Artigo publicado pelo site Brasil 247
Por Jean Wyllys
Mais uma vez, o deputado e pastor Marco Feliciano faz alarde de sua
desonestidade intelectual e injuria os homossexuais, alvos permanentes
de sua doentia obsessão. Num discurso proferido durante congresso de
"Gideões Missionários", Feliciano se referiu à AIDS como "câncer gay" e
responsabilizou os homossexuais pela doença, mostrando o nível de ódio
que o discurso dos fundamentalistas religiosos vem atingindo e o perigo
que eles podem representar para a nossa democracia se os poderes
públicos (executivo, legislativo e judiciário) não tomarem as devidas
providências.
Como um psicótico em surto, com direito a lágrimas em momentos
estratégicos e trilha sonora caótica que evoca urgência e dramaticidade
(preciso dizer que esse discurso teatral para plateia ingênua constitui
em má-fé?), o discurso de Feliciano seria de apavorar qualquer pessoa
que não seja de coragem. Com seu proselitismo hipócrita, ele tem, como
única missão — em seu discurso assim como na Câmara dos Deputados —
atacar as religiões minoritárias e a cidadania de lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Com um discurso
fundamentalista e fascista, que se alimenta (quanta desonestidade!) do
analfabetismo e do desamparo dos corações e mentes de pessoas com menos
acesso a informações, Marco Feliciano ignora a ciência moderna ao se
referir à AIDS, reproduzindo todos os preconceitos e besteiras
anticientíficas já usadas no passado, sem se responsabilizar com o
retrocesso que isso representa e com os estigmas que isso produz.
Falando como "profeta" (quem foi mesmo que lhe deu os poderes da
profecia?), o deputado-pastor contribui também para a possível infecção
de pessoas menos instruídas que ouvem um absurdo como esse e se acham
imunes a uma doença, que já foi cientificamente provada como sendo
possível de atingir todas e todos, independente de sua cor, gênero,
credo, religião, orientação sexual, nível social ou educação. Ao dizer
que é uma doença de homossexuais, ele empurra milhares de pessoas
heterossexuais à falta de cuidados e prevenção, cometendo um grave crime
contra a saúde pública!
Vejam a irresponsabilidade do parlamentar ao suprimir informações, como o
fato de que, desde o surgimento da AIDS na década de 80, o perfil dos
infectados se modificou drasticamente, há muito tempo deixando de ser
uma doença restrita aos LGBTs e passando a atingir cada vez mais jovens,
mulheres e idosos heterossexuais. As mulheres respondem por 48% das
novas infecções e os jovens com idades variando entre 15 e 24 anos, por
42%. Somente entre 2000 e 2010, o percentual de pessoas com mais de 60
anos infectadas, subiu 150%. Estes são dados oficiais divulgados em
levantamento do programa da Organização das Nações Unidas para HIV/Aids
(UNAIDS) em julho deste ano.
A fala de Feliciano se aproveita do desconhecimento de muitas pessoas
sobre esses dados estatísticos. Ele divulga falsidades e mentiras
propositadamente, para cumprir seus perversos objetivos políticos:
estigmatizar e ofender as pessoas homossexuais, escolhidas como "o
inimigo" pela sua prédica de ódio.
Por outro lado, todos nós sabemos que o diagnóstico de soropositividade
para o HIV representa, socialmente, muito mais do que a ameaça de uma
doença crônica — ele afeta drasticamente a identidade da pessoa doente
como consequência do estigma que ainda existe em nossa sociedade. Ter a
doença significa lidar com questões sociais complexas que podem trazer
mais prejuízos que a própria doença. Portanto, um político (e um líder
religioso) deve usar sua fala com responsabilidade, visando ajudar a
vencer os preconceitos e assim melhorar a informação e o conhecimento da
população e, ao mesmo tempo, a qualidade de vida das pessoas que vivem
com HIV. Marco Feliciano faz exatamente o contrário.
Jean Wyllys é deputado federal pelo PSOL/RJ. Seu perfil no Twitter é @jeanwyllys_real
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