quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Artigo: "Criança Viada"


 
Publicado pela Central G
Por Alex Tietre*
 
Como muitos gays afirmam que já nasceram gays, resolvi escrever sobre como pode ser a vida de uma “criança viada”, também inspirado no Tumblr com o mesmo título, ninguém melhor para citar como exemplo que, eu mesmo, por mais que saiba que a vida de muitas dessas crianças que já se destacam desde pequenas não seja tão fácil quanto foi a minha.
 
É impossível abordar esse assunto e não lembrar de bullying, por mais que no meu tempo essa palavra ainda não fosse conhecida não me lembro de ter sofrido preconceito na escola, fui uma criança tímida e educadinha (diziam os vizinhos), mas era campeão em pular corda e nos campeonatos criados por outras crianças eu era o único menino, na primeira série me apaixonei por uma amiguinha de classe de nome Elaine e depois me apaixonei pelo menino mais bagunceiro da sala que já estava pela segunda vez na primeira série, cujo nome era Guilherme, nunca disse isso para ninguém mas achava que era normal e nunca deixei de achar isso.
 
Na família os únicos questionamentos sobre a minha “viadagem” eram de meu irmão, mas também acho normal, pois se não fosse pelo motivo de eu ser “fresco”, como ele dizia, mas não passava disso e brigaríamos por qualquer outro motivo como acontece com a maioria dos irmãos, de qualquer forma ele sempre se mostrou preocupado com a minha integridade física, mas o que realmente me fez ser uma criança, adolescente e homem bem resolvido foi a educação que recebi, minha mãe sempre foi a mais cuidadosa com a minha delicadeza e me permitia ser feliz da forma que quisesse apesar de ser muito rígida quanto a disciplina, mas eu ganhei boneca, ganhei carrinhos e brincava com eles assim como brincava de casinha com minha irmã e sei o quanto as tantas brincadeiras hoje me ajudam na carreira de ator e preparador de atores mirins.
 
Mas acho fundamental comentar o quanto a não rejeição de meu pai também me fez ser feliz, por mais que eu saiba que o seu desejo fosse outro ele nunca me desrespeitou, sempre foi muito brincalhão e engraçado, criando personagens nas festas em família e até mesmo vestindo saias da minha irmã em mim e roupas minhas nela, pena as fotos estarem com a minha mãe ou postaria aqui, mas além de meu pai os cuidados e ensinamentos de minha irmã mais velha fizeram sentir-me seguro e ainda me sinto assim, protegido, seguro e amado.
 
Sei que meu caso é uma das poucas exceções, não podemos negar que muitas crianças sofrem preconceito na escola, até apanham como vi em alguns vídeos no youtube e uma das coisas que me chocou além das próprias agressões foram as pessoas ao redor assistindo sem fazer nada, sabemos também que muitas crianças são agredidas pelos próprios pais ou quando não são agredidas fisicamente ouvem comentários homofóbicos que as fazem acreditar que o fato de serem diferentes estão erradas, comentários como, “prefiro um filho morto que viado”, é mais comum que imaginamos e isso pode causar um trauma quase irreversível.
 
Algumas pesquisas mostraram que no Brasil uma média de 3 suicídios por dia foram de crianças e adolescentes de 10 à 19 anos por serem gays e sofrerem preconceito, fiz questão de contar a minha história como uma das provas que família e escola são essenciais para lidar com o assunto da forma mais natural possível, sem tentar usar tratamentos especiais como se fossem seres diferentes, mas também não se ausentar da responsabilidade caso venham a sofrer bullying.
 
A criança com tendências homossexuais deve ter suas integridades física e psico-emocional preservadas pela família e escola, fiquei muito feliz quando a avó de um menino de 9 anos me disse que estava processando a escola onde o neto dela estava sofrendo bullying por ser gay e ela me disse isso com uma compreensão da condição sexual do neto (apesar de ser criança) que me surpreendeu e que mostra além do seu amor, muito respeito, espero realmente que todas as crianças como eu fui também cresçam felizes, amadas e orgulhosas como sou.
 
*Alex Tietre é um militante LGBT, ator e estudante de jornalismo. É parceiro do Portal G e seus textos abordam temas como bullying e preconceito.

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