domingo, 31 de agosto de 2014

"Um sentido para a eterna briga dos homossexuais com a velhice" - Por Pedro Paulo Sammarco Antunes



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Na sociedade greco-romana, a produção do sujeito também estava relacionada ao
 processo de envelhecimento. Era preciso viver para ser velho, pois só então o 
sujeito se completaria. Atingir a velhice constituía o objetivo da vida. Portanto, não
 fazia sentido atribuir um modo específico de vida para cada fase. A vida é processo e
 não uma fase seguida da outra. Logo, ser velho tornava-se um privilégio: o de ter
 desfrutado uma longa existência. Não havia o que descobrir. Era preciso se tornar, 
construir-se a cada instante. Ficar com os próprios desejos e não com os desejos dos
 outros. Na atualidade, o culto ao eu e aos excessos do prazer são estimulados gerando 
um estado de carência permanente.

Já na antiguidade greco-romana, não se atingiria a sabedoria de si sem o combate das 
paixões e apetites exagerados. O cuidado de si tem o objetivo de se produzir e
 atingir o próprio modo de ser. A velhice era caracterizada pela plenitude de uma 
relação acabada consigo. No sistema capitalista o ser humano passa a valer o quanto 
produz. O velho não é visto nem como produtor, muito menos como reprodutor e sim 
como um parasita inútil. Para organizar melhor as relações sociais, os diversos ramos
 da ciência organizaram as idades nas chamadas: cronológica, biológica, social e 
psicológica.

O que é valorizado na atualidade é a juventude. Esta simboliza força, 
adaptabilidade, criatividade, produtividade, consumo, esperteza, agilidade, 
versatilidade e rapidez. As chamadas adolescência e idade adulta se confundem. 
Todos buscam permanecer nos vinte e cinco anos de idade para sempre. O horror à 
velhice nasce da sociedade narcisista e do culto ao eu jovem, magro e sarado. A 
velhice é vista como uma ameaça aos atributos admirados e valorizados.

Infelizmente os homossexuais não fogem a esse contexto, pois os atributos físicos são
 muito valorizados em seu meio. O poder não vem apenas do cultural e do capital, ele
 vem também do culto ao corpo e do enorme consumo que isso gera, alimentando
 diversos ramos dos mercados ligados à saúde, economia e política. As marcas do 
corpo interpretadas como marcas de velhice são associadas a marcas de velhice que 
também surgem na mente. É como se o corpo fosse o reflexo direto de algo que também
 está acontecendo na mente, ou seja, corpo em decadência será igual a uma mente
 em decadência. A velhice, em geral, é culturalmente associada com morte iminente
 e a decadência física.

Porém, vem adquirindo importância devido ao aumento do número de idosos. Esta faixa
 da sociedade está sendo normatizada através do consumo e de padrões de
 comportamento que lhe são impostos. De maneira geral, o idoso será pressionado a
 tentar se adequar aquele que é considerado o modelo ideal pela sociedade de controle:
 o jovem sarado, bonito, ágil, produtivo, flexível, independente e consumista. Mais uma 
vez os homossexuais masculinos por estarem inseridos nessa mesma sociedade, não 
são poupados dessa pressão.

Os modelos de velhice valorizados são representados por idosos que enfrentam 
desafios, fazem projetos para o futuro, mantêm uma agenda completa de 
atividades, mostram-se criativos, joviais e relutam em se aposentar. Parece que o 
modelo tradicional de velhice que pressupunha o idoso em casa, aposentado, 
doente, decadente, isolado e aguardando a morte chegar, está mudando rapidamente.
 A sociedade de controle impõe que os modelos tradicionais se alterem para se 
adequar a produção e ao consumo sem limites.

O idoso geralmente costuma sofrer o estigma daquele que é lento, rígido, 
sistemático, metódico, dependente e inflexível. Conforme as rápidas mudanças ocorrida
 no mundo nos últimos tempos, a indústria da moda vem diminuindo cada vez mais o 
tamanho dos vestuários, desde o início do século XX. Gradativamente surgem peças 
menores tanto para homens como principalmente para as mulheres. Os corpos vão 
sendo cada vez mais expostos conforme as décadas desse século avançam. A 
partir da década de 1980, os corpos já estavam bem amostra, e a famosa “geração
 saúde” crescia expressivamente em todas as classes sociais. Desde então, o culto ao
 corpo tem tido o objetivo de corporificar “identidades” pautadas em modelos 
inalcançáveis, onde cada um se torna individualmente responsável pelo corpo que tem.

Viver o infinito da vida, no finito de cada instante. É justamente o desafio que
 Friedrich Nietzsche (1844-1900) propõe a todos (homossexuais ou não) a teoria do 
eterno retorno. Ela consistia em fazer com que os homens pensassem que ao 
morrerem, retornariam ao exato momento de seu nascimento e tudo o que passou se
ria exatamente repetido infinitas vezes. Ele acreditava que se pensássemos na vida
 tendo como referência esse “eterno retorno”, seríamos muito mais responsáveis
 nas escolhas de nossos atos, porque saberíamos que cada ato, cada palavra, cada 
ação, assim como a ausência delas, seria repetida pela eternidade. Seu intuito era
 que o homem enxergasse assim a vida para que a vivesse da forma mais plena
 possível. Assim, Nietzsche coloca a seguinte pergunta: essa vida, assim como você a
 vive hoje, seria digna de ser repetida por toda eternidade?

*Pedro Paulo Sammarco Antunes é psicólogo. Atualmente está cursando doutorado
 em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 2010 
defendeu o título de mestre em Gerontologia pela mesma instituição. Concluiu sua
 pós-graduação lato-sensu em Sexualidade Humana pela Faculdade de Medicina
 da Universidade de São Paulo em 2008. Tem experiência na área de psicologia clínica 
com ênfase em sexualidade humana. Em 2013 lançou seu mestrado em livro: 
“Travestis envelhecem?”, publicado pela editora Annablume.

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