Depois de receber críticas ao publicar preconceituoso artigo
de colunista contrário ao casamento homoafetivo, a revista Veja
publicou esta matéria sobre homossexuais e filhos. Jogada comercial ou
arrependimento? Veja... ou melhor, analise:
Casais homossexuais brasileiros tendem a ter filhos
Por Gabriele Jimenez
Reportagem de VEJA
desta semana mostra novo estudo que constata uma das mudanças recentes
mais notáveis na sociedade mundial de que o Brasil não ficou de fora: a
naturalidade em encarar o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo
Um de cada - Luciana (à esq.), Thais e
seus bebês: “Quando perguntam quem é a mãe da Laura e a do Lucca,
respondemos que somos nós duas (Fotos: Claudio Gatti)
Uma das mudanças recentes mais notáveis na sociedade mundial de que o
Brasil não ficou de fora é a naturalidade em encarar o relacionamento
entre pessoas do mesmo sexo. Estimulados por leis, livros, filmes e
novelas que tratam da homossexualidade como um fato da vida, os gays
assumem sua orientação sexual sem constrangimento. Há um forte
componente de classe nesse fenômeno. Quanto mais ricas e mais instruídas
são as pessoas, maior tende a ser entre elas a proporção de casais que
se declaram gays. Um estudo feito pelo demógrafo Reinaldo Gregori, de
São Paulo, tendo como base os dados do Censo 2010, confirma essa
percepção - e revela uma surpreendente taxa de casais do mesmo sexo no
Brasil que já têm filhos. Eles são 20%, em comparação com os 16%
verificados nos Estados Unidos.
O Censo 2010 foi o primeiro levantamento desse tipo feito no Brasil que
tinha no formulário a pergunta sobre o sexo do cônjuge. A resposta era
optativa. Ainda assim, cerca de 68 000 pessoas - 0,18% dos casais -
declararam ter um parceiro do mesmo sexo. “O censo mostrou que esse novo
arranjo familiar está se tornando menos incomum no Brasil”, diz
Gregori. É presumível que seja expressivo o número de casais gays que,
em 2010, preferiu optar por não revelar sua condição. O censo confirma a
tendência de que os casais gays assumidos são mais numerosos entre os
níveis sociais mais altos, com escolaridade e renda acima da média
brasileira.
Os dados computados pelo demógrafo Gregori mostram que, enquanto apenas
34% dos chefes de família heterossexuais possuem mais de dez anos de
estudo, entre os casais homossexuais declarados esse número chega a 67% e
seu rendimento médio, de 5 200 reais, é quase o dobro. A musicista
Thais Musachi, 26 anos, e a pediatra Luciana Avelar, 38, juntas há cinco
anos, encaixam-se perfeitamente nessa amostra, tanto no que se refere à
renda e escolaridade quanto na tendência de ter filhos. Elas
conseguiram superar as barreiras biológicas à reprodução recorrendo a um
banco de esperma. Luciana gestou em seu útero dois embriões. Um deles
foi produzido com a junção de um óvulo dela e o espermatozoide doado. O
outro óvulo foi retirado de Thais. Elas curtem agora um casal de filhos
de 11 meses. Laura é mais parecida com Thais e Lucca lembra mais
Luciana. “Para nós, nunca foi importante saber quem gerou quem, nem
fizemos exames de DNA para descobrir”, diz Thais, que espera uma
permissão judicial para colocar na certidão de nascimento das crianças o
seu nome ao lado do de Luciana.
VEJA desta semana
O caminho escolhido por Luciana e Thais para terem filhos é complexo,
caro e, portanto, menos frequente. O mais comum é adotar. Mas para
homossexuais as dificuldades são maiores do que aquelas enfrentadas por
casais heterossexuais. Segundo uma pesquisa do Ibope feita no ano
passado, 55% dos brasileiros consideram imprópria a adoção por gays. “A
ideia prevalente ainda é que os gays são promíscuos e propensos a abusar
sexualmente das crianças”, diz a psicóloga Mariana Farias, autora de
livros sobre o assunto. Mariana lembra que a maioria das pessoas
acredita erradamente que, por influência da situação doméstica, as
crianças adotadas por gays fatalmente se tornarão homossexuais. Conclui
Mariana: “São conceitos desmentidos em estudos científicos, mas que
continuam a ter forte influência”.
O psicólogo Carlos Henrique da Cruz, 51 anos, e seu parceiro, o
professor Wagner da Matta, 49, foram confrontados com toda a carga de
preconceito quando tentaram incluir o nome deles no cadastro de adoções
em Natal, no Rio Grande do Norte, em 2004. O pedido de inclusão foi
negado. “Disseram que nós não poderíamos ser considerados uma família”,
conta Cruz. Eles conseguiram seu intento dois anos depois, no Recife,
mas pelo cadastro individual feito por Cruz. Desde 2006, são pais de
Pérola, 11 anos, e Pétala, 9.
Dose dupla - Cruz, Pérola, Pétala (à
dir.) e Matta (na tela): “A Pérola ficava tentando me arranjar namorada.
Hoje conta na escola que tem dois pais”
As pesquisas apontam para o fato de que os casais gays não fazem as
exigências que, em geral, são colocadas como condição para adotar, entre
elas que a criança seja ainda um bebê, sem problemas de saúde e da
mesma etnia dos futuros pais. Duas decisões tomadas recentemente pela
Justiça também contribuem para aumentar a chance de pessoas do mesmo
sexo formarem uma família. Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça
autorizou a adoção de uma criança por um casal de mulheres. No ano
passado, o Supremo Tribunal Federal aprovou a união estável para os
homossexuais. A falta de legislação específica ainda deixa espaço para
interpretações diferentes, mas a situação começa a mudar. A enfermeira
Cecilia de Avila, de 53 anos, de Uberaba, Minas Gerais, havia colocado
apenas seu nome nos pedidos de adoção de dois dos quatro filhos que cria
com a artesã Ana Cláudia Santos, 45. Por sugestão do próprio promotor,
iniciou os outros dois processos junto com Ana.
Claro que não se pode exigir que todas as pessoas reajam com
naturalidade diante de casais do mesmo sexo. Embora as estatísticas
mostrem crescimento, esse arranjo ainda é novidade para muitos. Faz
parte do cotidiano dos casais homossexuais lidar com doses diversas de
estranheza. “Quando saímos os quatro juntos, as pessoas olham com muita
curiosidade. Na escola nos apresentamos como pais adotivos, sem maiores
explicações. Mas as meninas falam abertamente que têm dois pais e alguns
coleguinhas acham que é mentira”, relata Cruz, o pai de Pérola e
Pétala. A artesã Ana Cláudia conta que Laura, a filha mais velha, passou
por uma situação difícil. “Uma menina disse que não ia mais ser amiga
dela por nossa causa. Informamos a diretora, que conversou com a aluna.”
Laura, de 10 anos, vive há cinco com suas duas mães e aprendeu a
driblar esse tipo de obstáculo. Diz ela: “No começo, sentia um pouco de
vergonha, mas hoje eu gosto de contar que tenho duas mães”.
Grande família - Ana, André (no colo
dela), Laura (no meio), Cecilia e Ezequiel: “Eles ficaram um pouco
assustados conosco, e nós com eles”
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