quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Fotógrafo transexual documenta processo de mudança de aparência feminina para masculina em série


 
Por Amauri Arrais para a Revista Marie Claire
 
"Female to Male" (De feminino para masculino) mostra transformação do canadense
 Wynne Neilly por meio de imagens, registros da mudança de voz e objetos pessoais.
 "Meu trabalho me ajudou a me sentir melhor em ser aberto sobre minha identidade 
trans", disse à Marie Claire
 
O canadense Wynne Neilly é um fotógrafo que se especializou em flagrar, por meio de 
seus retratos, as diferentes formas de expressão de gênero. Recentemente, ele
 resolveu voltar o foco para si mesmo e documentar sua jornada de uma aparência
 feminina para uma masculina.
 
Batizado de “Female to ‘Male’” (De feminino para masculino), o projeto 
mostra a transformação do corpo do artista ao se submeter ao tratamento hormonal
 por meio de fotos, registros da sua mudança de voz e objetos que representam 
algum momento da jornada.  Nas imagens, feitas a cada semana ao longo de meses 
–ele continua a fazê-las-, o artista anota a data e a quantidade de testosterona que
 lhe foi administrada: “100 mg”.
 
“Eu venho fotografando a comunidade gay/trans em Toronto há algum tempo, mas
 nunca tive acesso à intimidade de alguém que passa por essa transição física. Eu 
estava prestes a passar por essa 'segunda puberdade' e tinha certeza que queria 
fotografar a mim mesmo a cada semana pelo tempo que sentisse necessário“, contou 
Neilly à Marie Claire em entrevista por e-mail da cidade canadense, onde o trabalho
 ganhou sua primeira exposição.

Até mesmo o “male” do título do projeto, entre aspas, diz algo sobre a experiência
 pessoal do fotógrafo, que se identifica como trans e rechaça a ideia de que 
todos os indivíduos que se submetem a mudanças de gênero querem ser reconhecidos
 como
 homem ou mulher, numa perspectiva heterossexual. “Colocar entre aspas põe em
 xeque o estigma do que significa ser um indivíduo trans masculino, de que há um só
 tipo de experiência transexual.”
 
Confira os principais trechos da conversa.
 
Marie Claire - Por que você decidiu documentar seu processo de transição?
Wynne Neilly - Porque eu me identifico como transexual, um artista visual gay, estou 
sempre pensando sobre como meus ambientes e experiências gays podem ser
 traduzidos conceitualmente em arte. Assim que decidi começar a fazer o
 tratamento hormonal senti que era essa experiência que eu queria ser capaz de olhar
 para trás e analisar em sua totalidade, em algum momento no futuro. Eu venho 
fotografando a comunidade gay/trans em Toronto há algum tempo, mas nunca tive 
acesso à intimidade de alguém que passa por essa transição física. Eu estava prestes a
 passar por essa “segunda puberdade” e tinha certeza que queria fotografar a mim 
mesmo a cada semana pelo tempo que sentisse necessário.
 
MC - Desde o início, você sabia que queria transformar o material em um projeto
 artístico?
WN - Eu não tinha uma câmera digital nessa época porque tinha vendido a minha para
 juntar dinheiro para a mamoplastia [cirurgia plástica de transformação das mamas
 femininas em masculinas], então usei uma câmera automática bem barata e 
comecei pedindo a amigos e companheiros de apartamento para tirar as fotos toda
 sexta-feira (o dia em que tomo a dose de testosterona). Eu não sabia para onde o 
projeto estava indo quando comecei essa rotina, mas minha prioridade era poder ter
 uma representação visual dos estágios dessa minha transição. Ao mesmo tempo
 que comecei a fotografar a mim mesmo, tive contato com os coordenadores e
 diretores do Ryerson Image Centre [local da exposição]. Depois de verem meu
 trabalho, chegamos a um acordo que seria uma boa ideia seguir com o projeto e
 transformar em uma exposição multifacetada da minha experiência.
 
MC - Em geral, transexuais costumam não gostar de ver a imagem ou ouvir a voz
 antes da transição e você fez exatamente o contrário. Foi um processo difícil?
WN - Sempre será estranho ouvir minha voz antiga e ver minhas imagens de um tempo
 atrás, mas isso não me afeta tanto porque eu sei que não pareço nem tenho mais aquela
 voz. É realmente recompensador olhar todas as imagens juntas e ver como mudei. É o 
que eu mais gosto no projeto como um todo.
 
MC - Seus projetos anteriores também examinam expressões de gênero. Você diria que
 seu trabalho influenciou sua experiência pessoal de algum modo?
WN - De maneira alguma. Eu sempre fui gay e meu gênero nunca teve nada de binário.
 Acho que meu trabalho me ajudou a me sentir melhor em ser aberto sobre minha
 identidade trans, mas definitivamente não teve influência no processo de transição.
 
MC - Por quanto tempo você já documentou sua transição? Pretende fazer um novo 
projeto no futuro?
WN - Não tenho certeza de quando vou parar de documentar. Não vejo nenhuma razão
 para parar agora e espero continuar a me fotografar pelos próximos anos. Eu 
certamente quero exibir esse trabalho de novo quando tiver mais material ao longo do tempo.
 
MC - Como tem sido a reação do público nesta primeira exposição?
WN - Recebi uma maioria esmagadora de reações positivas da exposição. Muitas
 pessoas tiveram uma reação muito visceral, o que me surpreendeu. É realmente 
incrível colocar tanto de você e do seu trabalho em um projeto e ver que posso
 provocar a emoção do público. Tenho tido muito amor e apoio das pessoas aqui de 
Toronto. É maravilhoso.

MC - Já recebeu algum convite para expor o projeto em outros lugares?
WN - Ainda não. Espero mostrar este trabalho o máximo possível. Gostaria muito que 
fosse exposto em outros lugares fora do Canadá.

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