Por ISABELLA CARRERA para a Revista Época
Antes era fácil. Só havia homens e mulheres. Agora, quem preenche o perfil na rede social tem de escolher entre 52 – isso mesmo: cinquenta e duas – opções
Para quem escreveu a Bíblia, era fácil. Deus fez Adão e Eva – e pronto. A humanidade toda se restringia a dois sexos – ou dois “gêneros”, como preferem os puristas. Pois o mundo mudou, mudou, mudou, veio a libertação sexual, o feminismo, o casamento gay – até que apareceu o Facebook. E nem as mentes mais liberais e abertas para a diversidade da sexualidade humana estavam preparadas para isso.
Ao criar uma conta no Facebook, o usuário informa dados como data de nascimento, idioma, cidade natal e um que para muitos passa despercebido: “gênero”. Responder a isso era tão simples quanto para os escribas bíblicos: “feminino” ou “masculino”. Era. No último dia 13, o Facebook anunciou para seu site em inglês mais 50 novas opções de gêneros, além das duas. Somando tudo, o usuário agora tem de escolher quem ele é entre 52 tons de sexo.
“Estamos orgulhosos de oferecer uma nova opção de customização de gênero para ajudar você a expressar melhor sua própria identidade”, escreveram os representantes do Facebook no comunicado oficial. Deu para entender? Na longa lista de 50 novas opções de gênero, há algumas conhecidas, como “transgênero” (alguém que não se identifica com seu gênero biológico) e termos totalmente misteriosos, como “dois espíritos” (definição usada por tribos indígenas da América Norte para quem se sente, ao mesmo tempo, homem e mulher). A seleção dos termos durou um ano e foi feita em parceria com líderes de organizações LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) dos Estados Unidos. O Facebook Brasil diz que não há previsão para que as 50 novas opções de gênero estejam disponíveis na versão em português do site – assumindo que, no Brasil, também seríamos igualmente criativos nessa área do comportamento humano.
“Nos últimos anos, certas minorias de gênero vêm inventando subcategorias que só os membros do próprio segmento usam”, diz o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia. “Só o tempo dirá se isso foi uma iniciativa para chocar e parecer pioneiro no politicamente correto ou se levará à conquista de uma cidadania plena para essa parcela da população.”
Os psicólogos e psiquiatras ouvidos por ÉPOCA dizem que é importante que as pessoas possam se definir sexualmente de acordo com sua própria percepção. A sexóloga Laura Müller diz que a lista não é um exagero. Ela acha que a satisfação em se expor com uma determinada expressão é delicada e particular. “Ter disponíveis variações específicas de um mesmo conceito dá a chance de detalhar o jeito de cada um, com base nas questões emocionais, físicas e comportamentais.” O psicólogo mineiro Klecius Borges diz que os termos são “diferentes tentativas” de definição da própria identidade. “A escolha de um desses termos ajuda a quebrar a forma binária como nossa cultura e sociedade tratam a questão do sexo”, afirma.
Mesmo ele, porém, acha 52 opções um pouco demais. “Quando se especifica demais, perde-se o foco e passa-se a concentrar em detalhes que não importam”, diz Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório de Transtornos de Identidade de Gênero do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Ao mesmo tempo, Saadeh afirma que a decisão do Facebook gera discussão e pode servir para expor os preconceitos. Mas será que alguém se tornará mais tolerante ao ser informado das 50 novas opções de sexo do Facebook?