Publicado pela Revista Época
Por IVAN MARTINS
Não é preciso ser moderno para perceber que a nossa vida comporta amores
simultâneos. Podem ser paixões dilacerantes e sombrias, como nos
filmes, ou pode ser algo mais suave – um sentimento de atração que,
mesmo não consumado, faz da vida um lugar melhor para os envolvidos.
Todos conhecem esse tipo de sentimento.
Há gente que nós temos vontade de ver todos os dias, cuja presença nos
deixa naturalmente mais alegres. Temos prazer enorme em abraçar gente
assim e a conversa com elas é mais íntima, mais fácil, mais
interessante. Uma alma destituída de malícia diria que isso é amizade,
mas eu tenho certeza que se trata de uma forma de erotismo – sem posse,
sem dor, sem pressa, mas é desejo que resiste ao tempo. Essa não é uma
forma de definir o amor?
A principal qualidade dessa sensação é ser plural.
Não nos sentimos enamorados de todo mundo, mas tampouco temos esse tipo
de apego por uma única pessoa. São várias. Pode ser a ex-namorada do
colégio, a amiga da faculdade, a prima. Pode ser a garota da livraria ou
a moça do bandejão que virou sua amiga. A lista não será grande, mas é
uma pena, porque se trata de um sentimento bom. Não é gostoso ficar
feliz quando toca o telefone?
Você não sai transando com essas pessoas, embora pudesse fazê-lo. Você
não sofre por essas pessoas, embora possa ter acontecido. Essa relação
navega entre o encantamento e a amizade, tem um pouco das duas, e fica a
centímetros de se tornar inteiramente uma delas. Movemo-nos entre
sutilezas.
O que você faz com alguém que ama difusamente é ter momentos de troca e
carinho, que carregam uma ponta secreta de expectativa. Se um dia você
bebe demais e diz sinceridades comovidas, ela pode rir, beijar você ou
ficar brava e mandar que se comporte – mas tudo seguirá como antes.
Nessa relação há espaço para ser você mesmo.
Os amores difusos fazem parte da esfera de sentimentos que começa na
pessoa que você escolheu e vai se expandindo num círculo para incluir
outras pessoas de quem você precisa. Família, amigos, amores. Nenhum
casal é uma ilha. Ao redor do compromisso que mantém duas pessoas
ligadas há uma vasta teia de ligações, com diferentes graus de
densidade, que vinculam o casal ao mundo. Os amores difusos são uma
parte especialmente delicada dessa teia.
Isso nada tem a ver com relações abertas, porém.
Admitir a existência de carinho e desejo fora da sua relação amorosa é
apenas uma manifestação de sanidade. Tentar viver todas essas sensações é
uma besteira. Criar arranjos matrimoniais que acomodem esses múltiplos
sentimentos é ainda mais fútil. A melhor solução para quem deseja correr
atrás de todos os seus desejos não é um namoro ou um casamento aberto. É
estar sozinho. Assim se conquista total liberdade, sem culpas ou
constrangimentos.
Ando convencido que a nossa vida afetiva tem uma espécie de centro e que
nele só cabe uma pessoa de cada vez. As nossas grandes aventura
emocionais, a nossa verdadeira história íntima, são escritas ao redor
dessa exclusividade. Pode ser uma paixão que não deu certo ou um
casamento fabuloso de 20 anos, mas continua sendo uma narrativa entre
duas pessoas. O resto é tumulto.
Os amores difusos pertencem a outra esfera, e por isso não colidem.
Eles são menos viscerais, mais leves, nos lembram que podemos
experimentar diferentes alegrias na mesma existência. Sugerem que o
grande amor romântico – esse que nos devora vivos, ou nos envolve suave
como um lençol de linho – é apenas uma das experiências do afeto. Há
outras, essenciais. Elas preenchem a existência com outra espécie de
luz, igualmente necessária para mostrar nosso caminho.
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