Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.
Super dica do querido amigo Cleuber Nunes
Por que o cinema gay comercial está tão contaminado pelo amor romântico, com homens belos em tramas açucaradas?
A situação anda complicada para o cinema gay nos cinemas 
recentemente. Por “cinema gay”, termo vago e contestável, entenda filmes
 que têm como foco central personagens homossexuais e/ou questões 
específicas aos indivíduos homossexuais. Em muitos casos, são filmes 
reservados ao gueto, que passam em cinemas específicos de grandes 
capitais.
Nestes últimos anos, Verão em L.A., Shelter e Weekend passaram em circuito comercial, enquanto produções como The Love Patient, Deixe a Luz Acesa e eCupid
 passaram em festivais gays, ou sessões gays de festivais de cinema. Em 
comum, os filmes acima têm uma abordagem plenamente idealizada do amor e
 do próprio indivíduo homossexual: estas seis histórias tratam de amores
 românticos entre jovens gays, todos belos, musculosos, brancos, 
sedutores, de classe média alta.
Seus conflitos são ligados apenas ao amor, figura fantasmática (“ele 
me ama, mas não podemos ficar juntos porque somos diferentes”, ou “eu o 
amo, mas ele não quer compromisso sério”, ou ainda “eu o amo, mas ele 
não me quer”). O relacionamento torna-se uma finalidade em si, neste 
mundo-bolha de pessoas bonitas e disponíveis, onde as mulheres servem 
apenas como mães, irmãs ou amigas dos protagonistas – já que a grande 
maioria dos “filmes gays” retrata a homossexualidade masculina.
No final, todos estes produtos parecem o mesmo, que seja em qualidade
 cinematográfica ou em discurso. É interessante que o espectador gay 
possa se identificar com estes amores utópicos, que parecem extraídos de
 propagandas de margarina ou páginas de revista de moda. Um exemplo foi 
particularmente surpreendente: Deixe a Luz Acesa, 
premiado em vários festivais e recebido com críticas muito favoráveis. A
 fórmula é a mesma dos demais, mas com elementos dramáticos: um dos 
amantes é viciado em drogas (nunca se vê este homem usando o que quer 
que seja), o outro teme estar infectado com o HIV (mas é só um susto).
Se estes atores fossem trocados por Reese Whitherspoon e Gerard 
Butler, ou Hugh Grant e Julia Roberts, teríamos uma comédia romântica 
heterossexual qualquer, dessas que os críticos adoram detestar. Mas por 
serem dois homens, ou ocasionalmente duas mulheres, a proposta parece 
“subversiva”, “alternativa”. Como as garotinhas que sonham com o astro 
da revista teen, os diretores e produtores (muitas vezes gays) do cinema
 gay acham que os homens comuns precisam é sonhar com os galãs das fotos
 acima.
O público acaba sendo infantilizado, reduzido ao desejo sexual 
primário – supõe-se que uma produção com um amor realista, vivido por 
pessoas comuns, não seja vendável no mercado. Não é questão aqui de 
solucionar a dúvida da oferta e da procura (são os gays que querem ver 
estes filmes, ou são estes os únicos filmes oferecidos aos gays?), mas 
simplesmente de dizer que este sistema se retro-alimenta. Ele não indica
 nenhuma tendência de se transformar, até porque são estes filmes 
idealizados que acabam sendo selecionados nos maiores festivais e 
recompensados pelos prêmios gays, como o Teddy.
Logicamente, nem todos os filmes seguem a estética publicitária do amor perfeito. Kaboom retratava de maneira despojada a plurissexualidade adolescente, Fucking Different XXX ousou mostrar o sexo sem pudores, e sem padrões, Tomboy
 explorou a identidade de gênero na infância, com grande naturalidade. 
Mas a razão pela qual falamos destas produções é justamente por 
constituírem exceções.
Ora, chegou o momento de um verdadeiro debate ser feito nos 
festivais, e de os gays se manifestarem quanto ao conteúdo que consomem.
 Não basta o festival selecionar um filme pela simples temática, 
independentemente da qualidade que ela propõe. Em outras palavras, não 
basta um filme ser gay para ele ser interessante, ele precisa propor uma
 maneira diferente de retratar o amor, as pessoas. A comunidade 
homossexual não pode se limitar a copiar os códigos do amor idealizado 
heterossexual, ele precisa achar sua estética e sua cultura próprias.
Em novembro chega a São Paulo e ao Rio de Janeiro o Festival Mix Brasil,
 com mais de cem filmes sobre o gênero. Vamos torcer para os curadores 
terem selecionado, e que o público prestigie, apenas as produções que 
propõem um olhar diferente, questionador, provocador e reflexivo sobre a
 cultura gay. Vamos torcer para que os filmes parem de ser histórias 
conformistas e apolíticas, para um público alienado, querendo sonhar com
 o homem ideal e o relacionamento perfeito.