sábado, 19 de janeiro de 2013

Artigo: Por que a obsessão com o que gays fazem entre quatro paredes?



Publicado pela Folha
Por Nick Kohen, do "Observer"
Tradução: Rodrigo Leite

As discussões sobre a emancipação homossexual nos ensinam, na pior das hipóteses, que o pênis ocupa um lugar elevado no imaginário conservador. Como a torre negra de Mordor, ele paira sobre todo o resto: preenche a mente e tapa a luz. Quem tenta fingir o contrário sempre tropeça nos próprios pés chatos.
 
Não é verdade que a gente "só pense em sexo", protestou a jornalista católica Melanie McDonagh na revista "Spectator". Sem corar, ela então se pôs a demonstrar que conseguia pensar em poucas outras coisas. A sociedade deveria tolerar homens e mulheres cuja atração por seu próprio sexo não seja expressa em relações sexuais, explicou ela, ao iniciar sua discussão sobre os perus dos vigários. Então, se um vigário usa o seu pênis para fazer sexo "sem um propósito procriador", ele deve ser colocado para fora da Igreja Católica.
 
 
O marechal britânico Bernard Montgomery tinha "relações
apaixonadas, mas não consumadas, com rapazes"
 
A obsessão pública de McDonagh com aquilo que as pessoas educadas antigamente chamavam de "partes íntimas" não seria tão importante se não fosse partilhada por todas as religiões e por muitos na imprensa conservadora e no partido Tory [conservador].
 
A Igreja Anglicana é bem mais liberal que o judaísmo ortodoxo, o catolicismo e todas as versões do islamismo. Mesmo assim, ela crê numa versão modificada do credo de McDonagh. Um vigário pode estabelecer uma união civil, admitiu a Igreja Anglicana neste mês. Mas, se desejar que seus superiores o elevem a bispo, ele deve submeter sua vida sexual a um interrogatório. Só será promovido se puder declarar que se abstém do sexo.
 
Essas são perguntas que constrangem mais o interrogador do que o interrogado. Imagine se você fosse atrás de um emprego e o entrevistador dissesse que você é ideal para o cargo, mas que, para poderem contratá-lo, você precisaria dizer com quem fez sexo e quando foi a última vez que o ato sujo ocorreu. Por que alguém que não seja um voyeur iria perguntar uma coisa dessas?
 
Aliás, diante da comoção com o casamento gay, quem gostaria insistir que os gays e lésbicas devem ser os únicos grupos que não podem gozar de plenos direitos civis?
 
A resposta sedutora, que tem atraído autores homo e heterossexuais, foi resumida na explicação que uma paciente do psicanalista Stephen Grosz deu para a desaprovação do seu pai ao relacionamento dela: "Quanto maior a fachada, maior a traseira".
 
Ela havia descoberto que seu pai secretamente mantinha o mesmo tipo de relacionamento que ele havia condenado no caso dela por ser mantido abertamente. Ele estava escondendo sua culpa atrás da sua raiva.
 
Muitos homofóbicos que escancaram seu desgosto com as "práticas antinaturais" imitam aquele senhor. Em 1965, o primeiro visconde Montgomery de Alamein tentou impedir a revogação das sanções penais aos homossexuais, bradando que, ao permitir o sexo gay, "poder-se-ia igualmente tolerar o diabo e todas as suas obras". Como era de se esperar, Nigel Hamilton, seu biógrafo, revelou que o marechal Monty, que comandou as tropas britânicas durante a Segunda Guerra, tinha relações apaixonadas, mas não consumadas, com rapazes.
 
Nos EUA, o caminho que vai do púlpito à sauna gay já foi tão pisado por pregadores evangélicos que surpreende ainda haver uma folha de grama sobre ele. Diante de mais um escândalo, um cansado Christopher Hitchens escreveu: "Sempre que escuto algum falastrão de Washington ou do coração cristão do país martelando os males da sodomia, mentalmente anoto seu nome no meu caderno e satisfeito acerto meu relógio. Mais cedo do que tarde, ele será descoberto sobre seus cansados e desgastados joelhos em alguma latrina ou motel vagabundo".
 
VOCÊ QUE É
 
Sei que é perigoso generalizar num tema tão vasto e complicado quanto a sexualidade humana, mas aprendi, na minha vida admitidamente protegida, que os homens que são, como eles dizem, "seguros" da sua heterossexualidade têm pouco interesse naquilo que seus amigos homossexuais fazem na cama, e que nossa indiferença é recíproca.
 
Sempre que ouvimos conservadores anunciarem que a igualdade para os gays "abala o casamento", pensamos: nossos casamentos podem resistir a isso, o que há de tão errado com o de vocês?
 
Como no caso dos antissemitas, com suas fantasias sobre um poder secreto dos judeus, há uma ponta de inveja na voz de muitos dos que condenam os direitos dos gays. O "Journal of Personality and Social Psychology" confirmou essas suspeitas ao publicar pesquisas com estudantes que se diziam heterossexuais.
 
Os pesquisadores mensuraram a distância entre o que os estudantes diziam e como eles reagiam a imagens de casais gays e pornografia gay. Os que se ficavam mais atraídos tinham mais propensão a demonstrar intenso medo dos homossexuais.
 
Mas "vão se catar, vocês são gays" não é uma resposta adequada ao preconceito, por mais verdade que isso possa ser em casos individuais. Isso é cair na falácia de todas as discussões: "tu coque" ["você que é"]. Se um orador diz que "homicídio é errado", e um espectador diz "mas você é um homicida", ele provou que o orador é um hipócrita, mas não que o homicídio é correto.
 
Da mesma forma, mostrar que muitos conservadores nutrem desejos por aqueles a quem condenam não elimina o estigma da homossexualidade. Nem altera as opiniões dos homofóbicos que não são enrustidos.
 
Michael McManus descreve uma cena de arrepiar em "Tory Pride and Prejudice" ["orgulho e preconceito tory"], seu estudo histórico da longa luta dos conservadores liberais para mudar a mentalidade do seu partido. Jerry Hayes, um exuberante parlamentar do "baixo clero" conservador, chega a um bar na Câmara dos Comuns, em 1986. O Departamento de Saúde havia decidido que a única forma de lidar com a nova ameaça da Aids seria falar ao público da forma sexualmente mais explícita. Mas ser franco com o eleitorado também significava que algum infeliz precisaria ser franco com a dona Margaret Thatcher.
 
Ele encontra Willie Whitelaw com aspecto cansando e entornando um whisky sem gelo. "O que há de errado?", pergunta. "Eu precisei explicar a Margaret sobre sexo anal", é a resposta.
 
Ninguém disse que Margaret Thatcher reprimia um lado lésbico. Mas, em seus dias mais sufocantes, o governo dela aprovou uma medida nociva e pouco conhecida, chamada Artigo 28, que foi a última lei contra os homossexuais a ser promulgada por um Parlamento britânico. Também não se pode dizer que todo mundo que acredita nos anátemas cristãos, islâmicos e judaicos está negando seus impulsos homoeróticos. São apenas crentes obedientes às suas autoridades religiosas, e dispostos a tirar proveito da sua autorização para perseguir.
 
Como no caso de Thatcher, seu desinteresse pela homossexualidade não os restringe, o que só serve para mostrar que o ódio flui de muitas fontes. No caso da homofobia, ela pode ser voyeurística, impertinente, hipócrita, ter minhoca na cabeça e ser secretamente invejosa, ou pode ser ignorante, alimentada pela turba e servil à autoridade.
 
No fim das contas, não importa. Ninguém tem o direito de negar tratamento igual a um concidadão por motivo algum. Não tenho dúvidas de que é mais satisfatório para gays e lésbicas dizer "tu quoque", mas "noli me tangere" [não me toque] é a resposta mais conclusiva.

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