Publicado em A Vida em Parágrafos
Por Augusto Martins
O tiro da misericórdia foi dado: entre uma espiada e outra, a vontade de
sair do armário era imensa. Faltava-me ar para dizer o que realmente
sentia. Por um triz, não fui estrangulado sem direito a réplica. Me
sentia um passarinho mudo que voava em libras e isso era absurdamente
triste.
Foi em meados de 2008, um pouco antes de completar dezessete anos que
percebi que a gente precisa de um tempo. Se dar um tempo. Se cuidar. O
ideal era me pegar no colo e cantar uma música de ninar até adormecer e
acordar como se nenhum problema fosse te derrubar na manhã seguinte. E
para isso, eu precisava me assumir gay, despir de todas as roupas,
máscaras e fantasias e nascer para uma vida completamente nu.
Sair do bendito armário e jogar a chave fora exigia coragem e não
envolvia só a mim. Tinha família no jogo. Tinha amigos. Tinha escola.
Tinha a vizinhança. Tinha a galera que a gente brincava na rua. Tinha,
inclusive, a quebra da expectativa da minha mãe em ter um neto. Me
senti culpado por ter interrompido o protocolo ou missão que desejam
(quase) todas as mulheres: encontrar alguém, ter filhos, serem avós e
ter uma vida tranquila até a morte vir ao encontro e levá-las para um
passeio.
Mas fiz diferente. Coloquei esse universo todo em desordem. Não dei um
neto como minha mãe sempre quis, mas em compensação, dei a ela um filho
que estaria vivendo a sua vida de forma plena: sem meias verdades, sem
bastidores, sem nada. Cuidar de um filho assim é ser mãe duas vezes.
Pelo menos eu acho.
Eu merecia esse carinho. Aliás, todos nós merecemos. Porque no fundo é
você e seu espelho. Não queria discutir aqui o termo “saindo do
armário”. Que ele demonstra um avanço no sentido de dar maior
visibilidade, assegurando o respeito aos vínculos homoafetivos, isso
todos nós sabemos. É que eu fico achando que no mundo, por pior que
sejam as coisas, o bem vence no fim. E queria que esse “fim” se
estendesse a todos outros gays. Que tudo acabasse bem. Que armários e
mais armários fossem abertos sozinhos e de que lá saíssem pessoas
capazes de voar até onde suas asas conseguissem alçar voos.
Revelar às pessoas minha verdadeira identidade foi a melhor coisa que me
aconteceu. Aí tudo acalma e parece aprimoramento. A gente não pode ser
aquela pessoa invisível toda a vida. Tem que se dar um pouco mais, ver o
mundo ganhando gradativamente as cores. Ser humano transcende o fato de
uma pessoa ser gay ou não e usar Deus como marcador de páginas, faz do
nosso livro, ó… muito mais interessante. E o que é melhor: nesse lance
todo não existe moral da história. Afinal, onde que o amor não é bonito?
O amor é bonito sempre.
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