Por David Smith, do "Guardian"
Tradução de Clara Allain
Grupos evangélicos cristãos nos EUA estão tentando realizar uma 
colonização cultural da África, abrindo representações em vários países 
para promover ataques ao homossexualismo e ao aborto, segundo 
investigação realizada por um instituto de estudos liberal. 
O instituto Political Research Associates (PRA), de Boston, diz que 
organizações religiosas americanas vêm ampliando suas operações em todo o
 continente, fazendo lobby em favor de políticas e leis conservadoras e 
alimentando a homofobia. 
Os grupos em questão incluem o Centro Americano para a Lei e a Justiça 
(American Centre for Law and Justice - ACLJ), fundado pelo 
televangelista Pat Robertson, que implantou bases no Quênia e no 
Zimbábue. 
De acordo com o relatório do PRA, a direita religiosa americana afirma, 
concretamente, que os ativistas dos direitos humanos são 
neocolonialistas cujo objetivo seria destruir a África. Grupos citados 
no relatório rejeitaram terminantemente as acusações. 
Intitulado "Colonizando Valores Africanos: Como a Direita Cristã 
Americana Está Transformando a Política Sexual na África", o estudo 
analisou dados de sete países africanos e pagou pesquisadores para 
trabalhar por vários meses no Quênia, Malauí, Zâmbia e Zimbábue. 
O PRA identificou três organizações que acredita que estão atuando 
agressivamente na África: o ACLJ, de Robertson, o grupo católico Human 
Life International e o grupo Family Watch International, liderado pela 
ativista mórmon Sharon Slater. 
Cada uma delas identifica suas agendas como sendo autenticamente 
africanas, num esforço para retratar a defesa dos direitos humanos como 
um novo colonialismo cuja finalidade seria destruir tradições e valores 
culturais, diz o relatório. 
Nos últimos cinco anos as organizações teriam aberto ou ampliado 
representações na África dedicadas à promoção de sua visão de mundo 
cristã e de direita. Uma rede frouxa de cristãos carismáticos de direita
 conhecida como o movimento de transformação se une a eles para 
alimentar as chamas das guerras culturais em torno do homossexualismo e 
do aborto, defendendo líderes políticas e ativistas africanos 
destacados. 
O padre anglicano zambiano Kapya Kaoma, autor do relatório, disse que 
grupos cristãos de direita incentivam a percepção de que as relações 
entre pessoas do mesmo sexo são antiafricanas e impostas pelo Ocidente, 
uma visão que na realidade é baseada na Bíblia que chegou com o 
colonialismo, e não na cultura africana tradicional. 
Ele deu o exemplo de uma jovem lésbica no Zimbábue que foi levada a 
várias igrejas para que o demônio fosse expulso de seu corpo, mas, mais 
tarde, louvada quando sua avó falou que na realidade ela estava possuída
 pelo espírito de seu tio morto, que nunca se casara. 
Kaoma disse que a homossexualidade não é algo estrangeiro, mas é descrita como tal pela direita cristã. 
A pesquisa constatou que alguns países são mais abertos à direita cristã
 americana que outros, em parte em função do apoio de autoridades 
governamentais. 
Os próprios presidentes de Zâmbia, Zimbábue e Uganda acusaram partidos 
oposicionistas de promover a homossexualidade, para reduzir a influência
 dos partidos e agradar aos poderosos setores religiosos conservadores 
africanos. 
O ACLJ foi convidado pelo presidente zimbabuano, por exemplo, Robert 
Mugabe, a abrir representações para treinar advogados para trabalharem 
sobre uma Constituição que refletisse os valores cristãos. 
Um esforço semelhante estaria sendo feito para influenciar a redação das
 Constituições do Quênia e de Zâmbia, com a inclusão de frases como "a 
vida começa na concepção". 
O relatório acusa Slater, da Family Watch International, de usar de um 
discurso alarmista, dizendo que a estratégia de controle populacional da
 ONU vai destruir a família africana. 
Slater teria afirmado que os homossexuais são significativamente mais 
promíscuos que os heterossexuais e que têm maior probabilidade de 
praticar a pedofilia. 
Kaoma disse: "Slater afirma que a ONU foi dominada por homossexuais. Ela
 inventa bobagens e as apresenta aos africanos como fatos. Ela argumenta
 que termos como direitos de gênero e identidade de gênero são termos em
 código que indicam homossexualismo." 
Kaoma acha que os grupos americanos estão em fase de recuo nos Estados 
Unidos e, por essa razão, estariam buscando ganhos rápidos na África. 
"Eles parecem saber que estão perdendo a batalha nos Estados Unidos, de 
modo que o melhor que podem fazer é ser vistos como a estando ganhando 
em outra parte do mundo. Isso lhes confere uma razão para estarem 
fazendo levantamento de fundos nos EUA. A África é um joguete na batalha
 que estão travando nos Estados Unidos." 
O relatório foi saudado por ativistas dos direitos dos gays. Frank 
Mugisha, diretor executivo do grupo Minorias Sexuais, de Uganda, 
comentou: "Estou grato pela documentação mostrada neste relato, 
confirmando que é a homofobia que é exportada pelo Ocidente, e não o 
homossexualismo." 
"Espero que este relatório funcione como alarme de despertar para as 
comunidades de fé em Uganda e no Ocidente perceberem que as guerras 
culturais americanas impostas a nós pela direita cristã colocam em risco
 não apenas a cultura africana, mas as próprias vidas de africanos LGBTI
 como eu." 
A Human Life International reconheceu que tem várias filiadas na África,
 algumas das quais recebem dotações, materiais educativos e outros. 
Um porta-voz da organização, Stephen Phelan, falou: "Achamos que é 
importante estarmos na África porque a investida contra os valores 
africanos naturais pró-vida e pró-família está vindo dos Estados Unidos.
 Então nos sentimos na obrigação de ajudá-los a entender a ameaça e a 
reagir a ela com base em seus próprios valores e culturas." 
"É por isso que podemos operar com uma parcela minúscula do orçamento 
com que trabalham os verdadeiros colonialistas: os muito bem financiados
 controladores demográficos e governos ocidentais. 
"Estamos em sintonia com os valores profundos e naturais de nossos 
irmãos e irmãs na África e os ajudamos a resistir ao avanço de 
interesses ocidentais muito poderosos que acham que pode haver crianças 
demais na África." 
Phelan fez pouco caso da acusação da PRA de que sua organização estaria praticando um novo tipo de colonialismo. 
"Esperamos que seus leitores mais refletivos notem a ironia presente no 
argumento do PRA. Governos ocidentais poderosos e ONGs muito ricas 
gastam bilhões por ano para impedir africanos de ter filhos, para mudar 
as leis africanas de modo a ficarem mais abertas a esse controle 
populacional, tudo como parte de um esforço para tornar o continente 
culturalmente mais semelhante ao Ocidente." 
"E o PRA, um proponente desse esforço, está acusando um grupinho de 
organizações cristãs, que juntas gastam uma fração ínfima do orçamento 
anual do setor de ajuda ao desenvolvimento, de defender os valores 
africanos naturais pró-vida e pró-família contra o colonialismo. Onde 
começar?"
Slater também criticou o relatório. "Não temos representações na África,
 como Kaoma alega sem razão", disse ela. "Basta esse erro fundamental 
para indicar a falta de confiabilidade do relatório inteiro." 
Ela acrescentou: "Não somos a direita religiosa cristã que Kaoma insiste
 em nos mostrar como sendo, apesar do que eu disse a ele e apesar do 
teor de nossos materiais publicados e de nosso site na internet. A única
 menção à religião em nosso site ou em qualquer de nossos materiais é 
nossa preocupação de que seja protegida a liberdade religiosa, 
independentemente da fé que possa estar sendo alvo de ataques." 
"Nossa posição aqui é baseada em dados claros que indicam uma correlação
 forte entre observação religiosa e famílias estáveis, e não em qualquer
 crença ou doutrina específica." 
Joy Mdivo, diretora executiva do Centro de Lei e Justiça da África 
Oriental, diz que a divisão americana paga os salários e o espaço 
comercial, mas que o CLJAO faz seu próprio levantamento de fundos para 
financiar atividades. "Alguém falou que recebemos dinheiro dos 
americanos para disseminar a homofobia, e eu respondi que não preciso 
disseminar a homofobia. Basta caminhar na rua, abraçar outro homem e 
parecer romântico. Não preciso dizer a ninguém o que fazer. Essa é a 
realidade de quem somos, apenas isso."