Publicado pelo Estado de Minas
Na contramão das deliberações de tribunais superiores, casais do mesmo sexo continuam sendo obrigados a recorrer ao Judiciário para se casar no civil em Minas Gerais. E, mesmo com a sentença favorável, alguns cartórios resistem a oficializar a união homossexual, como ocorreu com o primeiro casal a obter o parecer em Belo Horizonte, em setembro de 2012, depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, ter equiparado em outubro de 2011 os direitos e deveres em caso de heterossexuais e homossexuais.
Seis meses se passaram desde a cerimônia formal e as lésbicas I. e L. ainda não conseguiram retirar a certidão de casamento. “Os cartórios ainda não têm um procedimento único para acatar as decisões judiciais. Isso acarreta demora e por vezes inviabiliza a obtenção”, afirma a defensora pública Flávia Marcelle Torres Ferreira de Morais, especializada em direitos humanos coletivos e socioambientais de Minas Gerais. Ela prefere não revelar o nome do estabelecimento, com receio de prejudicar o processo.
Em outros estados a tendência tem sido diferente, como em São Paulo, cujo governo há duas semanas dispensou a ordem judicial como pré-requisito para efetivar o casamento civil de homossexuais. Na direção oposta, a Corregedoria-Geral de Justiça de Minas exige a permissão judicial. O parecer da corregedoria foi publicado em 24 de maio de 2012, em resposta a uma consulta feita pela Defensoria Pública. “Considerou-se que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo não tem previsão na lei de registro público e, portanto, não tem efeito legal”, explica Flávia.
A Defensoria Pública então passou a atender casais homossexuais que precisam ajuizar ação judicial para se casar e não têm como pagar os honorários de um advogado. O núcleo de Direitos Humanos Coletivos da Defensoria Pública está à frente de oito processos. Destes, dois já tiveram a sentença favorável publicada, e dois foram julgados de forma favorável em janeiro e em fevereiro. Na prática, porém, apenas um casal homossexual tem em mãos a certidão de casamento com a ajuda da defensoria.
Em 22 de janeiro, o técnico em informática Sérgio Rodrigues Lages dos Reis, de 21 anos, casou-se oficialmente com Gregory Rodrigues Lages dos Reis, de 21, que se proclama pastor da Igreja Inclusiva Manancial Missionária, culto evangélico voltado para a realização de casamentos gays no religioso. Os dois se casaram primeiro na igreja e posteriormente no cartório, em regime de comunhão parcial de bens. Adotaram o mesmo sobrenome. “Ficamos parecendo dois irmãos. Estou feliz porque agora posso dizer que sou parte da família do meu marido”, afirma Gregory, que teve a opção sexual rejeitada pelo pai. “Ele conversa comigo pelo telefone, mas nunca quis conhecer meu companheiro. Já minha mãe participou da cerimônia”, explica ele, que conheceu o parceiro há um ano: “Sou a favor de casar logo e constituir família, sendo fiel. Não concordo com a ideia de ficar protelando o casamento para viver com promiscuidade” .
“Gregory se casou rápido no cartório porque ele é persuasivo. Ameaçou chamar a polícia e só faltou rodar a baiana lá dentro”, diz uma fonte da área. Essa suposta resistência causa estranheza ao advogado Nilo Nogueira, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg-MG). “Se há autorização da Justiça, não há por que criar embaraços. O cartório não pode se recusar a cumprir ordem judicial e sequer a se negar a receber o pedido. O máximo que ele pode fazer é submeter o pedido ao juiz de Registro Público”, afirma.
EQUÍVOCO
Dono de cartório no Bairro Eldorado, em Contagem, Nogueira admite ter recebido três pedidos no último semestre e submetido o primeiro deles à Justiça, que o indeferiu. Sem entrar no mérito do conservadorismo da decisão, o diretor da Anoreg considera “equivocado” o parecer da corregedoria. “É uma tendência da Justiça brasileira. O próprio Supremo já considerou válida a união estável entre pessoas de mesmo sexo e a união estável se assemelha muito ao casamento. É natural que a gente venha a ter autorização para casamentos homossexuais, inclusive o STJ já autorizou a conversão da união estável homoafetiva em casamento na mesma linha do entendimento do STF”, compara.
MEMÓRIA
O primeiro casamento homossexual com registro civil em Minas Gerais foi realizado em março do ano passado em Manhuaçu, na Zona da Mata. Wanderson Carlos de Moura, de 34 anos, e Rodrigo Diniz Rebonato, de 18, foram autorizados pela Justiça local a oficializar a união. O ato abriu caminho para que outros relacionamentos fossem formalizados no estado. Wanderson e Rodrigo entraram com ação judicial invocando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O juiz da comarca, Walteir José da Silva, acompanhou o posicionamento do STF, que considerou a união estável de pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar. Em 22 de fevereiro, o consultor de negócios Carlos Eduardo Chediack de Oliveira, 31 anos, e o analista de TI Jorge Chediack de Oliveira Miguel, 30, conseguiram autorização judicial para se unir no civil em Belo Horizonte, depois de sete anos de convivência, na primeira ação individual deste tipo movida por advogados na capital mineira.
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