Publicado pelo Estadão
Agora é lei: o projeto que institui no Estado do Rio o nebuloso
"Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais"
foi sancionado na quinta-feira, 17, pelo governador Sérgio Cabral
(PMDB). A responsável pela iniciativa é a deputada Myrian Rios (PSD),
atriz e missionária católica do movimento de renovação carismática.
Nesta sexta-feira, a chamada "lei dos bons costumes" foi um dos assuntos
mais comentados - e criticados - no Twitter entre usuários brasileiros.
A finalidade do programa não está clara. Na justificativa do projeto
apresentada à assembleia e divulgada nesta sexta pela deputada em redes
sociais, ela afirma que a sociedade "vem cada dia mais se desvencilhando
dos valores morais, sociais, éticos e espirituais", acrescentando que,
sem eles, "tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo
e errado". "Perde-se o critério do que se pode e deve fazer ou o que
não se pode. Estamos vivendo em um mundo onde o egoísmo e a ganância são
predominantes", diz Myrian.
O texto da lei estabelece que o programa deverá envolver "diretamente a
comunidade escolar, a família, lideranças comunitárias, empresas
públicas e privadas, meios de comunicação, autoridades locais e
estaduais, organizações não governamentais e comunidades religiosas" na
chamada revisão dos valores.
Após uma chuva de críticas, a deputada escreveu no Twitter que "em
momento algum se faz discriminação contra qualquer religião ou
sexualidade". Um dos críticos escreveu para ela que "a discriminação é
clara, evidente, preconceituosa e ilegal; em especial contra gays e
ateus".
Eleita em 2010, Myrian já declarou no plenário da assembleia: "Ora, se
somos todos iguais, com os mesmos direitos, eu também tenho que ter o
direito de não querer um funcionário homossexual, se for da minha
vontade." No mesmo discurso, ela insinuou que a luta contra a homofobia
estimularia a pedofilia, depois disse que foi mal interpretada e pediu
desculpas.
Em entrevista nesta sexta, a deputada disse que o projeto trata do
"resgate de valores da vida". Perguntada sobre como a questão do aborto
seria abordada no programa, ela declarou: "Sou completamente contra.
Isso é um valor moral." Segundo Myrian, a definição das prioridades será
uma atribuição do governo estadual. "A sugestão que estamos dando é que
se crie grupos de voluntários para fazer campanhas dentro das escolas,
com palestras." Estão previstos convênios com prefeituras e ONGs.
Indicada como órgão gestor, a Secretaria de Assistência Social e
Direitos Humanos foi procurada pela reportagem, mas divulgou apenas uma
nota, informando que a lei "ainda precisa de um decreto regulamentando-a
e indicando os critérios de execução". "Ao publicá-la, o governador
entende que se trata de um programa importante, mas não é uma lei auto
aplicável", acrescentou. O secretário Zaqueu Teixeira (PT) não quis dar
entrevista.
Segundo Myrian, que posou nua para revistas masculinas na década de
1970, quando foi casada com o cantor Roberto Carlos, o objetivo
principal é "conscientizar e reinserir valores para construir um futuro
melhor". "Ao longo da vida a gente vai amadurecendo e aprendendo. Estou
disposta a ajudar." Professora da Faculdade de Educação da UFRJ, Tania
Zagury avalia que seria muito mais válido o governo investir na
qualificação do magistério. "Cidadania e valores éticos não surgem por
meio de decretos ou leis", diz. "É quase uma volta da moral e cívica,
com o risco de se misturar questões religiosas. O Estado deve ser laico,
não pode interferir nisso."
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