Por Angela Chagas para o Terra
Dica de Augusto Martins
"Se eu não tivesse denunciado o que fizeram comigo, meu caso iria
acabar como mais uma estatística da violência contra os gays no Brasil",
é assim que o estudante C.T., de apenas 15 anos, resume o drama vivido
em uma escola pública de Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul.
Em um e-mail enviado à Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) poucos dias depois de ser
agredido por um colega de aula, ele contou que sentia vontade de morrer.
"Às vezes eu sinto que ninguém gosta de mim e que a única solução é me
matar", escreveu na mensagem que foi divulgada em todo o País.
Dois meses depois de ser agredido com chutes e pontapés pelo colega
de aula, o adolescente disse que enviou o e-mail como uma forma
desesperada de romper com o silêncio comum às vítimas da homofobia em
busca de respeito. C.T. e sua mãe, que preferiu não divulgar o nome para
preservar o filho, receberam o Terra em sua casa, na cidade de
Santo Ângelo, localizada a 450 km de Porto Alegre. Pedagoga, a mãe disse
que ela e o marido levaram um choque quando souberam que o adolescente
havia sido agredido na escola.
"Foi um grande susto, mas desde o primeiro momento decidimos apoiar o
nosso filho", contou a mulher ao afirmar que não sabia que o
adolescente sofria bullying dos colegas. "A parte física não foi tão
forte, foram alguns chutes e socos. Isso passou. Mas o pior foi o lado
emocional. Ele tem pesadelos quase todas as noites e agora precisa de
acompanhamento psicológico", disse sobre o único filho.
A família de C.T. registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil
após a agressão. O colega de aula, da mesma idade, foi ouvido, assim
como educadores da escola, que foram acusados de omissão. "Os
professores sabiam o que acontecia comigo e tapavam os olhos. Vários
colegas faziam piadinha comigo e eles não faziam nada", disse o
estudante. "Normalmente, os professores não querem se envolver, não
pensam que é algo sério. Acham que é só uma brincadeira de adolescente.
Mas no meu caso, o resultado dessas 'brincadeiras' foi a agressão. O meu
colega começou a me bater na saída da aula e disse que tinha uma faca
para me matar. Tinha um monte de gente em volta olhando, e ninguém fez
nada".
Segundo a responsável pela Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente de Santo Ângelo, Elaine Maria da Silva, a investigação foi
concluída em abril e encaminhada ao Ministério Público. A delegada disse
que o resultado não pode ser divulgado por envolver menores de idade.
Para C.T., a sensação é de impunidade: "Todo mundo sabe quem eu sou
nessa cidade, apesar de ter pessoas que me apoiam, muita gente passa por
mim e me reprova. A minha vida mudou muito, tenho medo de sair na rua e
ser agredido de novo. Para ele (o agressor), a vida continua a mesma,
ou até melhor porque ele foi tratado como herói. Uma prova disso é que
semanas depois da agressão ele foi eleito líder da turma", lamenta o
adolescente, que estudava no 1º ano do ensino médio na Escola Estadual
Onofre Pires.
Além do medo, ele precisou enfrentar várias mudanças após denunciar a
agressão. A família o matriculou em uma escola particular da cidade.
Ele também recebe acompanhamento de duas psicólogas: uma do novo colégio
e outra contratada pela Secretaria de Educação do Estado. Apesar do
sofrimento, C.T. não se arrepende em ter tornado pública sua história.
"Fiz isso como uma garantia para que meu caso não fosse negligenciado".
A direção da escola Onofre Pires, onde ocorreu a agressão, disse que o
caso está sob responsabilidade do Ministério Público e que não vai
comentar as denúncias do aluno. Já a Secretaria Estadual da Educação
informou que presta toda a assistência ao jovem e a sua família, com o
acompanhamento da psicóloga.
Coordenadora da Área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais, Miriam Abramovay afirma que a
história de C.T. é uma exceção no Brasil. "Ele é uma exceção porque
reagiu. Foi para os jornais, falou com os governos, com os movimentos
sociais. Isso tudo é fruto de uma consciência política muito forte. A
maioria dos adolescentes que passa pela mesma situação acaba
silenciando. O medo e a vergonha de se sentir culpado por ser diferente
faz com que não reajam à violência", explica Abramovay, autora de
diversos livros e pesquisadora sobre a violência nas escolas.
Segundo ela, a falta de reação contra o bullying homofóbico causa
diversos danos, como o isolamento social, falta de interesse nos estudos
e, em alguns casos mais extremos, leva até ao suicídio. "A escola
trabalha na lei do silêncio, e não do diálogo. Quanto menos tiver que
fazer melhor. Acontecem 800 casos iguais por dia, mas a escola finge que
não é nada sério", lamenta a especialista. Ela afirma ainda que os
educadores estão despreparados para lidar com a sexualidade e
diversidade de gênero e que a falta de uma política pública voltada para
discutir a homofobia dentro das escolas impede avanços. "Temos que
colocar mais energia nisso. Já existem algumas ações isoladas, mas ainda
é algo muito tímido, que precisa ser reforçado", afirma ao destacar a
importância da capacitação dos professores para lidar com a violência
homofóbica.
Para C.T., que sonha em ir para uma cidade maior estudar medicina ou
jornalismo, as escolas públicas ainda não estão preparadas para lidar
com a homofobia. "Na minha escola nova, que é particular, eu percebo que
os professores são mais capacitados, não tem tanto preconceito. Mas no
geral, acho que falta muita informação. Eu acredito muito que o
preconceito acaba quando as pessoas conhecem o assunto. Elas deixam de
acreditar em crendices, passam a perceber que os gays são pessoas iguais
a todas as outras", disse ao Terra.
C.T. finalizou citando o kit de combate a homofobia que seria
distribuído nas escolas públicas e que foi vetado pela presidente Dilma
no ano passado. "O veto ocorreu por causa da pressão da bancada
evangélica, mas eu espero que os políticos parem com essa hipocrisia de
negar que o problema da homofobia existe e tomem uma providência logo",
declarou o adolescente ao destacar que a população LGBT precisa ter seus
direitos respeitados.
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