Publicado no G1 
Por Ricardo Araújo 
 Eles estão juntos há mais de uma década, desde que iniciaram um 
relacionamento homoafetivo. Com o passar dos anos tiveram a união 
estável reconhecida e, na quinta-feira passada (23), esta união foi 
convertida pela Justiça do Rio Grande do Norte em casamento, com os 
mesmos direitos dos casais 'convencionais'. 
Os homens, um de 43 anos e outro de 49 anos, finalmente conseguiram 
garantir na Justiça o direito que lutavam para ser reconhecido há um 
ano: o de serem, legalmente, uma família. A decisão dos desembargadores 
da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte foi 
inédita. O pleito do casal foi deferido à unanimidade na 2ª Instância, 
após ter sido negado pela magistrada que analisou o processo 
inicialmente.
Profissionais liberais, respeitados em suas respectivas funções, o casal
 prefere manter a identidade em sigilo no intuito de protegerem o casal 
de filhos adotivos. Para eles, a preocupação que eles tinham em garantir
 todos os direitos que os filhos de casais heterossexuais tem quando da 
morte dos pais ou até mesmo acesso a um plano de saúde como dependentes,
 por exemplo, foi o que manteve viva a esperança no reconhecimento do 
casamento. 
 "Eu me sinto muito gratificado com a decisão da Justiça. Demorou um 
ano. A expectatia, a ansiedade eram intensas. Houve um desgaste 
emocional muito grande", comentou um dos homens. A alegria da conquista,
 entretanto, superou os momentos de incerteza vividos pelo casal ao 
longo do processo. "Hoje estamos protegidos pela Constituição. Somos 
oficialmente uma família", ressaltou o companheiro. O custo do processo,
 porém, foi alto. O casal preferiu, entretanto, não detalhar quanto 
desembolsou no decurso processual. 
 Para a advogada que acompanha o casal desde o processo de adoção do 
primeiro filho, a decisão da Justiça Potiguar será um divisor de águas 
no que tange aos assuntos relacionados ao tema. "É um julgado muito 
significativo. Servirá de referência para outros processos. A Justiça já
 vem analisando esses casos com mais atenção", destacou Cristine Borges 
da Costa Araújo. Para ela, a decisão do colegiado é uma vitória da 
cidadania e da dignidade da pessoa humana. .
Na decisão, a desembargadora Sulamita Bezerra Pacheco, relatora do 
processo, afirmou que "pensar de modo diferente é o mesmo que fomentar 
insegurança jurídica a estas situações, afrontar a dignidade da pessoa 
humana, discriminar preconceituosamente o optante pelo mesmo sexo, 
vilipendiar (desrespeitar) os princípios da isonomia e da liberdade, e 
retirar da família constituída pelo casal homoafetivo a proteção Estatal
 arraigada na Carta Magna, reduzindo-a a uma subcategoria de cidadão e 
conduzindo-a ao vale do ostracismo", argumentou a magistrada. 
O casal acredita que, em poucos anos, o fato inédito da Justiça Potiguar
 será um feito comum. "Esperamos que este casamento seja uma coisa 
normal, que não choque mais", afirmaram. Questionados sobre o que 
sentiram quando o Colegiado proferiu a decisão favorável, um deles disse
 que num primeiro momento comemorou a vitória jurídica. "Em seguida, 
caiu a ficha que era, a partir daquele momento, um homem casado e agora 
tenho uma família reconhecida e protegida pela Constituição", relatou um
 deles. 
 A juíza relatora Sulamita Bezerra Pacheco concluiu seu relatório 
citando uma célebre frase do escritor Machado de Assis, escrita no 
romance "Ressurreição". "Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco 
importa; o essencial é que saiba amar"", transcreveu a magistrada. Ela 
disse, ainda, no mesmo documento, que "a opção sexual do ser humano 
voltada à formação da família, não deve ser motivo de críticas 
destrutivas, mas sim de integral proteção Estatal". 
O processo de adoção 
Os homens que adquiriram o direito de ser reconhecidos legalmente como 
um casal, são pais de duas crianças. A primeira, foi adotada quando 
tinha quatro anos de idade. No processo de adoção, somente um dos pais 
poderia ter o nome no registro de nascimento. Numa outra decisão inédita
 no Rio Grande do Norte, a Justiça determinou que o nome do outro 
companheiro fosse incluso no registro de nascimento da criança. 
 "O processo de adoção foi mais tranquilo do que o do reconhecimento do 
casamento. Os juízes, inclusive, quando nós conseguimos incluir o nome 
do segundo pai no registro, sugeriram que outra criança fosse adotada e 
que ela teria, automaticamente, os nomes dos pais no registro", explicou
 a advogada Cristine Borges. 
Para incluir o nome do outro pai no registro da primeira criança 
adotada, o casal deu entrada na Justiça num pedido de perfiliação. 
"Naquela época, não poderíamos adotar com os nomes dos dois pais", 
relembrou um dos pais. Com a adoção da segunda criança, o processo foi 
mais simples. Visto que, os nomes dos dois pais foram inclusos ao mesmo 
tempo no registro de nascimento da criança. 
Questionados sobre os tabus relacionados à criação dos filhos sem a 
presença da figura materna, os homens afirmaram que as crianças crescem 
conscientes da realidade e que não enfrentam problemas. "Pode acontecer 
quando elas entrarem na fase da adolescência. Somos respeitados, 
participamos das atividades escolares e a festa de uma das crianças teve
 participação em massa dos amiguinhos", destacou um dos pais. 
 O outro afirmou que a "nossa família é uma família convencional. Damos 
aos nossos filhos muito carinho, amor, afeto e, acima de tudo, 
respeito". Em relação ao preconceito, eles afirmam que ainda existe, mas
 numa escala bem menor quando comparada à outras épocas. "Nossas 
famílias e amigos nos aceitam e respeitam. Os que não aceitam, se 
calam", ressaltou o homem mais jovem.

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