Por Murilo Aguiar para o IGAY
Viver em uma sociedade em que ser gay, lésbica, bissexual, transexual, travesti ou
qualquer outra minoria é tão aceito como ser heterossexual. Esse é o sonho que
muitos brasileiros buscam quando vão morar no exterior, em cidades como Londres,
Nova York, São Francisco ou Barcelona. Deixam os amigos e famílias para trás e
começam uma vida do zero, com a confiança de que lá eles alcançarão a igualdade que
tanto desejam. A realidade, é claro, não é um paraíso, mas muitos que foram nem
pensam em voltar.
Quando Emerson Vieira, de 31 anos, viajou para Nova York no início de 2013, sua intenção
era apenas passar férias na Big Apple. Não demorou muito, porém, para ele
abandonar a ideia de voltar para o Rio de Janeiro e retomar seu emprego de
professor. “Quando eu cheguei aqui, reparei que é muito diferente do Brasil. Todo
mundo é muito ligado à própria vida, ninguém se importa se eu estou beijando um
cara ou não”, conta.
Para ele, o fato de os fundamentos religiosos não estarem tão presentes na cultura
nova iorquina é um dos pontos que mais influenciou a sua decisão de se mudar de vez
para a cidade. “Esses dias mesmo no trem tinha duas lésbicas se beijando e ninguém
estava olhando. Se fosse no Brasil, estaria todo mundo olhando, apontando e tirando
foto. Aqui é cada um na sua”, diz ele, que hoje está casado com um americano. “Se eu
não tivesse casado com certeza voltaria, mas porque sinto muita saudade dos meus
amigos e da minha família, não por nenhum outro motivo.”
Quem também não se arrepende de ter deixado o País e pretende não voltar é
Diego Moraes*, de 32 anos. Em 2006, ele e alguns amigos viajaram para Londres, no
Reino Unido, para assistir a um show da Madonna. Logo de primeira, o fotógrafo já
sentiu que a cidade transmitia mais segurança para os homossexuais viverem uma
vida normal. Gostou tanto do que viu por lá que decidiu voltar, seis meses depois,
para estudar inglês durante um ano.
“Na verdade, hoje eu olho para trás e vejo que a minha motivação de voltar não
era sinceramente estudar. 50% era mais para eu sentir como era viver em uma
sociedade mais aberta, sem ter que passar o tempo inteiro fazendo linha”, comenta ele,
que é de Jundiaí, interior de São Paulo.
Assim que chegou, Diego conta que a cidade lhe surpreendeu para melhor. Segundo o
paulista, a aceitação da comunidade LGBT pelos londrinos está anos luz à frente da
aceitação pelos brasileiros, e que ser homofóbico na terra da Rainha é encarado como
um sinônimo de atraso por grande parte da população.
Para o paranaense Brian de Paula, que conheceu o seu marido na capital inglesa, onde
mora desde 2011, a despreocupação em fazer gestos simples, como andar de mãos
dadas com outro homem na rua, é o que faz da cidade tão especial e o que o motiva a
ficar por lá. “Eu nunca poderia andar de mãos dadas com o meu marido no Brasil.
Saímos para jantar, para eventos, lugares e não temos que ficar nos preocupando com o
que as pessoas que estão em volta vão pensar. No trabalho também, a primeira coisa
que eu falo quando perguntam se eu sou casado é: ‘Sim, sou casado e tenho marido’.
No Brasil, eu tentaria esconder”, diz.
Apesar da nítida liberdade para a comunidade LGBT em alguns lugares do mundo,
ainda é difícil afirmar que exista um lugar totalmente livre de preconceitos. Mesmo
em Londres, Diego diz que há sim homofobia. “Homofobia tem em todo lugar e tem
aqui também, mas sinto muito mais de pessoas que percebo que são de
outras nacionalidades, não do povo londrino. Quando converso com pessoas do
leste europeu ou da África, por exemplo, sei que tenho de filtrar um pouco mais o
que eu falo”, aponta.
A comunidade não pode parar de lutar
Para Julio Moreira, diretor sócio-cultural do Grupo Arco-Íris e secretário
regional da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABGLT), não se pode dizer que quem vai morar fora do País está fugindo da
luta pelos seus direitos. Ele lembra, porém, que cidades como São Francisco e Nova York
são palcos constantes da militância LGBT, mesmo que as condições de vida
dessa comunidade já sejam melhores que em muitos lugares do mundo.
“Se você pegar a questão de qualidade de vida econômica e de bem estar, até eu
preferiria morar lá fora. Mas do ponto de vista de militância, acho que a gente tem
avançado bastante aqui. Existe sim um setor reacionário e conservador, mas que é fruto
das nossas conquistas. Em qualquer comunidade lá fora há esse antagonismo”,
observa. “Nos EUA, por exemplo, você tem setores conservadores e que fazem
política contrária à comunidade LGBT, mas ao mesmo tempo você tem um ativismo
forte. É importante que a comunidade entenda que ela tem um papel fundamental
nessa mudança”, observa.
Júlio aponta também que, mesmo em cidades populares por ser “gay friendly”,
como Amsterdã, a homofobia ainda existe, mas de forma diferente que no Brasil,
com discriminações inclusive dentro da própria comunidade gay, e lembra que a
democracia brasileira ainda é recente. “A gente precisa ter outras reformas no
campo político para ter mudanças mais rápidas. O primeiro passo é a educação de uma
forma ampla, não só a questão LGBT. Se a gente consegue trabalhar nesse patamar,
constrói uma sociedade melhor”, conclui.
*O nome do entrevistado foi alterado para garantir o seu anonimato
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