domingo, 1 de julho de 2012

Casamento não garantiu a militar gay o reconhecimento do estado civil


Publicado pela Veja
João Batista Pereira da Silva foi o primeiro integrante da Marinha a se casar oficialmente com uma pessoa do mesmo sexo. Somente agora, mais de nove meses depois, órgão se dispõe a alterar a identidade militar
Quando duas pessoas se casam, é necessário que seja feita a alteração do estado civil nos documentos de identificação oficiais, bem como a consequente atualização dos dados cadastrais em diversas instituições. Um procedimento corriqueiro e automático, certo? Sim, desde que o casal seja heterossexual. Para João Batista Pereira da Silva e Claudio Nascimento Silva a batalha dura mais de nove meses.
João foi o primeiro militar da Marinha a se casar oficialmente com uma pessoa do mesmo sexo, em uma cerimônia realizada em agosto de 2011. Desde setembro daquele ano, briga para ter o novo estado civil reconhecido pelo órgão. Somente agora, depois de apelar para diversas frentes – entre elas a Presidência da República –, o cabo da reserva finalmente conseguiu um indicativo de que o caso será resolvido. Em nota enviada ao site de VEJA nesta quarta-feira, a Marinha afirmou que regularizará a situação até esta sexta, dia 29. O órgão informa que após o comparecimento dos dois ao Serviço de Identificação da Marinha (SIM), a nova identidade será expedida no prazo de quarenta e oito horas – o anúncio oficial dessa decisão para os interessados, entretanto, ainda não foi feito.
Desde setembro de 2010, João e Claudio – que é superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro – tem a união estável reconhecida. A disputa com a Marinha começou quando João solicitou a inclusão do parceiro como dependente para que ele tivesse acesso aos benefícios oferecidos para os cônjuges de militares. A resposta afirmativa ao requerimento só veio em outubro de 2011, mais de cinco meses depois do pedido.
Nesse meio tempo, uma decisão da Justiça autorizou a conversão da união estável dos dois em casamento civil. No entanto, quando João tentou alterar seu estado civil no sistema de identificação da Marinha no ato do recadastramento anual obrigatório, teve o pedido negado. O órgão informou que seria necessário um requerimento específico para a alteração. “Um militar heterossexual não precisa fazer esse requerimento, basta apresentar os documentos e a certidão de casamento que os dados são alterados”, afirma Claudio. “Isso foi um tratamento diferenciado que gerou constrangimento, mostrando claramente que eles não estavam tratando com igualdade de direitos a nossa questão”.
João chegou a fazer dois requerimentos diferentes e uma solicitação presencial direta aos superiores durante um período de mais de nove meses, mas só obteve uma resposta em maio deste ano. A Marinha, que já havia reconhecido a união estável dos dois, indeferiu os pedidos de mudança de estado civil e alegou “falta de amparo legal”, afirmando que o “ordenamento jurídico vigente só reconhece o casamento entre pessoas de sexo opostos”.
Preocupado com uma norma do regulamento que diz que os militares devem ter seus dados cadastrais atualizados, sob o risco de sofrer punições caso não o façam, o casal resolveu entrar com uma ação na Justiça para garantir a mudança do estado civil na identidade militar. Também enviou uma carta à Presidência da República, através da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), solicitando um posicionamento sobre o caso.
Nesta quarta-feira, a Marinha mudou seu entendimento sobre a questão e garantiu ao site de VEJA que reconhecerá a certidão de casamento e emitirá as novas identidades militares com a mudança do estado civil. Em relação à demora, o documento afirma: "Devido à apreciação jurídica que o assunto requeria, foi necessária a análise detalhada do caso, a fim de assegurar a legalidade da alteração do estado civil nos assentamentos do militar".
O casal afirmou à reportagem que ainda não foi comunicado oficialmente sobre o novo posicionamento da Marinha. “Se isso realmente acontecer, será um avanço não só para nós, mas para outros homossexuais nas Forças Armadas, que se sentirão encorajados a buscar os seus direitos”, afirma Claudio. Mesmo que a alteração seja feita, entretanto, ele diz que o casal pretende continuar com a ação por danos morais. “De qualquer forma, o dano continua, pois houve o constrangimento”, disse.

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