Publicado pela Folha
Por Nick Kohen, do "Observer"
Tradução: Rodrigo Leite
As discussões sobre a emancipação homossexual nos ensinam, na pior das
hipóteses, que o pênis ocupa um lugar elevado no imaginário conservador.
Como a torre negra de Mordor, ele paira sobre todo o resto: preenche a
mente e tapa a luz. Quem tenta fingir o contrário sempre tropeça nos
próprios pés chatos.
Não é verdade que a gente "só pense em sexo", protestou a jornalista
católica Melanie McDonagh na revista "Spectator". Sem corar, ela então
se pôs a demonstrar que conseguia pensar em poucas outras coisas. A
sociedade deveria tolerar homens e mulheres cuja atração por seu próprio
sexo não seja expressa em relações sexuais, explicou ela, ao iniciar
sua discussão sobre os perus dos vigários. Então, se um vigário usa o
seu pênis para fazer sexo "sem um propósito procriador", ele deve ser
colocado para fora da Igreja Católica.
O marechal britânico Bernard Montgomery tinha "relações
apaixonadas, mas não consumadas, com rapazes"
A obsessão pública de McDonagh com aquilo que as pessoas educadas
antigamente chamavam de "partes íntimas" não seria tão importante se não
fosse partilhada por todas as religiões e por muitos na imprensa
conservadora e no partido Tory [conservador].
A Igreja Anglicana é bem mais liberal que o judaísmo ortodoxo, o
catolicismo e todas as versões do islamismo. Mesmo assim, ela crê numa
versão modificada do credo de McDonagh. Um vigário pode estabelecer uma
união civil, admitiu a Igreja Anglicana neste mês. Mas, se desejar que
seus superiores o elevem a bispo, ele deve submeter sua vida sexual a um
interrogatório. Só será promovido se puder declarar que se abstém do
sexo.
Essas são perguntas que constrangem mais o interrogador do que o
interrogado. Imagine se você fosse atrás de um emprego e o entrevistador
dissesse que você é ideal para o cargo, mas que, para poderem
contratá-lo, você precisaria dizer com quem fez sexo e quando foi a
última vez que o ato sujo ocorreu. Por que alguém que não seja um voyeur
iria perguntar uma coisa dessas?
Aliás, diante da comoção com o casamento gay, quem gostaria insistir que
os gays e lésbicas devem ser os únicos grupos que não podem gozar de
plenos direitos civis?
A resposta sedutora, que tem atraído autores homo e heterossexuais, foi
resumida na explicação que uma paciente do psicanalista Stephen Grosz
deu para a desaprovação do seu pai ao relacionamento dela: "Quanto maior
a fachada, maior a traseira".
Ela havia descoberto que seu pai secretamente mantinha o mesmo tipo de
relacionamento que ele havia condenado no caso dela por ser mantido
abertamente. Ele estava escondendo sua culpa atrás da sua raiva.
Muitos homofóbicos que escancaram seu desgosto com as "práticas
antinaturais" imitam aquele senhor. Em 1965, o primeiro visconde
Montgomery de Alamein tentou impedir a revogação das sanções penais aos
homossexuais, bradando que, ao permitir o sexo gay, "poder-se-ia
igualmente tolerar o diabo e todas as suas obras". Como era de se
esperar, Nigel Hamilton, seu biógrafo, revelou que o marechal Monty, que
comandou as tropas britânicas durante a Segunda Guerra, tinha relações
apaixonadas, mas não consumadas, com rapazes.
Nos EUA, o caminho que vai do púlpito à sauna gay já foi tão pisado por
pregadores evangélicos que surpreende ainda haver uma folha de grama
sobre ele. Diante de mais um escândalo, um cansado Christopher Hitchens
escreveu: "Sempre que escuto algum falastrão de Washington ou do coração
cristão do país martelando os males da sodomia, mentalmente anoto seu
nome no meu caderno e satisfeito acerto meu relógio. Mais cedo do que
tarde, ele será descoberto sobre seus cansados e desgastados joelhos em
alguma latrina ou motel vagabundo".
VOCÊ QUE É
Sei que é perigoso generalizar num tema tão vasto e complicado quanto a
sexualidade humana, mas aprendi, na minha vida admitidamente protegida,
que os homens que são, como eles dizem, "seguros" da sua
heterossexualidade têm pouco interesse naquilo que seus amigos
homossexuais fazem na cama, e que nossa indiferença é recíproca.
Sempre que ouvimos conservadores anunciarem que a igualdade para os gays
"abala o casamento", pensamos: nossos casamentos podem resistir a isso,
o que há de tão errado com o de vocês?
Como no caso dos antissemitas, com suas fantasias sobre um poder secreto
dos judeus, há uma ponta de inveja na voz de muitos dos que condenam os
direitos dos gays. O "Journal of Personality and Social Psychology"
confirmou essas suspeitas ao publicar pesquisas com estudantes que se
diziam heterossexuais.
Os pesquisadores mensuraram a distância entre o que os estudantes diziam
e como eles reagiam a imagens de casais gays e pornografia gay. Os que
se ficavam mais atraídos tinham mais propensão a demonstrar intenso medo
dos homossexuais.
Mas "vão se catar, vocês são gays" não é uma resposta adequada ao
preconceito, por mais verdade que isso possa ser em casos individuais.
Isso é cair na falácia de todas as discussões: "tu coque" ["você que
é"]. Se um orador diz que "homicídio é errado", e um espectador diz "mas
você é um homicida", ele provou que o orador é um hipócrita, mas não
que o homicídio é correto.
Da mesma forma, mostrar que muitos conservadores nutrem desejos por
aqueles a quem condenam não elimina o estigma da homossexualidade. Nem
altera as opiniões dos homofóbicos que não são enrustidos.
Michael McManus descreve uma cena de arrepiar em "Tory Pride and
Prejudice" ["orgulho e preconceito tory"], seu estudo histórico da longa
luta dos conservadores liberais para mudar a mentalidade do seu
partido. Jerry Hayes, um exuberante parlamentar do "baixo clero"
conservador, chega a um bar na Câmara dos Comuns, em 1986. O
Departamento de Saúde havia decidido que a única forma de lidar com a
nova ameaça da Aids seria falar ao público da forma sexualmente mais
explícita. Mas ser franco com o eleitorado também significava que algum
infeliz precisaria ser franco com a dona Margaret Thatcher.
Ele encontra Willie Whitelaw com aspecto cansando e entornando um whisky
sem gelo. "O que há de errado?", pergunta. "Eu precisei explicar a
Margaret sobre sexo anal", é a resposta.
Ninguém disse que Margaret Thatcher reprimia um lado lésbico. Mas, em
seus dias mais sufocantes, o governo dela aprovou uma medida nociva e
pouco conhecida, chamada Artigo 28, que foi a última lei contra os
homossexuais a ser promulgada por um Parlamento britânico. Também não se
pode dizer que todo mundo que acredita nos anátemas cristãos, islâmicos
e judaicos está negando seus impulsos homoeróticos. São apenas crentes
obedientes às suas autoridades religiosas, e dispostos a tirar proveito
da sua autorização para perseguir.
Como no caso de Thatcher, seu desinteresse pela homossexualidade não os
restringe, o que só serve para mostrar que o ódio flui de muitas fontes.
No caso da homofobia, ela pode ser voyeurística, impertinente,
hipócrita, ter minhoca na cabeça e ser secretamente invejosa, ou pode
ser ignorante, alimentada pela turba e servil à autoridade.
No fim das contas, não importa. Ninguém tem o direito de negar
tratamento igual a um concidadão por motivo algum. Não tenho dúvidas de
que é mais satisfatório para gays e lésbicas dizer "tu quoque", mas
"noli me tangere" [não me toque] é a resposta mais conclusiva.