Publicado pelo Estadão
Por Luciana Nunes Leal 
A psicóloga Cristiana Serra, de 38 anos, brinca que deve sua união com a confeiteira Juliana Luvizaro, de 32, ao papa Bento XVI.
Não há nenhum tom desrespeitoso na brincadeira. É que, no Natal de 2008,
 o pontífice fez um pronunciamento em que considerou tão importante 
"salvar" a humanidade do comportamento gay quanto livrar as florestas do
 desmatamento. Indignada, Juliana mandou e-mail à Arquidiocese do Rio. 
Dizia que era gay e católica, mas que uma restrição da própria Igreja 
poderia fazê-la deixar a religião. 
Juliana conta que recebeu de um padre da arquidiocese uma resposta "mais
 que amorosa" e a sugestão de entrar em contato com o padre Luís Corrêa 
Lima, que coordena um grupo de pesquisa sobre diversidade sexual na 
PUC-RJ. Esse contato a levou ao Diversidade Católica, um grupo leigo de 
reflexão, oração e debate formado por gays católicos, em que conheceu 
Cristiana. 
As duas estão juntas desde março de 2009 e há três anos formalizaram em 
cartório a união estável. Têm expectativa de convertê-la em casamento 
civil. 
Cristiana e Juliana fazem parte de um movimento de gays católicos 
praticantes que pretendem conciliar as duas identidades. Nos últimos 
anos, eles têm se reunido em espaços como o Diversidade Católica, no 
Rio, e a Pastoral da Diversidade, em São Paulo. Participam de 
celebrações, estudam, trocam experiências. No cotidiano, frequentam 
igrejas e muitas vezes participam das atividades paroquiais. 
Os grupos têm o apoio de alguns padres, como d. Anuar Battisti (mais 
informações nesta pág.), que atuam com discrição para evitar sanções da 
hierarquia da Igreja, como o silêncio (restrição a entrevistas e 
pronunciamentos públicos), já imposto a alguns sacerdotes. 
A doutrina católica, reforçada nos textos e discursos do papa Bento XVI,
 acolhe o homossexual, mas condena a prática da homossexualidade. E 
rejeita vigorosamente a união de pessoas do mesmo sexo e mais ainda a 
adoção de crianças por esses casais. 
Para mostrar o outro lado da Igreja, os integrantes do Diversidade 
Católica recorrem a palavras do próprio Bento XVI: "A Igreja não é 
apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o papa e os bispos; a 
Igreja somos nós todos, os batizados". Como primeiro passo, eles querem 
participar da vida religiosa sem ter de esconder que são gays, como 
relatam terem feito durante anos. 
Vivências. Após infância e adolescência vividas no ambiente católico, o 
empresário Arnaldo Adnet (acima), um dos fundadores do Diversidade 
Católica, se afastou da Igreja no período em que assumiu ser gay. Anos 
depois, quando retornou à religião, ia discretamente à missa aos 
domingos, na Igreja da Ressurreição. Aos poucos, passou a participar da 
vida da paróquia. Foi chamado para cantar no coro e fez parte da 
coordenação pastoral. "Para mim, dizer que sou católico é que foi sair 
do armário", diz Adnet, que vai às missas dominicais com o companheiro e
 a mãe. 
Cristiana e Juliana frequentavam as missas de um padre "acolhedor" no 
bairro da Glória e, após se mudaram para Copacabana, também passaram a 
ir na Igreja da Ressurreição. "A gente vê gays antirreligiosos e, entre 
os religiosos, a homofobia é cada vez mais arraigada. Isso tende a 
obscurecer um campo intermediário que fica silencioso, por não ser tão 
extremista. A polarização impede o diálogo", diz Cristiana. 
Histórias de acolhimento e rejeição se alternam. Um rapaz que cumpria 
atividades em uma paróquia conta que, ao revelar ao padre que era 
homossexual, foi perdendo suas funções. Na Jornada Mundial da Juventude 
(JMJ) em Madri, em 2011, ele encaminhou por escrito, sem esperança de 
ser atendido, uma pergunta ao arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta, sobre
 como a Igreja lida com a presença dos gays católicos. O rapaz se 
surpreendeu ao ver que sua pergunta foi respondida por d. Orani, que, 
segundo ele, pregou a existência de uma Igreja para todos. Hoje, o rapaz
 participa da organização da nova edição da JMJ, que ocorrerá em julho 
no Rio, com a presença de Bento XVI.
Em São Paulo, os integrantes Pastoral da Diversidade, que não tem 
vínculo com a arquidiocese, reúnem-se a cada 15 dias em uma missa 
comandada pelo padre inglês James Alison, na casa do sacerdote ou em 
espaços de ONGs. 
Por ter deixado a ordem dominicana e não ser subordinado à hierarquia da
 Igreja, Alison fala sem restrições. Ele sustenta que a Igreja parte de 
um pressuposto equivocado ao considerar que a homossexualidade vai 
contra a natureza e, portanto, não pode ser aceita como prática. 
"Será verdade que os gays são héteros defeituosos ou será que é uma 
variante minoritária e não patológica da condição humana? Na medida em 
que a sociedade se dá conta de que não é um defeito, a situação vai 
mudando, queira a hierarquia da Igreja ou não", diz Alison. "Expus minha
 consciência há 17 anos e eles (autoridades do Vaticano) nunca me 
chamaram a dar explicações. Eles têm uma dificuldade sobre qual é o meu 
status canônico como padre. A única razão por que posso falar 
abertamente é que não tenho nada a perder", afirma. 


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