quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Eles viajam e não voltam: cidades como NY e Londres atraem imigrantes da comunidade LGBT por ser abertas à diversidade


 
Por Murilo Aguiar para o IGAY
 
Viver em uma sociedade em que ser gay, lésbica, bissexual, transexual, travesti ou
 qualquer outra minoria é tão aceito como ser heterossexual. Esse é o sonho que 
muitos brasileiros buscam quando vão morar no exterior, em cidades como Londres,
 Nova York, São Francisco ou Barcelona. Deixam os amigos e famílias para trás e
 começam uma vida do zero, com a confiança de que lá eles alcançarão a igualdade que
 tanto desejam. A realidade, é claro, não é um paraíso, mas muitos que foram nem
 pensam em voltar.
 
Quando Emerson Vieira, de 31 anos, viajou para Nova York no início de 2013, sua intenção
 era apenas passar férias na Big Apple. Não demorou muito, porém, para ele
 abandonar a ideia de voltar para o Rio de Janeiro e retomar seu emprego de
 professor. “Quando eu cheguei aqui, reparei que é muito diferente do Brasil. Todo
 mundo é muito ligado à própria vida, ninguém se importa se eu estou beijando um
 cara ou não”, conta.

Para ele, o fato de os fundamentos religiosos não estarem tão presentes na cultura
 nova iorquina é um dos pontos que mais influenciou a sua decisão de se mudar de vez
 para a cidade. “Esses dias mesmo no trem tinha duas lésbicas se beijando e ninguém 
estava olhando. Se fosse no Brasil, estaria todo mundo olhando, apontando e tirando
 foto. Aqui é cada um na sua”, diz ele, que hoje está casado com um americano. “Se eu
 não tivesse casado com certeza voltaria, mas porque sinto muita saudade dos meus
 amigos e da minha família, não por nenhum outro motivo.”
 
Quem também não se arrepende de ter deixado o País e pretende não voltar é
 Diego Moraes*, de 32 anos. Em 2006, ele e alguns amigos viajaram para Londres, no
 Reino Unido, para assistir a um show da Madonna. Logo de primeira, o fotógrafo já 
sentiu que a cidade transmitia mais segurança para os homossexuais viverem uma
 vida normal. Gostou tanto do que viu por lá que decidiu voltar, seis meses depois,
 para estudar inglês durante um ano.
 
“Na verdade, hoje eu olho para trás e vejo que a minha motivação de voltar não
 era sinceramente estudar. 50% era mais para eu sentir como era viver em uma 
sociedade mais aberta, sem ter que passar o tempo inteiro fazendo linha”, comenta ele,
 que é de Jundiaí, interior de São Paulo.
 
Assim que chegou, Diego conta que a cidade lhe surpreendeu para melhor. Segundo o
 paulista, a aceitação da comunidade LGBT pelos londrinos está anos luz à frente da
 aceitação pelos brasileiros, e que ser homofóbico na terra da Rainha é encarado como
 um sinônimo de atraso por grande parte da população.
 
Para o paranaense Brian de Paula, que conheceu o seu marido na capital inglesa, onde
 mora desde 2011, a despreocupação em fazer gestos simples, como andar de mãos 
dadas com outro homem na rua, é o que faz da cidade tão especial e o que o motiva a
 ficar por lá. “Eu nunca poderia andar de mãos dadas com o meu marido no Brasil. 
Saímos para jantar, para eventos, lugares e não temos que ficar nos preocupando com o
 que as pessoas que estão em volta vão pensar. No trabalho também, a primeira coisa
 que eu falo quando perguntam se eu sou casado é: ‘Sim, sou casado e tenho marido’.
 No Brasil, eu tentaria esconder”, diz.

Apesar da nítida liberdade para a comunidade LGBT em alguns lugares do mundo, 
ainda é difícil afirmar que exista um lugar totalmente livre de preconceitos. Mesmo
 em Londres, Diego diz que há sim homofobia. “Homofobia tem em todo lugar e tem
 aqui também, mas sinto muito mais de pessoas que percebo que são de
 outras nacionalidades, não do povo londrino. Quando converso com pessoas do
 leste europeu ou da África, por exemplo, sei que tenho de filtrar um pouco mais o
 que eu falo”, aponta.

A comunidade não pode parar de lutar
 
Para Julio Moreira, diretor sócio-cultural do Grupo Arco-Íris e secretário
 regional da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e 
Transexuais (ABGLT), não se pode dizer que quem vai morar fora do País está fugindo da
 luta pelos seus direitos. Ele lembra, porém, que cidades como São Francisco e Nova York
 são palcos constantes da militância LGBT, mesmo que as condições de vida
 dessa comunidade já sejam melhores que em muitos lugares do mundo.
“Se você pegar a questão de qualidade de vida econômica e de bem estar, até eu
 preferiria morar lá fora. Mas do ponto de vista de militância, acho que a gente tem
 avançado bastante aqui. Existe sim um setor reacionário e conservador, mas que é fruto
 das nossas conquistas. Em qualquer comunidade lá fora há esse antagonismo”,
 observa. “Nos EUA, por exemplo, você tem setores conservadores e que fazem
 política contrária à comunidade LGBT, mas ao mesmo tempo você tem um ativismo
 forte. É importante que a comunidade entenda que ela tem um papel fundamental 
nessa mudança”, observa.
Júlio aponta também que, mesmo em cidades populares por ser “gay friendly”,
 como Amsterdã, a homofobia ainda existe, mas de forma diferente que no Brasil,
 com discriminações inclusive dentro da própria comunidade gay, e lembra que a
 democracia brasileira ainda é recente. “A gente precisa ter outras reformas no 
campo político para ter mudanças mais rápidas. O primeiro passo é a educação de uma
 forma ampla, não só a questão LGBT. Se a gente consegue trabalhar nesse patamar, 
constrói uma sociedade melhor”, conclui.
*O nome do entrevistado foi alterado para garantir o seu anonimato

Nenhum comentário:

Postar um comentário