Publicado por Ponto Final
Tracy Choi foi a grande vencedora do Macau Indies do ano passado. O
documentário “Aqui Estou” abordou um tema inédito na competição: a
homossexualidade feminina em Macau. Além do valor social, o trabalho de
Choi engloba também uma faceta intimista – a jovem virou a narrativa
para si, recolhendo depoimentos da sua mãe e imagens de infância com o
seu pai. Oito meses depois da distinção, Choi olha para o cenário LGBT
em Macau. A maioria dos resultados do inquérito do Grupo de Respeito
pelos Direitos LGBT não a surpreende.
Inês Santinhos Gonçalves
- Antes de mais, como têm sido as reacções ao documentário? No
final da primeira exibição em Macau foi logo abordada por pessoas na
audiência. Isso voltou a acontecer?
Tracey Choi – O documentário voltou a ser exibido em Hong Kong e em
Taiwan e depois disso participou o Festival Gay e Lésbico de Hong Kong.
Em Taiwan não estive presente mas em Hong Kong foi bastante bem
recebido, perguntaram-me pela situação de Macau. Na altura não havia
nenhuma associação ou grupo pró-LGBT e falei disso. Em Macau, numa das
projecções, membros do público vieram falar comigo, disseram que
gostaram do filme mas que ainda não se estava a fazer o suficiente pelos
LGBT de Macau.
- O resultado mais evidente do inquérito realizado Grupo de
Respeito pelos Direitos LGBT prende-se com o receio que esta comunidade
tem de não ser aceite pela família. O seu documentário centra-se muito
nessa questão, dá voz à sua mãe e à mãe de outras jovens lésbicas, e é
dedicado ao seu pai. Como foi a reacção dele?
T.C. – Apesar de se ter falado bastante do documentário, nos jornais e
na televisão, ele não mudou muito. Não quer falar directamente do
assunto, mas julgo que está agora mais aberto à questão. No sábado deu
uma entrevista minha na televisão, sobre o documentário, e passaram
várias imagens. Alguns dos amigos do meu pai viram e ligaram-lhe. Acho
que ficou um pouco incomodado.
- Os amigos tiveram uma reacção boa ou má?
T.C. – Não sei, não lhe perguntei. Ele só me disse que os amigos lhe
tinham ligado porque o tinham visto na televisão. Na verdade eu não
sabia que iam mostrar essa parte do documentário, que é a final, onde
ele aparece. A minha mãe disse-lhe para não se preocupar.
- Mas sente que, com o passar do tempo, o seu pai está mais confortável com a ideia de ter uma filha homossexual?
T.C. – Sim, sim.
- Este receio que a maioria dos inquiridos releva de se assumir à família é justificado?
T.C. – Pertencemos a gerações diferentes e acho que temos de dar tempo à
aceitação. A maioria das famílias é tradicional neste assunto. Tenho um
amigo que nunca se assumiu aos pais, desde o liceu até agora nunca
falou com a família. Ele acha que a família sabe, mas que não querem
falar sobre isso.
- O inquérito revelou também que 20 por cento já ponderou cometer suicídio. É um dado que a surpreende?
T.C. – Estou um pouco surpreendida, sim. Nenhum dos meus amigos alguma vez me falou disso.
- Dezasseis por cento dos inquiridos confessaram recear perder o
emprego se revelarem a sua orientação sexual e seis por cento dizem já
terem sido despedidos por esse motivo. Acha que em Macau existe
realmente a necessidade de ocultar essa informação em contexto laboral?
T.C. – Sim, principalmente para algumas profissões, como é o caso dos
professores. Acho que as pessoas não aceitam um professor gay. Os pais
das crianças vão dizer que um professor gay vai afectar os seus filhos.
Um amigo meu, gay, é professor e diz-me que não quer que os pais dos
alunos e os seus colegas saibam, isso deixa-o muito desconfortável.
- Deveria existir legislação contra a descriminação com base na orientação sexual para combater este tipo de problema?
T.C. – Sim, sem dúvida, acho muito necessário. Mas não sei quando é que
isso vai acontecer, não há ninguém [da esfera política] a dizer que isso
se deve passar.
- Viveu em Taiwan quatro anos. Achou o ambiente, em termos de diversidade sexual, muito diferente?
T.C. – Sim. Acho que Taipé até foi considerada a cidade mais pró-gay da
Ásia. É totalmente diferente. A maioria das pessoas não tem medo de
assumir a sua sexualidade, há muitos bares gay e essas coisas.
- Foi difícil voltar a Macau?
T.C. – Para mim não há grande problema, a minha família sabe que sou gay
e os meus amigos também. Não tenho nada a esconder e por isso não tenho
problemas. Mas quando as pessoas têm de o esconder, pode ser difícil
fazê-lo aqui.
- Alguns participantes no estudo falaram também da pressão para
casarem. A sociedade de Macau ainda coloca muito ênfase no casamento?
T.C. – Acho que sim. A partir de certa idade os pais começam a perguntar “porque é que não casas?”.
- Acha que Macau vai legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo?
T.C. – Acho que ainda nos falta percorrer um longo, longo caminho. Não deve ser para breve.
- Porque é que parece haver uma maior visibilidade pública dos homens homossexuais do que das mulheres?
T.C. – Já me disseram que é difícil chegar às lésbicas e até já me
vieram perguntar se há algum site ou grupo de lésbicas de Macau, mas na
verdade não sei. Não sei porque é que é assim. Os homens, não só em
Macau mas também em Hong Kong, parecem estar mais ligados uns aos outros
como comunidade. As lésbicas estão mais dispersas.
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