Publicado pelo Estadão
Por Luiz Carlos Merten
Rosa Von Praunheim nunca foi mais ativo na Berlinale do que este ano. Da
festa de abertura, após a projeção de Adeus à Rainha, de Benoit
Jacquot, à de encerramento do Teddy Bear, o Urso de Ouro gay, e sempre
vestindo modelitos extravagantes, o lendário experimentador de linguagem
e defensor da diversidade sexual celebrou em alto estilo seus 70 anos e
42 de carreira. São dezenas de filmes a partir de Die Bettwurst, de
1970, ano em que também fez sua obra manifesto, Não É o Homossexual Que É
Perverso, mas a Situação em Que Vive.
Com o título de Imagens Engajadas, Rosa Von Paunheim ganha agora a
homenagem do Centro Cultural Banco do Brasil, que anuncia, até 7 de
outubro, a revisão completa do autor, incluindo seu documentário longo O
Rei dos Comics, que estreou no Panorama da Berlinale, em fevereiro. O
'rei', no caso, é o quadrinista Ralf Konig, que criou as tiras de O
Homem Ideal, transpostas para o cinema em 1994. Konig ousou fazer,
quando isso ainda não era moda, uma investigação sobre os casamentos
gays e a sua série, ganhando o público hétero, virou um fenômeno
mundial. Ao falar sobre ele, e sobre sua luta contra tabus, Von
Praunheim não deixa de falar de si próprio.
Nascido Holger Mischwitzki, em 1942, ele adotou o codinome de Rosa Von
Praunheim em homenagem - ou protesto - contra o emblema do triângulo
cor-de-rosa que os gays eram obrigados a usar sob o nazismo. Por conta
disso tornou-se duplamente incômodo - por remeter constantemente ao
passado da Alemanha e por seu pioneirismo na defesa do movimento social
pelos direitos civis das pessoas de minoria sexual ou LGBT na Europa. No
Dicionário de Cineastas, Rubens Ewald Filho o define como 'John Waters
teutônico'. O rótulo é válido somente em parte. Waters é mais escrachado
- e virou sinônimo de kitsch -; Von Praunheim sempre foi mais
politizado, e com certeza não arrefeceu o ânimo nem deixou de apontar o
dedo acusador com o tempo.
No Brasil, ele se tornou conhecido e adquiriu reputação de cult na
Mostra. Na Alemanha, foi estigmatizado com o rótulo de 'marginal'. Boa
parte, senão toda sua obra foi produzida na TV, mas a rede ZDF com
frequência cancelou de última hora seus filmes por considerá-los
impróprios para a audiência 'straight'. O que o público poderá ver,
agora, em bloco, poderá ser um choque. Os Garotos do Bahnhof Zoo é um
documentário sobre garotos de programa; Memórias de Nova York retoma a
experiência de sobreviver em Nova York e volta sobre os rastros do
próprio Rosa, quando viveu nos EUA e se envolveu com a cena underground;
Gays Mortos, Lésbicas Vivas contrapõe memórias de militantes
homossexuais que morreram nos campos de concentração do
nacional-socialismo à força de mulheres que desfraldam a bandeira do
amor de Safo; Minhas Mães é um documento particularmente complexo.
Embora nascido em Riga, na Letônia, Rosa foi criado na Alemanha. Em
2000, sua mãe, aos 94 anos, lhe revelou que não era filho biológico.
Rosa partiu para Riga, tentando reorganizar no imaginário a existência
de duas mães. Vários outros filmes tratam de aids, violência punk,
sadomasoquismo. A Viagem de Rosa para o Inferno é uma enquete muito
pessoal sobre a 'alma'. Rosa entrevista teólogos e fundamentalistas de
várias religiões para tentar entender os conceitos de 'inferno' e
'além', antecipando os castigos que o esperam por ter vivido sempre fora
das normas. Mas ele não se intimida - essa é sua vida, e ele a vive com
destemor.
MOSTRA ROSA VON PRAUNHEIM
CCBB. Rua Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651.
4ª a dom., a partir das 15 h. R$ 4. Até 7/10.
O Guia da Folha publicou a programação: clique aqui!
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