Publicado pelo O Globo
O cineasta Rodrigo Felha estava filmando o tradicional jogo de queimado organizado pela MC Tati Quebra Barraco, em 2008, na Cidade de Deus, quando percebeu que, apesar de a brincadeira ser extremamente feminina, era a turma gay que chamava a atenção e fazia a diferença, dando graça e humor às partidas. Foi ali que surgiu a ideia de filmar “Favela gay”, um documentário que acompanha a rotina e as dificuldades de nove pessoas em assumir a homossexualidade nas comunidades de Vidigal, Rocinha, Complexo da Maré, Alemão, Andaraí, Rio das Pedras e Cidade de Deus.
Com produção de Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães, que também apoiaram as duas incursões anteriores de Rodrigo no cinema (em “5xFavela — Agora por nós mesmos”, de 2010, e “5xPacificação”, de 2012), o filme vai ser exibido, no segundo semestre, no Canal Brasil.
Fora da militância
Além de a abordagem ser inédita — investigar como é a vida da comunidade gay nas favelas do Rio — “Favela Brasil” é um dos poucos filmes sobre a cultura homossexual feitos e pensados por um hétero.
— Não ser uma voz militante traz uma outra sensibilidade ao filme. Fiz várias descobertas durante a pesquisa, principalmente a de que existem mais gays do que nós percebemos, e nem todos seguem estereótipos de comportamento ou são visivelmente gays — conta Rodrigo.
A equipe vai trabalhar durante o carnaval acompanhando um dos personagens na Sapucaí: Carlinhos Borges, coreógrafo do Salgueiro. Bailarino desde os 14 anos, ele teve que esconder a orientação, durante um bom tempo por medo do tráfico, ao qual sua família estava relacionada. Outro personagem bem-sucedido é Jackie Brown, atriz do Nós do Morro e MC de um grupo de rap. Ela mostra a rotina ao lado da parceira Dejanete, no Vidigal.
No Complexo do Alemão, o presidente da Associação de Moradores é o Sombra, ex-travesti que, agora, tem uma figura supermasculina e comanda bailes funk com sua equipe de som. Já a travesti Rafaella emocionou a equipe, em Rio das Pedras, ao mostrar como tem conquistado a família, evangélica e tradicional, cursando faculdade de Biblioteconomia, na UFF, para vir a sustentar o núcleo familiar.
— O filme mostra como o mercado de trabalho recebe os travestis, oferecendo como opções salões de cabeleireiro e a prostituição. Rafaella, por exemplo, namora um homem e frequenta os churrascos e reuniões da família dele sem revelar a sua real condição. Apesar de toda a emoção que vem destes depoimentos, o filme também é muito divertido — garante o diretor, que diz ter percebido, nas comunidades pesquisadas, o aumento de meninas lésbicas e adolescentes que têm saído do armário, cada vez mais cedo, diante de uma comunidade não tão violenta pós-UPPs.
Sem guetos
Diferentemente da Zona Sul, onde a comunidade gay tem faixas bem delimitadas na areia da praia e bares e points específicos para frequentar, Rodrigo disse ter encontrado nas favelas uma comunidade gay bem inserida no convívio social, onde todos se misturam sem problemas.
— Apenas em Rio das Pedras encontramos o Energy Pub, que é frequentado pela turma LGBT, inclusive com casais trocando carinhos e manifestando afeto na calçada do bar.
Na área da militância, o filme acompanhou Gilmar dos Santos, presidente da ONG Conexão G, da Maré, que comanda o projeto “Aids e pobreza”, para minimizar a incidência de casos de HIV na comunidade e em outras favelas do Rio.
Outro personagem de destaque é a transexual Martinha, que organizou a primeira parada gay da Rocinha.
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