Por Arthur Virmond de Lacerda Neto para a Revista Lado A
Recentemente, uma literatura cada vez mais volumosa, sobre a 
homossexualidade, revelou-lhe a frequência na Europa. Nenhum país, 
nenhuma classe, acham-se isentos dela. Em certos cantões da Albânia, ela
 tornou-se, mesmo, um costume popular; os rapazes de idade acima de 
dezesseis anos tem por favoritos rapazes de doze a dezessete anos.
As averiguações que acabamos de registrar referem-se, sobretudo, às
 práticas homossexuais entre homens, porém há, delas, análogas, entre 
mulheres. Encontram-se, nos aborígenes da América, a par de homens que 
se comportam como mulheres, mulheres que se comportam como homens. 
Assim, em certas tribos brasileiras, há mulheres que se abstém de toda 
ocupação feminina, que imitam, inteiramente, os homens, penteiam-se como
 eles, acompanham-nos à caça, comparecem à caça armados de arcos e de 
flechas e deixar-se-iam matar, para evitar de travar relações sexuais 
com homens.
Cada uma destas mulheres dispõe de uma mulher que a serve e com 
quem ela se diz casada: elas vivem em conjunto, maritalmente. Entre os 
esquimós do Leste, algumas mulheres recusam-se a aceitar um marido e 
preferem adotar maneiras masculinas, perseguir os gamos nas montanhas, 
exercerem, elas próprias, de caçadoras com trapola e pescadoras. As 
práticas homossexuais entre as mulheres são, parece, coisa corrente 
entre os hotentotes e os hereros. Em Zanzibar, há mulheres que, na sua 
intimidade, vestem-se de homens, mostram preferência por ocupações 
masculinas e procuram satisfação sexual junto de mulheres que apresentam
 os mesmos pendores ou, na falta destes, junto de mulheres normais que 
seduzem por meio de presentes ou por outras formas. Nos haréns do Egito,
 cada mulher tem, parece, uma “amiga”. Em Bali, a homossexualidade é 
quase tão difundida entre as mulheres quanto entre os homens, porém é 
mais secreta; os mesmo se passa, ao que parece, nas Indias. A 
antiguidade grega transitiu-nos o eco dos amores lésbicos. 
Porque mais frequentemente observou-se a homossexualidade entre 
homens, do que entre mulheres, não se deve concluir que estas a ela se 
dediquem menos do que eles. Há vários motivos porque as anomalias 
sexuais femininas atraiam menos a atenção do que as masculinas e a 
opinião moral, geralmente, pouco se ocupou delas.
As práticas homossexuais resultam, às vezes, de uma preferência 
instintiva; às vezes, de condições exteriores desfavoráveis às relações 
normais. Uma sua causa frequente é a inversão sexual congênita, ou seja,
 “o instinto sexual dirigido, por anomalia constitucional inata, às 
pessoas do mesmo sexo”. Parece provável que os homens afeminados e as 
mulheres masculinizadas de que tratei acima, são, em muitos casos, ao 
menos, invertidos sexuais; contudo, tratando-se dos chamans, a mudança 
de sexo pode, também, provir da crença em que os chamans, transformados,
 detém, como as suas confreiras mulheres, um poder particular. Holder 
afirma a existência da inversão congênita, nas tribos norte-ocidentais 
dos Estados Unidos da América, o dr. Bauman, nos povos do Zanzibar. No 
Marrocos, também, creio ser ela assaz frequente. Contudo, em relação aos
 povos estranhos à Europa, não podemos muito senão apoiarnos em simples 
conjecturas; não conhecemos muito a inversão congênita senão pelas 
confissões espontâneas dos invertidos. As maior parte dos viajantes 
ignora totalmente o lado psicológico da questão; mesmo para um 
especialista, deve ser, amiúde, mais ou menos impossível determinar, 
perante um caso de inversão, se ela é congênita ou adquirida. A dizer 
verdade, a inversão adquirida supõe, ela própria, uma disposição inata 
que, em certas circunstâncias, resulta, por desenvolvimento, na inversão
 verdadeira. Demais, entre a inversão e a sexualidade "normal", parece 
que se encontram todas as espécies de graus. Guilherme James pensa que a
 inversão é “uma variedade do apetite sexual, de que, muito 
provavelmente, a maior parte dos homens possui a possibilidade germinal”
 . É assim, seguramente, no início da puberdade.  (Continuará).
1 James, Princípios de psicologia, II, p. 439. (Nota de Westermarck).
 2 Dessoir chegou mesmo à conclusão (em Sobre a psicologia da vida 
sexual) de que “um sentimento sexual não diferenciado é normal, em 
média, nos primeiros anos da puberdade”. Porém trata-se, manifestamente 
de um exagero (conforme Havelock Ellis). (Nota de Westermarck).

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