terça-feira, 30 de outubro de 2012

Trajetória de árbitro gay é contada em livro


 
Publicado no O Dia
Por Marcia Vieira 
 
 Eles não tinham vergonha de desmunhecar, empinar o corpo ou correr como gazelas dentro das quatro linhas. Homossexuais assumidos, Jorge Emiliano dos Santos, o Margarida, Walter Senra, o Bianca, e Paulino Rodrigues da Silva, o Borboleta, roubaram a cena no fim dos anos 80 e início dos 90 ao inaugurar a arbitragem gay no futebol. Com muito profissionalismo, o trio de amigos superou preconceitos, driblou a violência e ficou conhecido pela irreverência e o apito honesto. Uma história que será eternizada no livro ‘Parada Dura, Memórias de um Juiz Gay do Futebol Carioca’, escrito pelos jornalistas Anna Davies e Carlos Nobre, que será lançado no primeiro trimestre do ano que vem.
 
A obra conta a trajetória do cearense Paulino desde os 16 anos, quando ele trocou a Caponga, interior do Ceará, pelo Rio, onde se tornou árbitro de futebol e advogado trabalhista, até a coroação como Rainha das Quengas. O livro aborda também a amizade de um trio de amigos ligado pelo futebol.
 
“Conheci primeiro o Margarida, que foi meu bandeira em um jogo. Daí nasceu uma grande amizade. Depois conheci o Bianca e também ficamos muito amigos. Foi o Margarida que revelou a nossa homossexualidade em um entrevista ao ‘Jornal dos Sports’. Na época, eu era juiz classista do tribunal e queria processá-lo de qualquer jeito”, conta às gargalhadas Borboleta para em seguida cair em lágrimas ao lembrar da perda dos amigos. Margarida morreu em 95 e Bianca, em 2002.
 
“Foi muito doloroso, a gente fazia tudo junto (Borboleta começa a chorar). Se a gente fosse apitar no mesmo dia o encontro era certo. Cada um levava o seu garoto e não faltava provocação: ‘Bandida, cuidado, o meu não, hem!’”. Quem ouve Borboleta falar com naturalidade sobre a sua opção sexual não imagina o longo sofrimento que passou para se aceitar. Foram vários relacionamentos difíceis com mulheres até ele sair do armário, graças à mãozinha de um pai de santo.
 
“Um amigo me levou a um pai de santo português. Ele fez um trabalho. Dormi, deitei para o santo e depois ele jogou búzios e me disse: ‘Não adianta você procurar uma mulher. Não vai dar certo. Daqui para a frente você vai procurar um namorado’”.
 
A sentença soou como decreto e Paulino passou a correr atrás de sua felicidade.
 
Em janeiro deste ano ele foi até eleito a Rainha das Quengas, em um concurso promovido por um bar de mesmo nome na Lapa. “Fiquei orgulhoso, teve uma disputa muito grande com quengas mais novas. Mesmo sendo mais maduro, ganhei. Estou curtindo”.
 
De bem com a vida e consigo mesmo, Borboleta faz questão de mandar um recado para quem não teve coragem de sair do armário: “Quem nunca se assumiu que se assuma. Que se dane o preconceito. Ninguém pode lutar contra a própria natureza”.
 
Violência perseguiu ex-árbitro
 
Além de sofrer muito preconceito sexual, Borboleta conviveu de perto com a violência do futebol. Ele chegou a perder dois dentes após receber vários socos dos jogadores do Campo Grande na derrota por 2 a 0 para o Vasco em 1992. E em 1990 teve uma arma apontada para sua cabeça por um torcedor do América, que não se conformava com a derrota por 3 a 2 para o Fluminense, em Três Rios.
 
“No interior praticamente não havia proteção policial e nem vestiário, e os juízes ficavam entregues à sanha apaixonada de uma torcida. O Borboleta apanhou muito”, conta o jornalista Carlos Nobre, um dos autores da obra.
 
Violência à parte, foi a incrível história de Borboleta que chamou a atenção da jornalista Anna Davies. “Depois que o conheci tive o ‘insight’ de escrever o livro para resgatar a história dele. Só não tinha a noção da sua importância. Quem meu deu essa dimensão foi o Carlos Nobre”, ressalta Anna.

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