A modernização da sociedade chinesa nos últimos anos ainda não foi 
suficiente para acabar com um dos fenômenos mais comuns relacionados aos
 homossexuais no país: o casamento de fachada, para atender às normas 
tradicionais da sociedade e às expectativas familiares. 
 
Um estudo feito no ano passado por Zhang Beichuna, da Universidade de 
Qingdao, estima que existam 16 milhões de mulheres casadas com homens 
homossexuais. 
 
'Muitos gays se envolvem em casamentos com heterossexuais para atender 
às pressões sociais - em especial de seus pais -, mas continuam mantendo
 relações homossexuais fora do casamento', conta Xu Bin, presidente do 
grupo GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) Common Language, de Pequim. 
 
Conforme a tradição cultural chinesa, jovens devem se casar em torno dos
 25 anos e ter filhos, para dar continuidade à linhagem familiar. O 
casamento é um dos pilares sociais mais importantes no país - além de 
ser visto como uma garantia de segurança financeira e emocional para 
muitos idosos, que dependem financeiramente dos filhos para sobreviver, 
já que o sistema de previdência social chinês é ainda pouco 
desenvolvido. 
 
Mas um dado que pode ser visto como um sinal de modernização da 
sociedade chinesa é o aumento, segundo o estudo da Universidade de 
Qingdao, dos casos de jovens pedindo divórcio ou anulação do casamento 
por descobrirem que seus parceiros são homossexuais.
Em janeiro, a Primeira Corte Intermediária de Pequim, que lida com 
divórcios e anulações de matrimônios, divulgou que o número de pedidos 
de anulação de casamentos em curto prazo está crescendo, ao passo que o 
de divórcios está diminuindo. 
 
O estudo liga o dado à disposição de jovens esposas a não aceitar o 
casamento de fachada. Mas Xu Bin, presidente do grupo GLS, diz que 
muitas mulheres tentam a anulação para evitar o estigma social. 'O 
pedido de anulação mostra que as mulheres entendem que ser divorciada 
diminui seu valor na sociedade', analisa Xu Bin. 
 
Sem relações 
 
Uma jovem de 32 anos de sobrenome Ying, de Pequim, pediu o divórcio de 
seu marido no final de 2012. Depois de um ano casados e sem manter 
relações sexuais, Ying descobriu que seu esposo era homossexual. 'Ele 
chegou a pedir para que ficássemos ainda casados e tivéssemos filhos, 
para que a família dele não fosse prejudicada. Mas eu não podia viver 
assim', diz. 
 
No grupo coordenado por Xu Bin, um programa de assistência via telefone 
atende diversas mulheres que alegam terem descoberto que seus maridos 
são homossexuais. A situação inversa também é comum. 'Muitas chinesas se
 casam mesmo sabendo que são lésbicas. Mas elas não têm coragem de 
assumir sua posição perante a família e acabam seguindo a tradição, 
ainda que mantenham relações e namoradas fora do casamento', conta a 
ativista. 
 
Casos assim são comuns na comunidade GLS chinesa e criam confrontos 
entre gays mais jovens e mais velhos. Em fóruns de discussão na 
internet, lésbicas da geração pós-1990 criticam a posição de mulheres de
 gerações anteriores que se mantêm casadas em função de pressão social. 
Xu Bin tenta criar encontros entre a comunidade para a troca de 
experiência, pois 'as jovens cresceram em uma China já mais aberta, e é 
difícil para elas entender que gerações mais velhas lidavam com 
preconceito de uma forma muito pior'. 
 
A homossexualidade era considerada doença mental na China até 2001. Até 
1997, manter relações homoafetivas na China era considerado crime. Ainda
 há preconceito contra relações entre pessoas do mesmo sexo e, em zonas 
rurais, é ainda comum o caso de pais tentarem 'tratar' filhos gays 
através da medicina. 
 
O número de homossexuais no país, no passado estimado em 29 milhões, 
seria hoje em dia de mais de 50 milhões, de acordo com Xu Bin. No estudo
 conduzido pelo professor Zhang, há estimativas de que 70% dos homens 
gays chineses sejam casados. 
 
Casar-se ou não é ainda uma questão de difícil abordagem no país, mesmo 
dentro de grupos de apoio aos homossexuais. Uma das saídas encontradas 
em cidades como Dalian e Xangai foi a criação de bailes dirigidos a 
homens e mulheres gays, para que estes pudessem se conhecer e 
eventualmente armar um 'casamento', podendo manter suas relações fora do
 casamento livremente e sem a pressão do cônjuge. Em Xangai há também um
 baile semanal voltado apenas a homens gays que são casados. 
 
Borboleta da Sibéria 
 
O artista plástico Xiyadie (seu nome artístico significa Borboleta da 
Sibéria) é um dos casos mais famosos de gays casados da China. Aos 48 
anos, o artista já expôs seus trabalhos em Los Angeles e Estocolmo. 
Xiayadie se dedica ao jianzhi, a arte do corte de papel, que é um dos 
tesouros culturais chineses. A temática de sua obra, porém, é sua vida 
ao lado de seu companheiro de oito anos. 
 
'A primeira vez que descobri ter sentimentos por meninos foi ainda 
criança, na escola. Eu achava que era doente, um cafajeste', conta. Aos 
24 anos, o jovem de origem humilde cedeu às pressões familiares e se 
casou, após ter sido apresentado a dezenas de meninas pelos seus pais. 
'Naquela época eu já tinha certeza de que era gay, mas não tinha coragem
 de assumir, então tinha meus relacionamentos às escondidas. Era como se
 eu soubesse que precisasse comer do prato, mas também queria comer 
direto da panela.'
Apenas há dez anos o artista encontrou forças de conviver com seus 
sentimentos. Apoiado por um especialista em jianzhi de sua cidade natal,
 Yan'an, na província de Shanxi, o berço da arte milenar, Xiyadie 
mudou-se para Pequim, deixando para trás sua esposa e seus dois filhos. 
 
Ele ainda não consegue viver de sua arte, então mantém um trabalho 
regular em um estúdio do cineasta Xiang Ting, em Songzhuang, leste da 
capital, onde trabalha como segurança, cozinheiro e zelador por 1,5 mil 
yuans mensais (R$ 490) e, à noite, faz seus recortes dentro de sue 
quarto de dois metros quadrados. E não está divorciado. 
 
'Minha esposa e minha filha sabem que sou homossexual. Minha filha 
conhece meu namorado e eles se dão bem', conta. O filho mais velho tem 
23 anos e é deficiente mental. 
 
Questionado sobre o que faria se voltasse aos 24 anos e tivesse de 
escolher entre casar ou assumir sua orientação sexual, Xiyadie diz que 
mudaria pouco. 'Acho que fugiria dos meus pais. Voaria para longe para 
viver a minha vida. Não cederia a eles, mas também não contaria a 
verdade sobre mim.'