Visto no PoliticAtiva
Por Ivone Pita
Somos lésbicas. Somos mulheres que vivem sem homens em um mundo machista
e de mentalidade patriarcal.
Somos mulheres que subvertem a ordem do sexo frágil, da dependência e da
subserviência. Somos mulheres que não seguem o “manual de boas práticas
femininas”, que dita modos de vestir, de agir, de falar, de ser e estar
no mundo. Somos revolucionárias na acepção própria da palavra: fazemos
uma transformação radical na estrutura da sociedade.
Estamos onde supostamente mulheres não deveriam estar. É ainda espantoso
para muitos, por exemplo, aceitar que duas mulheres possam viver sem um
homem. Como vão resolver tarefas cotidianas tidas como masculinas? Não
irá lhes faltar força? Jeito? Tino? Há ainda as tentativas de
ridicularizar, diminuir e não reconhecer nossa sexualidade. Há uma
desqualificação fálica de nosso sexo. Para machistas de carteirinha - e
uniforme completo! - lésbicas não trepam de verdade, apenas brincam de
se esfregar. Sim, meninas, como se fosse pouco e somente o que
fizéssemos. Mas a despeito das agressões e desqualificações, seguimos
subvertendo a ordem, desconstruindo certezas e quebrando o que estaria
estratificado.
Entretanto, sem orgulho, nada disso é possível. Sem orgulho, nos
encolhemos, nos escondemos, deixamos a vida passar. Sem orgulho, não nos
fazemos visíveis e sem visibilidade é como se não existíssemos. E,
assim, nenhuma revolução acontece, nenhuma revolução é possível. Por
outro lado, sem visibilidade não promovemos o orgulho. Somente a partir
do momento em que nos tornamos visíveis por sermos nós mesmas, é que
somos plenamente orgulhosas de sermos quem somos. E para isso é preciso
coragem.
Vivemos em uma sociedade que insiste em dizer qual é o lugar da mulher,
como deve ser sua inserção social e como deve se comportar. Sendo
lésbica, melhor nem existir, pois não cabemos nos papéis destinados à
mulher. E é assim que cotidianamente a sociedade nos diz que deveríamos
nos envergonhar de ser quem somos e esconder nosso amor. É assim que a
sociedade insiste em nossa invisibilidade, pois o que não se vê, não
existe, não incomoda, não subverte.
Quando permanecemos invisíveis, contribuímos com a manutenção da
discriminação e da violência, motivos pelos quais muitas mulheres optam
por uma vida de anulação e silêncio. Contribuímos com a lesbofobia, pois
não dizemos ao mundo que estamos em todos os lugares, em todas as
profissões, em todas as famílias, em todos os cargos. Não dizemos que
somos mães, filhas, avós, tias, irmãs, empregadas domésticas, médicas,
advogadas, professoras e toda sorte de representação e inserção social.
Não ajudamos outras mulheres a se revelarem, a se assumirem, a serem
plenas. Assinalando nossa existência, derrotamos o medo do desconhecido,
a discriminação e o ódio alimentado pela perversidade delirante – e
nada inocente - de lésbicas destruidoras de família. Existindo
publicamente, abordamos questões que nos são específicas e combatemos o
sexismo.A invisibilidade é uma grande violência contra nós lésbicas. Na
mídia, por exemplo, o foco são os homossexuais masculinos. A violência
homofóbica é tratada como um fenômeno que atinge somente homens.
Mas nós mulheres, se não estamos nos jornais como vítimas de violência
física especificamente por nossa sexualidade, isso ocorre apenas pela
violência do silenciamento: seja pela invisibilidade auto-imposta, por
medo, seja pela falta de estatística específica. Aliás, não temos dados
específicos de coisa alguma e raros registros de nossa história. E daí a
imensa importância do coletivo. Para enfrentar os desafios que nos são
apresentados e superar tanta opressão, não há como avançar
individualmente, a única forma de alterarmos o ciclo perverso de
invisibilidade e descaso é pela união de nossas vozes, de nossa força. A
única saída possível é nos organizarmos e lutarmos. E isso depende de
cada uma de nós, não de agentes externos. Nós temos direito à
existência, a uma vida completa, à cidadania plena, à visibilidade.
Podemos e devemos ser felizes. Plenamente felizes.A visibilidade lésbica
cotidiana é que derrubará a censura que nos é imposta e o cerceamento
de nossos afetos e desejos, portanto, realize algo grandioso: torne-se
visível, desafie a opressão e o autoritarismo da normatividade, pois é
assim que escreveremos nossa história, uma nova história, e
construiremos uma sociedade mais justa, mais solidária, democrática e
plural.
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