Publicado pela Folha
Artigo de Rita Siza*
Não há ninguém que depois de ver um combate de boxe possa pôr em causa a
coragem daqueles atletas, e esta semana o pugilista porto-riqueno
Orlando Cruz provou como possui todas as características essenciais aos
lutadores - força, poder, solidez, energia, resistência - quando
corajosamente decidiu tirar as luvas e enfrentar um dos mais poderosos
preconceitos do esporte, assumindo publicamente a sua homossexualidade.
O peso pluma de 31 anos, atleta olímpico dos Jogos de Sydney e
profissional do boxe desde o ano 2000, argumentou que foi a consciência
de que os esportistas podem servir modelo de comportamento para milhares
de crianças e jovens que o impeliu a divulgar essa informação privada.
"Eu quero tentar ser o melhor exemplo possível para todos os que querem
praticar este esporte e todos os que pensam no boxe numa carreira
profissional", explicou Orlando Cruz, esclarecendo em nome da sua
honestidade individual que "tem e sempre teve muito orgulho por ser
porto-riquenho" da mesma forma que "tem e sempre terá muito orgulho em
ser um homem gay".
Numa declaração publicada no site Boxing Scene, Orlando Cruz escreveu
que a sua intenção é poder ser apreciado pelas suas capacidades como
pugilista e pelo seu carácter. "Quero que os jovens que são vítimas de
bullying saibam que podem ser aquilo que quiserem, incluindo um
pugilista profissional. Tudo é possível, e o que somos ou quem amamos
não nos deve impedir de alcançar os nossos sonhos", considerou.
A homossexualidade ainda permanece um tabu no mundo esportivo, e os
raros atletas profissionais que escolheram ir contra a corrente e
divulgar a sua orientação sexual geralmente fazem-no no final das suas
carreiras, quando essa revelação já não pode afectar os seus
compromissos. Mais uma razão para saudar Orlando Cruz, que não se coibiu
de responder às perguntas quando faltam apenas 15 dias para um
importante combate na Florida: uma vitória contra o mexicano Jorge Pazos
será um passo decisivo para a conquista do cinto de campeão do mundo na
sua categoria.
Há exactamente 50 anos atrás, o preconceito promoveu uma tragédia no
Madison Square Garden de Nova Iorque, num combate que opôs o pugilista
das Ilhas Virgem Americanas, Emile Griffith, ao cubano Benny Paret - o
caso foi evocado no documentário de 2005 "Ring of Fire: The Emile
Griffith Story".
No 12º round, uma barragem de golpes de Griffith deixou Paret KO e
inconsciente - o cubano, que antes de subir para o ringue, insultara o
americano de "maricón", não recuperou dos traumatismos e morreu dez dias
depois. Griffith, que admitiu ser gay quando pôs fim à carreira,
lamentou a pressão que a homossexualidade representava para estes
atletas: "Posso matar um homem e ser perdoado, mas se amar um homem isso
faz de mim uma má pessoa".
*Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha
temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do
futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular
atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.
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