Publicado pelo Terra
Por Viviane Vaz
Se a mesma história tivesse ocorrido no Brasil, o então advogado belga do partido socialista, Pascal Smet, 46 anos, ainda teria o estado civil de "solteiro". Há 18 anos o hoje ministro da Educação, Juventude e Igualdade da Bélgica conheceu seu marido por acaso em um encontro de amigos em comum em Bruxelas. Lá estava um cidadão brasileiro, de Goiânia, que vinha à capital belga visitar a irmã. A diferença é que depois do namoro, o belga e o brasileiro puderam se casar na Bélgica, o segundo país do mundo a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Discreto, Smet diz que não sofreu preconceito para fazer carreira política na Bélgica, que iniciou com apenas 22 anos no conselho municipal de Beveren-Waas. Em 2009 assumiu a pasta de Educação do governo flamengo. "Nós temos um primeiro-ministro gay, um ministro da educação gay e desde que as pessoas vejam que você faz o seu trabalho bem, que você é como todo mundo, não há discussão", resume Smet na entrevista ao Terra.
Como é o procedimento para se casar na Bélgica? Houve algum impedimento ou dificuldade no seu caso? Você vai à prefeitura, marca uma data, assegura-se de que tem todos os papéis em ordem e retorna à prefeitura no dia marcado. Os funcionários são muito amigáveis e tudo acontece como em qualquer outro casamento. Entre homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher... todos são tratados iguais.
No Brasil há um grande debate sobre o tema. Como seu marido é brasileiro, você acha que ele também gostaria de se casar no Brasil, caso a lei venha a permiti-lo?
Acho que sim. Mas também nosso casamento já pode ser reconhecido pelo governo brasileiro. E se formos os dois viver no Brasil, o que planejamos fazer algum dia, então o casamento será reconhecido. E eu acho que seria bacana se qualquer pessoa no Brasil pudesse se casar. Seria uma boa iniciativa.
A Bélgica foi o segundo país a reconhecer o direito dos homossexuais a se casarem. Depois de 10 anos da existência desta legislação, você acha que algo ainda precisa ser mudado ou melhorado?
Não. Acho que temos uma lei maravilhosa, porque temos igualdade completa. Inclusive o direito de adotar crianças. Do ponto de vista legal, não temos problemas para oficializar a união e tudo vai bem. De forma geral, há também amplo apoio da população e em todos os partidos políticos, ninguém questiona isso. Às vezes é difícil chegar a esta decisão, mas uma vez que a questão é levada ao parlamento para fazer com que o casamento seja um direito igual para todo mundo, deixa de ser um problema.
Foi difícil para você ser gay e político na Bélgica? Você sofreu algum tipo de preconceito?
É difícil dizer, mas eu sou também ministro da educação e isso não me trouxe nenhuma dificuldade junto às escolas, nem sequer nas religiosas, como a católica. A sociedade mudou muito e as pessoas lhe tratam como um igual e também entenderam que não é uma questão de escolha, mas uma questão do que as pessoas são. É uma questão de natureza, e você pode aceitá-la ou não. É algo que estava lá, que sempre vai estar lá e as pessoas entenderam que é uma questão de bem-estar e ser feliz.
Mas, você sabe, nós temos um primeiro-minsitro gay, um ministro da educação gay e desde que as pessoas vejam que você faz o seu trabalho bem, que você é como todo mundo, não há discussão. E ninguém costuma fazer perguntas se você é gay ou não. É algo pessoal. E para que algo não se torne um dilema, nós mesmo não devemos fazer disso um dilema. Como político, eu nunca escondi minha condição, mas também nunca fui de ficar falando. É algo que não é relevante para o meu trabalho. Mas agora, como ministro de Educação e de Igualdade de Oportunidades, passou a ser também ver esta questão.
E como a homossexualidade é tratada nas escolas na Bélgica? Existem projetos para fazer com que os adolescentes tenham mais respeito, tolerância ou consciência sobre a diversidade sexual?
Tentamos ensinar que as crianças devem respeitar todas as formas. Essa matéria é abordada nas escolas, mas a maneira como é abordada é decisão de cada escola e muda de instituição para instituição.
E isso beneficiou também os professores gays, que passaram a sofrer menos problemas, menos preconceito. Nas escolas, é comum quando a criança chega aos 12, aos 14 anos, e começa a descobrir sua própria sexualidade e orientação sexual. Então não é um trabalho fácil. E é um tema usado por crianças e adolescentes para assediar (bullying) outros. E por esta razão, todo mundo que está envolvido com educação se reuniu e fez uma declaração forte de intenção de tornar as escolas e colégios um ambiente tolerante também para os gays. Todas as boas práticas usadas na Bélgica, mas também em outros países, para apoiar os professores sobre como lidar com esse tema, serão colocadas à disposição.
Também vemos que muitos casais homossexuais, apesar de a lei permitir a realização do casamento, preferem não fazê-lo. O que você acha disso?
Na Bélgica temos bons estatutos para as pessoas morarem juntas, homossexuais ou heterossexuais. Para ser honesto, eu não fazia tanta questão de me casar, mas meu namorado, sim, e como para ele era importante, eu o fiz. Acho que é uma evolução que também ocorre nas relações heterossexuais, que as pessoas tendem a casar cada vez menos. Mas acho que é bom que alguns casais gays queiram se casar, porque é um reforço para a instituição do casamento. E quando existe esta instituição, é importante que ela seja válida para todo mundo.