domingo, 3 de fevereiro de 2013

O Melhor de Mim (Relato de um jovem que assume sua homossexualidade)



Publicado em A Vida em Parágrafos
Por Augusto Martins
 
O tiro da misericórdia foi dado: entre uma espiada e outra, a vontade de sair do armário era imensa. Faltava-me ar para dizer o que realmente sentia. Por um triz, não fui estrangulado sem direito a réplica. Me sentia um passarinho mudo que voava em libras e isso era absurdamente triste.
 
Foi em meados de 2008, um pouco antes de completar dezessete anos que percebi que a gente precisa de um tempo. Se dar um tempo. Se cuidar. O ideal era me pegar no colo e cantar uma música de ninar até adormecer e acordar como se nenhum problema fosse te derrubar na manhã seguinte. E para isso, eu precisava me assumir gay, despir de todas as roupas, máscaras e fantasias e nascer para uma vida completamente nu.
 
Sair do bendito armário e jogar a chave fora exigia coragem e não envolvia só a mim. Tinha família no jogo. Tinha amigos. Tinha escola. Tinha a vizinhança. Tinha a galera que a gente brincava na rua. Tinha, inclusive, a quebra da expectativa da minha mãe em ter um neto. Me senti culpado por ter interrompido o protocolo ou missão que desejam (quase) todas as mulheres: encontrar alguém, ter filhos, serem avós e ter uma vida tranquila até a morte vir ao encontro e levá-las para um passeio.
 
Mas fiz diferente. Coloquei esse universo todo em desordem. Não dei um neto como minha mãe sempre quis, mas em compensação, dei a ela um filho que estaria vivendo a sua vida de forma plena: sem meias verdades, sem bastidores, sem nada. Cuidar de um filho assim é ser mãe duas vezes. Pelo menos eu acho.
 
Eu merecia esse carinho. Aliás, todos nós merecemos. Porque no fundo é você e seu espelho. Não queria discutir aqui o termo “saindo do armário”. Que ele demonstra um avanço no sentido de dar maior visibilidade, assegurando o respeito aos vínculos homoafetivos, isso todos nós sabemos. É que eu fico achando que no mundo, por pior que sejam as coisas, o bem vence no fim. E queria que esse “fim” se estendesse a todos outros gays. Que tudo acabasse bem. Que armários e mais armários fossem abertos sozinhos e de que lá saíssem pessoas capazes de voar até onde suas asas conseguissem alçar voos.
 
Revelar às pessoas minha verdadeira identidade foi a melhor coisa que me aconteceu. Aí tudo acalma e parece aprimoramento. A gente não pode ser aquela pessoa invisível toda a vida. Tem que se dar um pouco mais, ver o mundo ganhando gradativamente as cores. Ser humano transcende o fato de uma pessoa ser gay ou não e usar Deus como marcador de páginas, faz do nosso livro, ó… muito mais interessante. E o que é melhor: nesse lance todo não existe moral da história. Afinal, onde que o amor não é bonito? O amor é bonito sempre.
 

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