Visto no G1
Por Ana Carolina Moreno
Pela 1ª vez candidato poderá usar nome pelo qual se identifica.Transexuais
também podem optar por usar o banheiro feminino.
A edição de 2014 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) terá 95
candidatos e candidatas transexuais com autorização do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para usarem seu nome social
durante a prova. Segundo a assessoria de imprensa do Inep, as 95 solicitações feitas
foram atendidas. Para poderem garantir o direito, os candidatos e candidatas
precisaram ligar para um telefone de atendimento e solicitar um formulário específico
(veja acima). Entre as opções estavam a designação em sala de aula conforme a
ordem alfabética do nome social, o tratamento dado pelos fiscais e se vão querer
usar o banheiro masculino ou feminino.
A medida, inédita em 15 anos de Enem, foi comemorada pelo movimento LGBT e por
pessoas 'trans' que já fizeram e farão novamente o exame neste anos. Segundo elas,
um ambiente que aceita o nome social das pessoas transexuais faz com que a
autoestima delas aumente. "O movimento como um todo tem batido muito na tecla
das pessoas 'trans' começarem a entrar na universidade, e o Enem permitir o nome
social é uma forma de chamar essas pessoas, de dizer que elas devem pertencer a esse
lugar também", disse ao G1 a estudante transexual Maria Clara Araújo, que quer usar a
nota do Enem para conseguir uma vaga em serviço social na Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE).
Mas, segundo a transexual paranaense Rafaelly Wiest, presidente do Transgrupo
Marcela Prado, a medida do governo federal ainda é paliativa, porque deixa brechas
para a discriminação. "A pessoa ainda pode me chamar pelo nome de registro e dizer que
é o nome que está escrito no documento", disse ela o G1, explicando que os e as
transexuais no Brasil ainda esperam pela tramitação de um projeto de lei que vai
facilitar o processo de retificação do nome civil.
A transexual Rafaelly Wiest, de 31 anos, fará o Enem pela 3ª vez para
tentar uma bolsa do Prouni (Foto: Arquivo pessoal/Rafaelly Wiest)
Rafaelly tem 31 anos, mora em Curitiba e faz parte do grupo de pessoas que usarão o
nome social nas provas em novembro. É a terceira vez que a candidata a uma vaga
em ciência política ou psicologia fará o exame do Ministério da Educação, mas pela
primeira vez ela deve ser tratada pelo nome que escolheu ter, e não o de batismo.
O grupo em que Rafaelly se encontra representa uma pequena fração do total de
8.721.946 pessoas inscritas para a edição de 2014 do Enem. As provas acontecem nos
dias 8 e 9 de novembro.
A mudança na política do exame aconteceu depois que diversos candidatos e
candidatas 'trans' reclamarem de episódios de constrangimento por não se parecerem
mais com a foto no documento de identidade.
"No ano passado fui como eu sou mesma, a Rafaelly", diz ela, explicando que não se
parece com a foto do seu documento de identidade. "Mas aqui no Paraná houve
separação de sexo [quando as salas de prova são distribuídas em ordem alfabética e
acabam tendo apenas mulheres ou apenas homens]. Imagina uma mulher entrar numa
sala com 39 homens? Foi muito ruim, afetou meu desempenho. E foi ruim para várias
outras meninas", disse ela.
Maria Clara Araújo também vai usar o nome social neste Enem
(Foto: Arquivo pessoal/Maria Clara Araújo)
'Desisti da escola'
Estudante de escola pública, Rafaelly acabou abandonando o colégio no ensino médio,
em Curitiba, por causa da violência psicológica que sofreu por ser transexual.
"Quando eu estava na idade certa e estava fazendo o ensino médio regular eu
fui praticamente expulsa da escola por ser transexual. Naquela época não falavam em
nome social, não tinha essas coisas, era preconceito puro. Estudei em escola pública a
vida inteira, sofri muita violência psicológica e não aguentei, desisti da escola."
No formulário de solicitação, o candidato transexual pode optar se
vai usar o banheiro masculino ou feminino (Foto: Reprodução/Inep)
Depois de oito anos longe, Rafaelly acabou concluindo o ensino médio pelo Ensino de
Jovens e Adultos [EJA] em 2006, onde diz ter se sentido mais confortável para retomar
os estudos. Na época, ela atuava como confeiteira, e por isso fez um curso técnico
em alimentação no ano seguinte. Sua carreira teve uma reviravolta, porém, depois que
ela se envolveu com o ativismo pelos direitos LGBTT. Rafaelly decidiu fazer um
curso superior. "Minha primeira opção é ciência política, a segunda é psicologia",
disse Rafaelly, hoje ex-presidente do Grupo Dignidade e presidente do Transgrupo
Marcela Prado, duas ONGs que trabalham com a comunidade trans no Paraná e no Brasil.
Na edição de 2012 do Enem, Rafaelly ficou na lista de espera do Programa Universidade
para Todos (Prouni). Em 2013, ela acabou sendo contemplada com uma bolsa de estudos
do programa. "Passei em primeira chamada no curso, mas o curso que escolhi não
fechou turma, então vou tentar agora de novo", afirmou.
Procedimento complicado
Rafaelly e outros candidatos e candidatas transexuais afirmam que a aceitação do
nome social no Enem é um avanço por parte do Inep e do Ministério da Educação –em
várias redes de ensino básico e superior, as pessoas transexuais já usam o nome social
em crachás e listas de presença, por exemplo. Mas as regras para solicitação desse
direito ainda não estão adequadas, dizem eles.
No site de inscrição do Enem, um dos itens das dúvidas frequentes dizia que "o
participante travesti ou transexual que desejar ser identificado por nome social nos
dias e locais de realização do exame deve fazer essa solicitação pelo telefone
0800-616161, até o final do período de inscrição". O edital do Enem 2014, no entanto,
não fez nenhuma referência ao uso do nome social.
"Primeiro soliticei por telefone, e quase não funcionou", diz Rafaelly. Segundo ela,
a atendente do telefone indicado disse desconhecer a regra e apenas anotou seu e-mail.
"Ela não sabia do que se tratava, depois enviaram um e-mail com outro
formulário", explicou.
Novamente no Enem
Beatriz Trindade passou por constrangimento no Enem de 2013
e vai usar o nome social este ano (Foto: Alex Araújo/G1)
Veja direto no G1
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