Por Welliton Caixeta Maciel*
 
Maiara, 22 anos, aguardava a resposta de uma entrevista de emprego. 
Laís, 25, queria concluir o curso supletivo noturno para ‘vencer na 
vida’, preferia trabalhar a estudar e desde seus sete anos de idade 
ajudava a mãe na subsistência da família. As duas jovens, que moravam 
juntas há quatro meses e mantinham uma relação homoafetiva, foram 
assassinadas a tiros no final da noite do dia 24 de agosto de 2012, em 
Camaçari, região metropolitana de Salvador (BA), quando caminhavam de 
mãos dadas pela rua. 
 
Na região nordeste do país, no município de Jijoca de Jericoacoara (CE),
 no último dia 13, um homem de 36 anos foi encontrado morto em sua casa.
 No corpo sobre a cama, uma faca encravada na altura do peito esquerdo. A
 vítima era assumidamente homossexual e trabalhava como cozinheiro. 
 
Na região metropolitana de Goiânia (GO), na madrugada de 7 de setembro, a
 dois dias da Parada do Orgulho LGBT daquela municipalidade, foram 
registrados os assassinatos de quatro travestis. Segundo testemunhas, as
 mesmas se prostituíam quando homens armados chegaram, mandaram-nas 
deitar no chão, atiraram e fugiram. 
 
Para além de fatos isolados, os registros de violências baseadas na 
orientação sexual e na identidade de gênero das vítimas descritos acima 
compõem o levantamento divulgado no blog “Quem a homofobia matou hoje?”,
 a partir de denúncias encaminhadas ao Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais 
antiga entidade brasileira de defesa dos homossexuais. De acordo com a 
organização, somente no primeiro semestre de 2012, foram contabilizados 
165 assassinados de gays no País. 
 
Segundo levantamento inédito divulgado pela Secretaria de Direitos 
Humanos da Presidência da República (SDH-PR), em julho deste ano, de 
janeiro a dezembro de 2011, foram denunciadas 6.809 violações de 
direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 
suspeitos. Os números oficiais foram sistematizados cm base em dados do 
Disque Direitos Humanos – Disque 100, na Central de Atendimento à Mulher
 – Ligue 180, no Disque Saúde e na Ouvidoria do Sistema Único de Saúde 
(SUS), bem como em e-mails e correspondências diretas encaminhadas ao 
Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT e à Coordenação-Geral 
de Promoção dos Direitos de LGBT; 
 
Apesar da subnotificação, os números do relatório apontam que, nesse 
período, foram reportadas 18,65 violações de direitos humanos de caráter
 homofóbico por dia, vitimando 4,69 pessoas diariamente. Os estados com 
maior incidência foram São Paulo (1.110), Minas Gerais (563), Rio de 
Janeiro (518), Ceará (476) e Bahia (468). O Distrito Federal ocupou a 
12ª posição, com 225 notificações. 67,5% das vítimas se identificaram 
como sendo do sexo masculino; 26,4% do sexo feminino; e 6,1% não 
informaram sexo. 47,1% tinham entre 15 e 29 anos. 
 
Com relação aos principais tipos de violação, 42,5% dos casos 
registrados foram de violência psicológica (como humilhações, ameaças, 
hostilizações e xingamentos); 22,5% de discriminação; e 15,9% violência 
física. Em 41,9% dos casos, a própria vítima fez a denúncia; em 26,3%, 
desconhecidos da vítima que denunciaram; e em 12%, familiares, amigos, 
vizinhos. O relatório revelou, também, um padrão de repetição de 
violência de, em média, 3,97 violações por pessoa agredida. Outro 
aspecto ressaltado foi o número maior de suspeitos em relação ao número 
de vítimas, o que sugere que as violações são cometidas por mais de um 
agressor ao mesmo tempo. 
 
Ainda segundo os dados, em 61,9% dos casos o agressor é próximo da 
vítima, em 38,2% são familiares, sendo que em 42% dos casos a violência 
se deu dentro de casa; 5,5% das violações foram registradas em 
instituições governamentais – sendo 3,9% em escolas e universidades, 
0,9% em hospitais do SUS, e 0,7% em presídios, delegacias e cadeias. 
 
O esforço em combater todas as formas de discriminação tem constado 
reconhecidamente da agenda da Organização das Nações Unidas (ONU) que, 
no marco da Declaração sobre orientação sexual e identidade de gênero, 
apresentada à Assembleia Geral, em 18 de dezembro de 2008, divulgou, em 
dezembro de 2011, o primeiro relatório global sobre os direitos humanos 
de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, no qual descreve
 um padrão de violações de direitos humanos presente em diversos países,
 reconhecendo que as pessoas LGBT são frequentemente alvo de abusos de 
extremistas religiosos, grupos paramilitares, neonazistas, 
ultranacionalistas, entre outros grupos, os quais, muitas vezes, têm 
agido internacionalmente sob a forma de rede. Destaca, ainda, a situação
 de risco peculiar à qual estão submetidas as mulheres lésbicas e os/as 
transexuais. 
 
A partir do relatório das Nações Unidas advertindo que governos têm 
negligenciado a questão da violência e da discriminação com base na 
orientação sexual e identidade de gênero, o Escritório do Alto 
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos lançou, em 14 de
 setembro último, documento intitulado “Nascido Livre e Igual” (em 
inglês Born Free And Equal), no qual traz obrigações legais que os 
Estados devem aplicar para a proteção de lésbicas, gays, bissexuais, 
travestis e transexuais (LGBT). Baseado em dois princípios fundamentais 
que sustentam a lei internacional dos direitos humanos (igualdade e não 
discriminação), o documento foca cinco obrigações nas quais a ação 
nacional é mais necessária (proteção contra a violência homofóbica, 
prevenção da tortura, a descriminalização da homossexualidade, a 
proibição da discriminação e o respeito com a liberdade de expressão e 
com a reunião de todas as pessoas LGBT) e busca explicar para gestores 
públicos, ativistas e defensores dos direitos humanos as 
responsabilidades do Estado com essa minoria e os passos necessários 
para alcançá-las. 
 
Na esteira das recomendações das Nações Unidas, o relatório sobre 
violência homofóbica no Brasil pontua a obrigatoriedade de notificação 
dos casos; que haja campo para a informação sobre identidade de gênero e
 orientação sexual nos registros de óbito e no Ligue 180; que serviços 
públicos específicos para travestis e transexuais tenham acesso a canais
 de denúncia governamentais; que os espaços públicos de sociabilidade 
sejam incentivados pelos Poderes Públicos municipais, estaduais e 
federal com promoção de atividades artísticas e culturais e que a 
interação entre jovens de diferentes inscrições identitárias, 
étnico-raciais, de gênero e classe social, entre outras, seja 
estimulada; trabalhar no empoderamento dos jovens LGBT para que 
denunciem as violências ocorridas no ambiente doméstico; realização de 
campanhas de enfrentamento da homofobia e divulgação dos canais de 
denúncia; que seja realizada a publicização anual dos dados de homofobia
 no Brasil; que seja criado um painel de indicadores relacionados ao 
respeito à população LGBT por estado; que a homofobia seja criminalizada
 nos mesmos termos em que foi criminalizado o racismo; que prisões, 
escolas, hospitais, quartéis e outras instituições similares possuam um 
código de ética ou incluam em seus códigos de ética questões 
relacionadas ao respeito aos direitos das minorias. 
 
A partir dos dados do relatório, cuja íntegra está disponível no site da
 SDH-PR, conclui-se que a homofobia é um problema estrutural no Brasil e
 atinge, sobretudo, jovens, negros e pardos, nas ruas e em suas próprias
 residências, operando de forma a desumanizar as expressões de 
sexualidade divergentes da heterossexual. 
 
Os casos ilustrados no começo do artigo demonstram o quanto à 
masculinidade sente-se ameaçada por outras vivências de sexualidade, sob
 o argumento de que tudo o que fuja ao padrão da heteronormatividade 
necessite de “correção”, “cura”, “pena” ou “sanção”. Com relação ao 
espaço da rua, ressalta-se a questão da qualificação dos agentes 
policiais para o conhecimento da violência homofóbica e para o 
acolhimento das vítimas da violência. Com relação ao espaço da casa, 
destaca-se a importância do empoderamento de lésbicas, gays, bissexuais,
 travestis e transexuais para que denunciem a violência ocorrida no 
âmbito doméstico. 
 
* Welliton Caixeta Maciel, assessor internacional da Secretaria 
de Direitos Humanos da Presidência da República, mestrando em 
Antropologia Social pela Universidade de Brasília, é associado ao Fórum 
Brasileiro de Segurança Pública.