Por Michella Guijt para A Tribuna
Dica de Augusto Martins
Não bastasse o histórico marcado pela
morte dos pais, abandono e até por maus-tratos, o futuro de uma criança que
entra na lista de adoção depende de fatores imutáveis, como a cor da pele e sua
idade.
Grande parte dos pretendentes a pais substitutivos procura
crianças brancas: dos 28 mil casais incluídos no Cadastro Nacional de Adoção,
35,2% aceitam apenas bebês brancos, enquanto 52,95% das 5.125 crianças
brasileiras disponíveis para adoção são negras.
Quanto maior a idade, menor será a chance de ser
escolhido: 58,7% dos candidatos buscam crianças com até 3 anos de idade.
Entretanto, nas instituições de acolhimento, mais de 75% dos abrigados têm entre
10 e 17 anos, faixa etária que apenas 1,31% dos pretendentes está disposto a
aceitar.
Outros fatores inerentes são entraves para que uma criança ou
adolescente seja adotado, entre eles a presença de algum tipo de deficiência ou
doença grave, condição que atinge 22% dos incluídos no Cadastro Nacional de
Adoção.
Santos
A mesma discrepância entre o
perfil das crianças disponíveis para adoção e as expectativas das famílias
cadastradas é latente na Cidade. E mais: o número de pretendentes a pais também
supera o total de candidatos a filhos.
Segundo a Seção Técnica da Vara
da Infância e Juventude do Município, 31 crianças e adolescentes estão aptos
para adoção, sendo que 63 casais aguardam na fila.
Mais uma vez, os
entraves são a idade e a raça. Das 31 crianças da lista, 5 têm de 8 a 12 anos.
As 26 restantes têm entre 12 e 18 anos de idade.
“As meninas brancas, de
0 a 3 anos, ficam na fila no máximo 6 meses. Quando este perfil demora a
aparecer, os meninos pequenos têm chance de ser escolhidos”, diz a chefe da
Seção Técnica, Sandra Menezes.
Ela acrescenta outra cruel explicação para
a faixa etária das crianças na fila que, na maioria dos casos, nunca acaba. “A
maior parte das crianças com mais de 8 anos foi envelhecendo ao longo da espera.
Entraram no cadastro com 4 ou 5 anos de idade".
Outro fator observado é a
origem dos pequenos. “Se os pais biológicos são usuários de drogas, isso também
acaba dificultando a adoção. O problema é que esta é a realidade de muitos que
esperam por um novo lar”, destaca a presidente da Casa Vó Benedita, Elizabeth
Rovai de Franca.
Localizada na Zona Noroeste de Santos, a entidade
abriga crianças vítimas de maus-tratos que estejam em situação de risco ou
estado de abandono.
Outras três entidades beneficentes abrigam crianças
aptas para adoção no Município: Educandário Anália Franco, Lar Santo Expedito e
Lar Espírita Mensageiros da Luz.
Sonho
A
presidente da Casa Vó Benedita explica o porquê de tantas crianças irem para a
fila de preteridos. “O ato da adoção está ligado ao desejo da maternidade. E
sonho a gente não muda. É muito difícil para uma mulher que nunca foi mãe abrir
mão da experiência de ter um bebê em seus braços”, diz Elizabeth.
Ajudar
a mudar, nem que seja um pouquinho, o sonho acalentado pela maioria dos
candidatos a pais é a missão do Grupo de Apoio à Adoção (GAA) de Santos.
Toda primeira quinta-feira de cada mês, o GAA reúne casais interessados
em adotar uma criança e também os pares que já vivenciaram essa situação. “O
foco é a troca de experiências, mas também tentamos sensibilizar os casais a
mudar o perfil (da criança) pretendido”, frisa Elizabeth, que integra o
grupo.
As reuniões acontecem no Educandário Anália Franco, na Avenida Ana
Costa, 227, na Vila Mathias. Em julho, não haverá o encontro, devido ao período
de férias. Os interessados podem obter mais informações pelo telefone 3299-5415.
Uma história triste com final feliz
Nem sempre o destino
de irmãos aptos para adoção termina em separação. Bruno, de 9 anos, e Andrey, de
12 anos, foram adotados pelo casal Marcos Luiz de Almeida e Sara Maria Bispo
Pinho.
A trajetória até a adoção dos dois meninos, filhos de usuários de
drogas, que nasceram em um cortiço e viviam perambulando pelas ruas do Centro,
foi contada na edição de 26 de fevereiro de A Tribuna.
“Não tivemos
coragem de separá-los. É claro que criar os dois não é fácil. Mas ver o
desenvolvimento dos dois enche o meu coração de felicidade”, conta Sara, de 23
anos.
Ela, que ainda não passou pela experiência da gravidez, explica o
ato de amor. “Não adotamos bebês, como a maioria dos casais faz. Sempre digo que
fomos escolhidos pelo Bruno e o Andrey. Quem quer adotar precisa entender que
não é a gente que escolhe a criança. Nós somos os
escolhidos”.
Irmãos
Apesar do final feliz, a vida
de Bruno e Andrey não está completa. Suas duas irmãs – uma de 9 anos e a outra
de 5 anos – voltaram para a Casa Vó Benedita, que também abriga o irmão caçula
das 4 crianças (um bebê de apenas 1 mês).
Na segunda-feira, uma tia-avó
das meninas abriu mão da guarda provisória. “As duas estão bem, assim como o
bebê. Agora a Justiça vai definir se a guarda (provisória) dos três vai para
outro familiar ou se eles vão para adoção”, explica a presidente da entidade,
Elizabeth.
ECA
O artigo nº 18 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) define que irmãos devem ser colocados em grupo
para adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta.
“O ECA
determina a não separação de irmãos. Por isso, durante um processo de adoção,
esgotamos todas as possibilidades de formar arranjos, primeiro, com familiares.
Se isto não for possível, procuramos casais que concordem em adorar grupos de
irmãos”, afirma o juiz da Vara da Infância e Juventude de Santos, Evandro Renato
Pereira.
Esperança
Os pais adotivos de Bruno e
Andrey até pensaram em adotar as duas irmãs, mas não foi possível.
“Infelizmente, não temos condições de ficar com os quatro e com o bebê também”,
argumenta Sara.
A mãe dos meninos tem esperança de que os laços de amor
entre os irmãos não seja quebrado. “Sempre trazíamos as meninas para visitar os
irmãos. Temos a esperança de que o casal que fique com os irmãos dos meus filhos
faça o mesmo”.
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