segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Professores gays repreendem menos a homofobia nas escolas



Visto no Parou Tudo 

Uma pesquisa com mais de 350 professores e diretores elaborada pela Universidade de Millersville, na Pensilvânia, Estados Unidos, concluiu que professores homossexuais tendem a repreender menos atitudes homofóbicas dos alunos nas escolas com medo de serem prejudicados.

Professores gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros têm medo de intervir quando os estudantes usam palavras homofóbicas, inclusive quando praticam bullying chamando outra criança de “gay”. 

“Eles temem pelo trabalho ou pela repercussão de serem vistos como gays”, afirmou Tiffany Wright, que participou da pesquisa publicada pela revista “TES”.

Segundo a pesquisadora, mais de um terço dos professores entrevistados temem que seus empregos fiquem em risco, caso a sua sexualidade seja descoberta.

Dois terços dos pesquisados responderam que raramente ou nunca veem outro professor intervir quando presencia algum comentário homofóbico. Mais grave: 59% disseram que já ouviram comentários homofóbicos feitos por outros professores.

domingo, 4 de agosto de 2013

"O Papa e os gays" Por Bruno Bimbi



Por *Bruno Bimbi para O Globo 

Ativista que participou da campanha na Argentina pelo casamento igualitário, combatida por Bergoglio, analisa suas declarações sobre os homossexuais

“Alô, Marcelo? Quem fala é Jorge Bergoglio.”

Marcelo Marquez não acreditava.

Alguns dias antes, Bergoglio tinha enviado uma carta às freiras carmelitas — que eu obtive e fiz publicar nos jornais —, na qual chamava à “guerra santa” contra a lei de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, aprovada na Argentina em 2010.

Bergoglio dizia que o projeto era obra da inveja do Demônio, “uma jogada do pai da mentira, que pretende confundir e enganar os filhos de Deus”, e por isso chamava a “defender a família argentina” e acrescentava, com dramatismo: “Esta guerra não é vossa, mas de Deus”.

A palavra “guerra” tinha sido demais para Marcelo, que é gay e católico.

Indignado e triste, resolveu escrever para o cardeal: “Sou um homem de profunda fé em Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, de um profundo e fervoroso amor à Igreja”, ele dizia. Falava de sua fé, mas também da dor pelo discurso de ódio que naqueles dias humilhava milhares de gays e lésbicas como ele, saído das bocas da hierarquia eclesiástica e do cardeal.

A “guerra santa” de Bergoglio não era apenas uma frase desastrada. Representantes da Igreja iam às audiências organizadas por uma senadora do Opus Dei e diziam coisas irreproduzíveis sobre gays e lésbicas. Algumas universidades católicas pediam aos alunos para assinar uma petição contra a lei. Nas audiências realizadas pelo Senado em províncias pobres nas quais a Igreja ainda é poderosa, os ativistas de direitos civis precisavam sair protegidos pela polícia, porque manifestantes que se diziam cristãos cuspiam neles e ameaçavam espancá-los. Bispos ligavam para senadores, suas esposas e seus filhos. Advertiam que colocariam a Igreja para fazer campanha contra eles se votassem a favor do projeto. E em muitas cidades, as escolas administradas pela Igreja levavam crianças do ensino fundamental a passeatas com cartazes que diziam “Não ao casamento gay”. Os professores pediam aos meninos, como dever de casa, para recolher assinaturas dos pais e parentes adultos contra os direitos dos homossexuais.

“Esta lei não tem nada a ver com a ‘destruição da família’”, escreveu Marcelo ao cardeal. “Muito pelo contrário, ela é inclusiva, sanadora e até salvadora. É uma coisa que há tempos a sociedade nos deve”.

Agora, tinha Bergoglio do outro lado da linha.

“Por que o senhor fez isso?”, foi a primeira coisa que Marcelo perguntou.

“Tenho grande respeito pela comunidade homossexual.”

“Então por que fez isso?”

“Porque não é o momento apropriado para essa lei ser aprovada.”

Como assim? Não era o momento para aprovar um projeto do Demônio para “destruir o plano de Deus”? Há um momento apropriado para isso?

A resposta do homem que ainda não se chamava Francisco serve para entender quem é o Papa formado na organização de direita Guardia de Hierro, na década de 70, e depois na Companhia de Jesus. A verdade sobre a sua relação com a ditadura ainda é obscura.

“Esse tema foi usado para contendas políticas e as coisas se complicaram, por isso escrevi a carta às irmãs carmelitas”, ele se justificou.

Era uma questão política.

É o mesmo que seus colaboradores repetiriam em off aos jornalistas. Que o monsenhor Aguer, seu inimigo interno na Igreja, o pressionava. Segundo os porta-vozes do cardeal, Aguer o acusava de “brando” na luta contra o casamento gay e o derrotou numa votação interna do clero.

Mas a primeira intervenção de Bergoglio no debate sobre o casamento igualitário tinha sido meses antes, quando uma juíza de Buenos Aires autorizou o casamento civil de um casal gay, respondendo a uma ação que apresentamos nos tribunais. O prefeito portenho, Mauricio Macri, de direita, surpreendeu o país ao anunciar que não recorreria da sentença e que apoiava o direito dos homossexuais ao casamento civil. A Igreja não esperava isso dele.

O cardeal divulgou uma nota em que dizia que “afirmar a heterossexualidade do casamento não é discriminar”, caracterizava a sentença da juíza de “ilegal” e qualificava a decisão do prefeito como “lamentável e surpreendente”. Eles se reuniram a portas fechadas e, após a reunião, Bergoglio emitiu uma nota acusando Macri de ter faltado gravemente “ao seu dever de governante e guardião da lei”. Estava furioso.

Macri recuou e o casal teve de viajar até a Terra do Fogo, no sul do país, para fazer o casamento em segredo, autorizado pela governadora Fabiana Ríos. Houve novas sentenças a favor de outros casais e, dessa vez, Macri apoiou as bodas. A lei começou a avançar no Congresso e, com o apoio de Néstor e Cristina Kirchner e de vários líderes da oposição, foi aprovada na Câmara dos Deputados. Foi tudo muito rápido para os bispos, que acreditavam que isso jamais aconteceria.

Quando a lei passou ao Senado, Bergoglio enviou a carta às freiras chamando à “guerra santa”. Minutos antes da votação do Senado, na madrugada de 15 de julho, o líder da bancada governista disse na tribuna: “Eu achava que Bergoglio era mais inteligente”. A lei foi aprovada e milhares de pessoas, em frente ao Congresso, cantavam palavras de ordem usando o nome do cardeal.

É claro que ele aprendeu com essa experiência.

As declarações sobre o “lobby gay” que fez na viagem de volta para Roma, depois da Jornada Mundial da Juventude no Rio, não me surpreendem. Mas o que, na linguagem de um Papa, ele disse aos jornalistas? Suas palavras foram muito bem calculadas. Ele não as disse na praia de Copacabana, nem na reunião com os bispos, mas no avião com os repórteres da imprensa internacional. Ele disse que “se uma pessoa é gay e procura o Senhor”, ele não é ninguém para julgá-la, mas logo depois esclareceu que isso está no catecismo da Igreja, que o explica “de maneira muito linda”.

E o que o catecismo da Igreja diz? Que a homossexualidade — mencionada logo depois da pornografia, da prostituição e da violação — é uma propensão desordenada e uma depravação grave e que os “atos homossexuais” são contrários à lei natural e “não podem ser aprovados”. Os homossexuais, segundo o texto, devem ser acolhidos pela Igreja com respeito e compaixão, mas deve exigir-se a eles que sejam celibatários. E nada de querer casar. É o mesmo que Bento XVI dizia, mas Francisco sabe como falar para que suas palavras soem como inovadoras. Ele não é um intelectual alemão, mas um político argentino, acostumado a almoçar com políticos e jantar com jornalistas e a fazer muito lobby, embora tenha condenado o fantasioso “lobby gay”.

Mesmo assim, suas palavras são positivas, não porque signifiquem uma mudança na doutrina da Igreja, mas porque se os jornais dizem que o Papa disse alguma coisa boa sobre os gays, mesmo que ninguém entenda o significado teológico das expressões usadas, isso dará conforto a muitos gays cristãos e até pode fazer com que algumas pessoas homofóbicas mudem de ideia, achando que é isso que o Papa quer. Se isso significar menos sofrimento desnecessário para um jovem gay em conflito com sua fé ou com sua família, valeu a pena. Mas eu não me iludo: Francisco é Bergoglio.

Ele deixou claro para os jornalistas que o que pensa sobre os nossos direitos civis é o que todo o mundo já sabe. Sua opinião sobre o casamento gay é a opinião da Igreja, que já se expressou perfeitamente sobre isso, ele disse. E, ao citar o catecismo, também frisou, para quem precisa ouvir, que a doutrina sobre a homossexualidade continua a mesma.

Alguns nos pedem paciência. Pediriam paciência aos negros se o catecismo da Igreja, elogiado pelo Papa como “lindo”, falasse que essa cor da pele é contrária à lei natural e que os negros são depravados?

Se Francisco quiser, tem o poder de mudar as coisas de verdade, como outros líderes de diferentes religiões já fizeram. Deveria ouvir, por exemplo, o arcebispo anglicano da Cidade do Cabo, Desmond Tutu. Prêmio Nobel da Paz e companheiro de Nelson Mandela na luta contra o apartheid, Tutu disse que a homofobia é equiparável ao racismo, que fica estupefato vendo as igrejas debaterem “quem vai para a cama com quem” e que, se o céu fosse homofóbico, preferiria ir para outro lugar. Ele até é a favor da ordenação de pastores homossexuais e, é claro, não tem problemas com o casamento igualitário. A Bíblia que eles leem é a mesma e Francisco tem mais poder do que Tutu em sua igreja. Afinal, ele é o Papa. Não tem mais desculpas.

*Bruno Bimbi é jornalista, mestre em Letras e doutorando em estudos da linguagem na PUC-Rio. Ativista da Federação Argentina LGBT, foi um dos responsáveis pela campanha que levou à aprovação do casamento igualitário no país vizinho. É autor do livro “Casamento igualitário” (Garamond), que será lançado em agosto