Por Victor 
                            Francisco Ferreira | Agência USP
Visto no Farol Comunitário
Dica de Augusto Martins 
 
                            A maternidade é um direito de todas as mulheres 
                            e o sonho de algumas. Contudo, quando se trata de 
                            mulheres lésbicas que buscam a gravidez – 
                            por meio de doadores de sêmen, sejam eles conhecidos 
                            ou desconhecidos – o preconceito fica evidenciado. 
                            
Uma 
                            pesquisa da Faculdade de Saúde Pública 
                            (FSP) da USP entrevistou 12 mães ou futuras 
                            mães lésbicas e constatou casos de preconceito 
                            por parte de alguns profissionais da saúde 
                            quando buscavam o serviço de reprodução 
                            assistida. “Houve um relato de um médico 
                            que se recusou a fazer o serviço por questões 
                            religiosas. E também uma das mulheres, cuja 
                            parceira queria engravidar, foi chamada de ‘gala-rala’ 
                            por um médico”, conta a pesquisadora 
                            formada em enfermagem Maria Eduarda Cavadinha Correa. 
                            “‘Gala-rala’ é uma expressão 
                            utilizada no nordeste brasileiro que se refere pejorativamente 
                            a um homem infértil.”
 
                            Maria Eduarda é autora do estudo de doutorado 
                            Duas mães? Mulheres lésbicas e maternidade, 
                            apresentado na FSP em abril. Ela conta que, das 12 
                            entrevistadas, 11 disseram ter desejado em algum momento 
                            da vida ser mãe. “Quando elas se assumiam 
                            como homossexuais, algumas disseram ter refletido 
                            sobre a possibilidade de ser ou não mãe, 
                            se elas ainda teriam esse direito”, conta a 
                            pesquisadora. “Mas isso não as fez desistir 
                            desse sonho.”
 
                            O preconceito, muitas vezes, vinha também da 
                            relação das mulheres com a família. 
                            Maria Eduarda explica que havia três níveis 
                            de aceitação familiar à homossexualidade: 
                            aquelas que aceitavam bem, as que aceitavam razoavelmente 
                            e também as famílias que não 
                            aceitavam. “A reação de alguns 
                            familiares ao verem as mulheres grávidas era 
                            dizer ‘que bom que você se curou’. 
                            A homossexualidade seria uma doença e a gravidez, 
                            a cura. Isso porque existe aquela imagem da mãe 
                            como uma personificação da pureza.”
Métodos
Os métodos conceptivos buscados foram variados. 
                            As mulheres preferiam ir a alguma clínica para 
                            fazer reprodução assistida — que 
                            engloba inseminação artificial, fertilização 
                            in vitro e a injeção intracitoplasmática 
                            do espermatozóide — onde poderiam escolher 
                            um doador de esperma anônimo, para que a experiência 
                            de criar uma família fosse exclusivamente do 
                            casal, e que tivesse algumas características 
                            físicas desejadas pelas futuras mães. 
                            “Em um dos casais, por exemplo, a mãe 
                            que não engravidaria tinha descendência 
                            japonesa. 
Por isso, elas escolheram um doador que 
                            fosse descendente de japoneses, para que a criança 
                            parecesse fisicamente com as duas mães. Isso 
                            ajuda a criar a identidade do núcleo familiar 
                            e facilita também na aceitação 
                            da criança pelos familiares das mulheres”, 
                            afirma Maria Eduarda.
 
                            Todos esses métodos, porém, são 
                            caros e exigem uma boa condição financeira 
                            de quem deseja utilizá-los. Cada tentativa 
                            de inseminação artificial pode custar 
                            até R$ 25 mil. Por isso, quem não tem 
                            muito dinheiro precisa usar outros métodos.
 
                            Entre as participantes do estudo, uma teve uma trajetória 
                            diferente das outras. “Todas as outras vinham 
                            de classe média, tinham desejado ser mães 
                            em algum momento da vida. Mas uma delas nunca tinha 
                            desejado ser mãe e tinha uma condição 
                            social inferior”, conta. Solteira, ela resolveu 
                            ter um filho pois havia sido diagnosticada com câncer 
                            de útero. “Ela teria que retirar o útero. 
                            Então, até um pouco por pressão 
                            da família e da equipe médica, resolveu 
                            engravidar”. Como não possuía 
                            condições de pagar uma clínica, 
                            ela pediu a ajuda de um amigo, também homossexual, 
                            que aceitou ter relações sexuais para 
                            que ela engravidasse. “Ela contou que foi horrível. 
                            Depois de três tentativas já não 
                            aguentava mais e pensou desistir, mas na terceira 
                            vez ela engravidou.”
Outro aspecto considerado positivo pelas mulheres 
                            era a técnica de Recepção dos 
                            Óvulos da Parceira (ROPA), que permite a participação 
                            das duas mães na geração da criança. 
                            Uma cede o óvulo e a outra tem a gestação. 
                            Na época das entrevistas, realizadas entre 
                            2009 e 2011, um casal estava tentando engravidar com 
                            a ROPA, mas não obteve sucesso, e outra mulher 
                            já tinha uma criança nascida com a utilização 
                            da técnica. “Todas viam a ROPA como uma 
                            ótima possibilidade de as duas parceiras participarem 
                            da gravidez”, afirma Maria Eduarda. De acordo 
                            com a legislação brasileira, mãe 
                            é aquela que gerou e pariu o filho. Com a ROPA, 
                            porém, a maternidade genética é 
                            da mãe que cedeu o óvulo e a maternidade 
                            biológica é da mãe que gestou 
                            e pariu a criança. A técnica acaba sendo, 
                            também, uma forma de auxílio em questões 
                            jurídicas de reconhecimento de maternidade.
 
                            A dificuldade encontrada pelas lésbicas para 
                            exercer o direito à maternidade se deve, em 
                            grande parte, à falta de uma legislação 
                            reguladora para o caso. “Cada juiz, clínica 
                            ou cartório acaba agindo da forma que decidir. 
                            As clínicas podem, por exemplo, não 
                            aceitar realizar o processo de reprodução, 
                            fazendo com que as lésbicas precisem procurar 
                            o serviço como solteiras. Os cartórios 
                            podem também não aceitar que a criança 
                            tenha o sobrenome das duas mães”, conta 
                            Maria Eduarda. Segundo ela, entre as entrevistadas, 
                            todas as mulheres que tentaram conseguiram “empurrar” 
                            o sobrenome das duas mães no nome da criança. 
                            “Apesar de muitas terem êxito em colocar 
                            os dois sobrenomes, é bom salientar que isso 
                            não implica em ganhos de direitos”, completa.






