Publicado pelo Diário do Centro do Mundo
Por Guy Franco
Por medo de perder papéis? Por medo da avó? O preconceito diminui quando isso deixa de ser uma questão. Pensei outro dia: por que quase não existe ator assumidamente gay na Globo? Os poucos de que sabemos alguma coisa, nem assumidos são – nós é que não somos tontos e logo percebemos que eles se mexem e gesticulam demais na TV. Não que eu me importe com a sexualidade alheia, mas todo mundo sabe que nesse meio boa parte ali gosta da coisa. Então por que só meia dúzia, em meio a centenas de atores, fala abertamente sobre isso? Por que nenhum apresenta o namorado e o poodle do casal?
E tudo aquilo que sempre ouvi sobre artista ser liberal e mente aberta, jogo onde? Não é possível que no elenco de uma novela não tenha pelo menos uns cinco ali que beijam rapazes. Na Malhação, pelo menos uns dezoito.
Por alguma razão, talvez o medo de perder papéis importantes nas novelas, talvez porque a avó não desconfia de nada ainda, dificilmente um ator comenta o assunto. Mais fácil discutirem política, religião, padrões de tomadas e outras dessas polêmicas de sempre.
Está certo, é claro que eles estão no direito de não compartilhar suas intimidades. O que fazem na cama interessa somente a eles, e olhe lá. Sexualidade é um assunto privado. Como a opinião sobre a minha barba também deveria ser. Mas a questão nem é essa. Assumir a homossexualidade tem lá suas vantagens hoje em dia, mesmo para um ator da Globo com fama de comedor.
A mídia, por exemplo, adora quando uma pessoa famosa sai do armário. O público também. Cantores esquecidos e atores mortos já foram ressuscitados assim. Veja Ricky Martin. Agora espie a revista Serafina do último domingo: Miguel Falabella fala e não fala do assunto. “Detalhes não interessam a ninguém”, diz. Depois, em destaque: “Meus personagens são a minha maneira de fazer ativismo. Não preciso sair sacudindo bandeira na parada gay.”
Ficar dentro do armário não é um bom negócio. Levante as estatísticas; este é um assunto que gera muitos comentários e compartilhamentos de vídeos no Youtube.
Não sei do que um ator da Globo tem medo. Neil Patrick Harris, de How I Met Your Mother, um dos seriados mais populares hoje, faz papel de pegador e nem por isso se intimida de aparecer em público com o namorado e os bebês. A carreira dele não vai ser arruinada por sua sexualidade. Pelo contrário, os dois – ele e o namorado – sempre aparecem em capas de revistas.
Jodie Foster sacou muito antes as vantagens de se assumir. Gostamos mais dela também por causa disso. Os exemplos em Hollywood não faltam. Já no Brasil, mesmo com a fama de um povo que costuma despejar intimidades para a primeira pessoa que encontra na rua, poucos são os atores mais conhecidos que resolvem se abrir. Não sabem tirar proveito da coisa.
De repente estou sendo otimista com a reação do público aqui. Mas não consigo ver de outro jeito. Mesmo que uma celebridade perca fãs porque se assumiu, ora, esses eram fãs que nunca deveria ter. Assumir a homossexualidade também serve para isso, afastar os demônios. Todo mundo, uma vez na vida, deveria interromper um jantar em família e contar que é gay, mesmo que não seja. Quem sair correndo da mesa, já sabe, nunca serviu para você.
Marco Nanini disse que se assumiu como um ato político – há quem sustente que sair do armário seja um ato político. Não sei, de repente é. Eu acho mais é que todo mundo deveria se assumir de uma vez, com hora marcada. Virar bagunça. Deixar o assunto banalizado a ponto de ninguém mais se importar com celebridade que resolveu se abrir. Podia começar com os atores da Globo. Toda semana um deles se assumiria no Faustão, até que o povo não aguentasse mais.
E é assim mesmo que o assunto deveria ser encarado, como uma bobagem qualquer, como rotina. O preconceito diminui quando a homossexualidade deixa de ser uma questão. Homofobia não se combate revelando quem é gay, mas se esquecendo de que o cara é gay. Primeiro se assume, depois se esquece. O Brasil é tão atrasado que ainda não chegamos no primeiro passo.