festejados estilistas brasileiros e que veste gente como Angélica, Ana Maria Braga e Vera Fischer, nasceu em 1968. Um ano antes de acontecer a chamada Batalha de Stonewall, quando no dia 28 de junho, grupos gays que frequentavam o bar Stonewall, em Nova York, se rebelaram contra a polícia que sempre aparecia no lugar para bater e cometer abusos. A data virou marco e ficou conhecida como Dia do Orgulho Gay no mundo todo. Para Tufvesson, 43 anos, homossexual assumido, casado há 17 anos com o arquiteto André Piva e responsável pela Coordenadoria de Diversidade Sexual do Rio de Janeiro, órgão da prefeitura do Rio, dia do orgulho gay é todo dia.
 
Pelo menos é com essa lógica que ele trabalha ao receber denúncias de gente que foi destratada ou agredida por tentar exercer sua orientação sexual, ou por ainda não ver direitos como o do casamento gay reconhecidos pela Justiça brasileira.
 
“Soube do caso de irmãos gêmeos que foram agredidos na Bahia porque estavam andando abraçados. Isso é crime de ódio. Até quando o Estado brasileiro vai permitir que isso aconteça? Que pessoas morram por sua orientação sexual? No caso em questão, nem gays as pessoas eram”, diz ele que, apesar de fazer parte da alta sociedade do Rio de Janeiro e de ser filho da estilista Glorinha Pires Rabelo, não foi poupado de situações de discriminação e preconceito.
 
“O preconceito é bem democrático e atinge a todo mundo, a todas as classes sociais, religiões e raças. Só foi mais fácil porque posso contratar um advogado ou ter acesso ao conhecimento e me defender. Mas, só. Não tenho os mesmos direitos que outros cidadãos brasileiros têm. Ainda não posso me casar de verdade. Eu até poderia casar na Inglaterra, por exemplo, já que o André é cidadão europeu. Mas não quero isso, não quero desistir de ser brasileiro por ser gay”, conta ele. Nesta entrevista ao EGO, Tufvesson fala ainda sobre a desistência da candidatura a vereador e de seu quadro, o “Fashion Express”, no programa “Mais Você”.
 
 
 
Por que desistiu de se candidatar ao cargo de vereador no Rio de Janeiro?
Percebi que não estava preparado para chefiar uma campanha política. Não era só ter uma ideia na cabeça e uma boa intenção. Teria umas 30 pessoas trabalhando diretamente comigo, mais umas 200 na rua. É uma empresa! Fechei a minha empresa porque percebi que era uma grande roubada. E, no final das contas, eu estaria de novo administrando uma. Não quero isso. Acho que cada um pode ser militante, um soldado, no front em que atua.
 
Como é o trabalho na Cordenadoria de Diversidade Sexual?
Tentamos combater a homofobia e conseguimos criar o programa “Rio sem preconceito”, que trabalha a cura da homofobia a partir de todo o tipo de preconceito e transforma a causa gay na causa de todo cidadão que já sofreu preconceito. Além disso, recebemos denúncias e tentamos encaminhar a questão. Aliás, essa é a nossa preocupação no momento, o baixo índice de denúncias que recebemos. A gente acha que o cidadão homossexual está tão acostumado a ouvir que ele não tem direito, que é um subcidadão, que ele acredita nisso. Temos leis que garantem a cidadania do cidadão LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), como manifestação de afeto e isonomia de tratamento. Neste 28 de junho, vamos lançar uma campanha pra mostrar a importância da denúncia. Não adianta vir no meu Twitter ou no meu Facebook e falar que foi vítima de homofobia. Temos uma coordenadoria na cidade, com cidadãos homossexuais trabalhando nela, que vão atender com respeito, dignidade, conhecimento técnico e privacidade. Sem a denúncia, não podemos agir.
 
Como é transformar uma opção em uma bandeira política?
É muito simples: não é uma opção. É uma orientação. Ninguém na vida optaria por ser veado e tomar uma porrada na esquina, ter sua orelha mordida, ser esculachado na escola.
 
Formulei mal! Quis me referir a algo que deveria ser apenas uma decisão pessoal e tem que se transformar em uma briga por direitos civis para que seja garantido.
Não! Acho que você formulou bem. Acho que você deveria manter assim porque tem muita gente que acha que ainda é uma escolha. Desconsidera que a Organização Mundial de Saúde já declarou que não é doença. Acho engraçado quando algum parlamentar ou algum religioso vem opinar sobre isso e propor, por exemplo, que homossexualidade é doença e precisa de cura. Não quero a opinião deles falando sobre a minha condição. Quero uma opinião técnica. Existe um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, que propõe isso. A cura para gays. Mas quero ver que médico vai curar isso já que é passível de perda do CRM do profissional. Quem vai curar se não pode? Como pode uma pessoa sem conhecimento técnico decidir a esse respeito?
 
Você acha que sua trajetória pessoal na luta dos direitos civis dos gays de algum modo foi beneficiada pela sua classe social? Você e o André, por exemplo, são citados no anuário da Sociedade Brasileira.
O preconceito é bem democrático ele atinge a todo mundo, a todas as classes sociais, religiões e raças. Só foi mais fácil pra mim por ser de uma classe social mais favorecida porque posso contratar um advogado ou ter acesso ao conhecimento e me defender. Mas, só. Mas estudo também não está ligado a classe social. Tem muita gente da minha classe social, que é completamente ignorante. Acho que é mais fácil pela minha profissão, talvez. Sou um profissional respeitado, sou dono da minha empresa, assim como o André. A gente não tem que ficar preocupado se vai deixar de ser promovido ou não porque se assumiu gay. Mas é só isso. Não é fácil para ninguém. Preconceito a gente sofre desde criança. Quanto ao anuário da Sociedade Brasileira, o que aconteceu foi que a gente era citado em verbetes separados, mas no mesmo endereço, na mesma edição. Aquilo me incomodou. Liguei para a Helena Gondim, na época, e falei que não queria continuar no livro. Ou ela me colocava como um casal ou me tirava. Porque eu e o André somos um casal, temos um casamento e todo mundo sabe disso. Foi bacana porque ela topou e ainda ligou para outros casais perguntando se queriam a mesma coisa. Mas só eu e o Gilberto Braga topamos figurar como casal no anuário. Mas entendo que ninguém é obrigado a assumir nada. Eu só tenho que lutar para que as pessoas tenham o direito de escolher e exercer sua cidadania.
 
Como foi para você se assumir gay e contar para a sua família?
Meu caso é uma exceção. Minha mãe se separou do meu pai, que era militar, quando eu tinha seis meses de idade. Eu carrego o preconceito de ser filho de pais separados desde que eu tinha seis meses, minha mãe teve um segundo casamento, mas não tinha divórcio ainda, meu irmão era tido como filho bastardo. Então, todo o tipo de preconceito que você possa imaginar eu já passei. Tinha que ver na época em que frequentava o clube militar com o cabelo comprido. Confundiam-me com subversivo. Acho que na época, se pedisse para meu pai escolher o que eu seria, gay ou subversivo, não sei o que ele iria preferir (risos). Nos éramos uma família atípica. Mas minha mãe sempre me disse para eu lutar pelas coisas em que eu acredito.
 
É claro que tive dificuldade em dizer: “Sou gay”. Se bem que na verdade, eu não cheguei e falei. Voltei da minha pós-graduação na Itália e estava apaixonado por um cara. Até então, achava que um homem não podia se apaixonar por outro homem. Trepar podia, apaixonar, não. Mas voltei e estava mal, ficava só em casa, não saía. Até que minha mãe virou e falou: “Você está com saudade dele, né?”. Tomei um susto, mas foi assim. Mas acho que a pessoa tem que ter todo o tempo do mundo para absorver isso, se conhecer e entender a sua sexualidade, o homossexual se sente isolado no mundo, que a sexualidade dele é promiscua, suja. Enquanto ele achar isso, não deve falar com a família. Ele não está preparado. Só quando entender que o que ele sente pode ser o mesmo amor que a mãe sente pelo pai, que a irmã pelo namorado. Que é tudo normal.
 
E como foi contar para o eu pai?
Eu tinha muito pouco contato com ele. Quando ele morreu, eu estava só há um ano com o André. Não tivemos tempo de ter essa conversa. Mais novo, eu sempre tive muitas namoradas. Teve um dia que ele me perguntou: e aí, nunca mais me apresentou uma namorada. Eu virei para ele e falei: 'Você vai querer falar sobre isso?'. Ele mudou de assunto (risos). Mas é um direito. Não tenho que forçar ninguém a me entender, me aceitar. Só a me respeitar.
 
 
E como foi fazer da cerimônia do seu casamento, no ano passado, um ato político então?
Mas não foi, nem é. Meu casamento foi um ato de amor, não uma manifestação política.
 
Ficou frustrado pelo fato de a Justiça não ter concedido a conversão da sua união estável em casamento civil?
 
Acho que esse episódio serviu para mostrar até aonde vai o preconceito. O Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade esse direito. Aí você pensa assim: luto há 16 anos por direitos civis dos homossexuais. Pronto! Foi! Vou conseguir!
 
Mas aí vem o juíz que negou a minha conversão, e envia um ofício para o Supremo justificando a decisão dele dizendo que ele não sabia que a entidade havia decidido sobre a união estável há seis meses. O mesmo aconteceu com um desembargador, que se disse impedido de julgar a causa porque teve uma educação jesuítica. É isso! Por mais que a gente lute, tenha leis, mas o preconceito abre suas brechas. Isso coloca a independência do judiciário em xeque.
 
Você acha que com o reconhecimento desse direito para todos os cidadãos brasileiros já dá para começar a descansar?
Não. É apenas o primeiro passo! Quando você reconhece o casamento, você diz apenas que eu tenho o mesmo direito que outros cidadãos brasileiros. Eu poderia casar na Inglaterra, por exemplo. O André é cidadão europeu. Mas não quero isso, não quero desistir de ser brasileiro por ser gay. Nós homossexuais não temos 120 direitos que nos são negados. Ou me dá meus direitos, ou desconto no imposto de renda porque só obrigação não dá. Meu estado civil continua solteiro ainda. Todo mundo sabe que sou casado com ele há 17 anos. Isso é uma falsidade ideológica, é patético, é uma situação vexatória. O judiciário vai ter que se pronunciar para evitar que mais crimes de ódio continuem acontecendo no nosso país.
 
Como rolou o convite para participar do programa da Ana Maria Braga?
Foi o Boninho que teve a ideia do quadro, dando dicas de moda e me chamou. É um tesão porque voltei a trabalhar com tecido, coisa que não fazia desde que fechei minha empresa. A moda não é só minha profissão, é minha vida.

Fifa diz que não tolera homofobia no futebol


 
Publicado pelo Estadão
 
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) afirmou ter uma postura de tolerância zero diante das variadas formas de discriminação. A reação veio após a publicação de reportagem na edição de domingo do Estado, que mostrou o tabu sobre a homofobia no esporte.
 
A Fifa e o Comitê Olímpico Internacional (COI) não fizeram campanhas diretamente relacionadas ao combate à homofobia. Ambas, porém, possuem em seus estatutos e códigos de conduta regras que condenam a discriminação por gênero.
 
Em janeiro de 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros enviou um ofício à Fifa pedindo uma campanha contra a homofobia na Copa do Mundo que será realizada no Brasil. A entidade ainda espera uma resposta, segundo o presidente Carlos Magno Silva Fonseca. "Nossa ideia era de que houvesse uma campanha como as que já foram feitas contra o preconceito racial, mas não recebemos nenhuma resposta."
 
A escolha das sedes para as próximas Copas do Mundo e Jogos Olímpicos colocaram diante das entidades um desafio na discussão sobre a questão gay no esporte. Após a Copa no Brasil, em 2014, os Mundiais serão disputados na Rússia, em 2018, e no Catar, em 2022, países com histórico de violações nos direitos dos homossexuais. A Olimpíada de Inverno, no início de 2014, será em Sochi, também em território russo.
 
Em agosto, a Rússia aprovou a chamada "lei antigay", que proíbe manifestações públicas a favor dos gays - até 1993, a homossexualidade era crime no país, o que ainda está em vigor no Catar.
 
"Rússia e Catar se comprometeram a dar boas vindas a todos os torcedores, além de garantir a segurança deles. A Fifa acredita que (os países) vão cumprir a promessa", diz a entidade em nota. A Fifa ainda afirma ter pedido esclarecimentos aos russos sobre a "lei antigay", assim como fez o COI.