Por William Delucca para o Blog do @delucca
Desde que os movimentos LGBTs começaram a conquistar um tímido (mas
importante) espaço de visibilidade nas ruas e na mídia mundial e
brasileira, uma discussão que surge sempre entre ativistas, pró e contra
os direitos dos homossexuais é se ser gay é uma escolha ou se é algo
‘natural’. No centro deste embate, uma discussão ideológica e filológica
sobre o uso do termo ‘orientação sexual’, preferido pelos ativistas
LGBT, em contraponto ao ‘opção sexual’, usado por fundamentalistas
religiosos e reacionários de todas as linhas.
Este último tem um caráter obviamente pejorativo e é usado para
tornar a sexualidade humana (no caso, a homossexualidade), em algo
menor, uma besteira que a gente faz e que amanhã pode corrigir. Ao
chamar de ‘opção’, diminui-se a complexidade da construção da
sexualidade humana, inerente a todas as pessoas, cujas vivências,
experiências, e influências ambientais e culturais alteram o resultado
final. A ‘opção’ não é uma construção, mas uma escolha. É como abrir o
freezer da padaria e escolher entre tablito e chicabon,
sem muita reflexão sobre o que se está fazendo. A tal ‘opção sexual’
ignora a complexidade do processo de construção da sexualidade, que
influencia quem somos hoje, e reduz ao simplismo da escolha nossos
afetos, nossos amores.
Os adeptos da ‘opção sexual’ adoram sustentar seu frágil argumento
com a seguinte lógica: “A ciência não provou que as pessoas nascem gays
ou lésbicas. Então, ser gay e lésbica é uma escolha. Se não for assim,
cadê o gene gay? Onde está o DNA do homossexual?”. Como já se percebe,
os adeptos da ‘teoria da opção’, gostam de reduzir a questão a um
simplismo infantil. Realmente, a ciência não tem um consenso sobre o que
torna pessoas heterossexuais ou homossexuais, mas sabe-se que fatores
genéticos (não ligados apenas a um único gene), ambientais, biológicos e culturais
moldam a sexualidade humana ainda na primeira infância, e que este
processo não pode ser alterado. Ou seja: se você tiver de ser
heterossexual, nada mudará este processo. A recíproca é verdadeira para
os homossexuais e bissexuais.
(E outra: a ciência não provou que existe ‘gene gay’, mas também
não atestou que a sexualidade humana seja passível de escolha. Nestas
horas, tem muito religioso que faz ‘uso’ da ciência, mas a ignora em
questões como eutanásia e aborto. É a ‘confiança seletiva’, né?)
Então não existe ex-gay? Existe sim!
Ok, não existe processo que altere o produto final (e natural) da
sexualidade humana. Mas e como existe gente por aí dizendo que é
‘ex-gay’ ou ‘ex-lésbica’, casando, tendo filhos e vivendo uma vida
(pretensamente) feliz? Simples: você não molda seus desejos, mas molda
sua expressão. Você não escolhe de quem gosta, mas pode emular um
sentimento, ‘fingir que gosta’, por conveniência ou opressão. Se não
acontecesse assim, milhões de casamentos arranjados pelo mundo a fora
não teriam funcionado durante a história da humanidade. Funcionaram,
geraram filhos e ‘famílias’, que por mais falta de interesse que
houvesse entre o casal, cumpriram seu papel social.
Um ‘ex-homossexual’ é uma pessoa que sente atração sexual e afetiva
por pessoas do mesmo sexo, mas que reprime estes sentimentos e busca
relacionar-se com pessoas do sexo oposto. Esta escolha raramente
acontece de forma espontânea, natural, sendo normalmente ocasionada por
pressão da família, dos amigos, da igreja e dos demais grupos sociais
que o sujeito está inserido. É o caso dos padres e outros religiosos
celibatários, que optam por não fazer sexo (teoricamente), nem com
homens nem com mulheres. Os desejos (ou tentações, como eles gostam de
chamar) estão lá, mas não encontram vazão, por um motivo ou outro. Neste
caso, cabe apenas um exercício de semântica. Se um homossexual deixa de
fazer sexo com homens, ele vira um ex-gay. Se um heterossexual entra
para uma seita que exige o celibato, ele vira ex-hetero. Certo? Se a
gente colocar nestes termos, tudo certo.
O terrorismo psicológico
Em linhas gerais, eu não veria problema algum em um hetero ou gay
buscar experiências com o sexo oposto ou com o mesmo sexo, desde que
estas experiências façam parte de uma experimentação saudável da
sexualidade humana, sem paranóias, cobranças ou obrigações.
Um heterossexual pode experimentar sexo com o mesmo sexo e curtir,
passando a ser bissexual ou até mesmo gay/lésbica. O mesmo vale para
homossexuais, que durante sua vida, podem descobrir novos desejos, se
atrair por outras pessoas, tentar coisas novas. Mas o processo tem de
ser natural e saudável, e não imposto por ninguém.
A afetividade das pessoas, em todos os tons que possam existir, não
pode ser alvo de maledicências, de ataques morais e até mesmo de
terrorismo psicológico/religioso, o que tem levado muitos homossexuais,
com seus desejos completamente naturais, a mutilar seus afetos, sua
consciência e sua identidade. Não há paraíso, céu ou qualquer outra
promessa post mortem que compense negar quem você verdadeiramente
é. Não há pressão psicológica em casa, na escola ou no trabalho que não
encontre ombros amigos que aceitem você como você verdadeiramente é.
Nenhuma pessoa verdadeiramente de bem pode compactuar com tamanha (e
silenciosa) violência.
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