terça-feira, 1 de abril de 2014

A intolerância da militância (o caso Glória Pires)


 
Publicado pelo BloGay da Folha
Por Vitor Angelo
 
As conquistas de boa parte dos direitos das minorias não ocorreria sem a ajuda e a luta da militância, ela é fundamental para denunciar, defender, debater e esclarecer assuntos que são propositalmente colocados para debaixo do tapete da sociedade para negar melhor qualidade de vida para algumas parcelas desta mesma sociedade. Porém, existe um certo exercício de acusar, apontar dedos quase de forma irascível de uma parte da militância, para tudo e todos que não fazem o seu discurso e estão fora do seu quadrado, que é cheio de ódio e rancor e violência, os mesmos valores que estes militantes acreditam estar combatendo. Recentemente, um importante militante LGBT, Ricardo Rocha Aguieiras, fez aquilo que é importante para uma militância séria crescer: fez uma autocrítica da militância sobre este cartaz de uma declaração da atriz Glória Pires que foi espalhado nas comunidades gays nas redes sociais.
 
“Vejo pessoas militantes LGBT e mesmo líderes atacando a fala de Glória Pires mostrada no cartaz acima. Acho ilusório o que exigimos das pessoas não homossexuais e não LGBTs. Mas gente, ela não é militante LGBT, não tem o nosso discurso. Acho que o que ela disse é positivo, sim. Ela não se mostrou homofóbica em seu comentário, pelo contrário. Ao exigir demais, podemos é afastar pessoas aliadas. Tenho a absoluta certeza de que bastaria uma conversa com ela e ela entenderia. E ainda existem, no nosso discurso mesmo, muitas contradições. Em cima da fala de Simone de Beauvoir, a “não se nasce mulher, torna-se”; tem boa parte defendendo que com homossexuais é a mesma coisa. Afinal, ao se esconder num armário, um enrustido ou enrustida não estaria vivenciando sua homossexualidade, estaria? E tem ainda teóricos queers que falam que homossexualidade não existe, é apenas um rótulo cooptado. Então, se nem entre nós há concordâncias para levarem a um discurso único, como posso exigir isso de quem não é LGBT e está de fora dos nossos debates? ilusão acharmos que atingimos o mundo todo…”, escreveu Ricardo.
 
Um ponto muito importante colocado na entrelinhas do texto de Aguieiras é a soberba que muitas vezes a própria militância se alimenta. Exigir que todos pensem como ela (a “cartilha LGBT” diz que deve ser assim e não assado), que sigam a mesma conduta e que tenham o mesmo grau de conhecimento e discurso passa muito mais por uma atitude autoritária do que democrática.
 
Aguieiras coloca clara uma certa intransigência que permeia muito o pensamento dos militantes, como existisse uma verdade única e tudo o que fosse contrária a ela, automaticamente seria inimigo da causa. No fundo é o mesmo espelho da intolerância que os LGBTs sofrem, não existe margem para as áreas cinzas, é tudo preto no branco. Estar atento a si, em primeiro lugar, antes de apontar o dedo com tanta raiva para os outros deveria ser a primeira lição que os militantes deveriam ter, exatamente como Ricardo fez. Seria muito bom que a militância fosse cada vez mais diversa e menos intolerante, afinal é por diversidade e o respeito a ela que militamos.
 
Temos que tomar cuidado para não nos tornarmos tão intolerantes como contra aqueles que lutamos.
 
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