Visto no G1
Agente administrativo no Serviço Social de Aprendizagem Comercial
(Senac), Elvis Lincoln Nunes, 36, estava com tudo programado para passar
a Semana Santa em viagem de lua de mel. Mas, como se uniu a um homem, e
não a uma mulher, a empresa não concedeu a ele o benefício da
licença-gala, como a lei chama os três dias de folga a que o trabalhador
formal tem direito nessa ocasião. No Senac, onde ele trabalha, são
sete.
"Perdi a reserva que tinha feito no hotel do Sesc (Serviço Social do
Comércio) em Bertioga (no litoral paulista), com o qual o Senac tem
convênio. Por sorte, consegui desmarcar a tempo. Senão, teria de pagar
os R$ 700 das diárias", diz ele no sobrado onde mora com o companheiro, o
operador de telemarketing Aparecido Cordeiro Brito, 37, no Jabaquara,
bairro da Zona Sul de São Paulo.
Em nota, o Senac diz que "o funcionário não fez nenhuma solicitação
formal à instituição, para a concessão do benefício". De acordo com a
empresa, "a intenção da união foi contada informalmente no ambiente de
trabalho, e um profissional da área de recursos humanos foi consultado
se o benefício se estendia também à relação homoafetiva".
No começo de maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF)
julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4277, que igualava
os direitos concedidos às uniões homo e heteroafetivas.
Apesar de afirmar que o pedido de Elvis à instituição foi informal, o
Senac explica que ainda não teria condições de conceder os benefícios ao
funcionário.
"Desde que o STF reconheceu os direitos e deveres da união homoafetiva
como uma entidade familiar, o Senac iniciou um processo de revisão de
sua política interna de benefícios a seus funcionários e dependentes
para adequá-la às novas exigências legais", diz a nota enviada pela
instituição.
Negativa por e-mail
Elvis conta que desde julho de 2011 solicita formalmente a seus
superiores a licença. Ele mostra os e-mails trocados com a suprevisora
de sua área, a coordenadora e a gerente de pessoal, não só em relação à
licença gala e ao "presente de casamento" (1/3 do salário, ou, no caso
dele, cerca de R$ 685), mas também aos outros benefícios previstos para
os funcionários que oficializam união heteroafetiva, como assistência
médica para cônjuge e dependentes, e programa de educação aberta (cursos
gratuitos). (Ao final desta reportagem, veja a troca de e-mails
mostrada por Elvis.)
Em relação ao pedido para ter direito à licença-gala, a resposta foi:
"Por enquanto ainda não está oficializado!". "O pior era ver as pessoas
que iam casar dando entrada na papelada dos benefícios, e eu, sem
direito a nada”, lembra Elvis.
Nos e-mails, a gerente de pessoal da instituição informou que ele, "por
enquanto, ainda não" tem direito aos benefícios pedidos. Ela diz que só
têm direito a benefícios: esposas, filhos legítimos ou adotados,
crianças que estejam sob guarda temporária ou definitiva do funcionário e
companheira devidamente comprovada.
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Reclamação de homofobia
Sentindo-se discriminado, Elvis recorreu ao Centro de Combate à
Homofobia (CCH), vinculado à Coordenadoria de Assuntos da Diversidade
Sexual (Cads) da Prefeitura de São Paulo. O advogado da coordenadoria,
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, entrou com uma representação para abrir
um processo administrativo pedindo punição por discriminação.
"Uma vez julgada pelo STF, a Adin já está valendo obrigatoriamente no
país inteiro. Não há o que estudar. Nesse caso, a licença gala deve ser
concedida a Elvis, da mesma forma que seria a um funcionário que
comprovasse união estável heteroafetiva", diz o doutor Vecchiatti.
Enquanto esperava pelo julgamento do processo administrativo, que pode
punir o Senac aplicando uma multa, mas não conceder os 7 dias de gala,
Elvis procurou um advogado trabalhista para conseguir a licença.
Na véspera de formalizar a união estável, no dia 2 de abril, o advogado
Haroldo Del Rei Almendro entrou na Justiça com uma reclamação, pedindo
tutela antecipada (que adianta o gozo do benefício). "Nesses casos, nem
se ouve a outra parte (Senac) para julgar o pedido. É só aplicar a lei",
diz Haroldo. "Em menos de 24 horas eles já tinham o direito aos 7 dias
de licença a gala."
Enquanto posa para as fotos ao lado de Aparecido, que obteve na empresa
de saúde em que trabalha o benefício, Elvis só lamenta estar em casa, e
não em Bertioga. "Eles julgaram rápido, mas não o suficiente", diz
Elvis. Almendro diz estar preparado para entrar com ações sobre outros
benefícios disponíveis.
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