Dica de Augusto Martins
Por Carlos Brickmann
O tema da eleição anterior (aquele anúncio nojento, segundo o qual não
se sabia se o prefeito paulistano Gilberto Kassab, então candidato, era
casado, tinha filhos etc.) está de volta. E, desta vez, mais explícito:
na eleição anterior, insinuava-se que alguma coisa estava equivocada na
sexualidade do prefeito, como se alguém tivesse algo a ver com isso.
Agora, usando a internet – o blog Blogay, abrigado no maior portal do
país, o poderoso UOL – a baixaria é mais direta. Já no título, surge a
pergunta: “Gilberto Kassab é gay?”
De onde surgiu o título? Segundo o autor do texto, “várias pessoas, vira
e mexe”, fazem a pergunta. E têm, sempre segundo o autor, mais
curiosidade sobre a orientação sexual do prefeito do que de atores de
novela ou estrelas de Hollywood. Na verdade, o objetivo do texto é
outro, e aparece logo depois: é dizer que a orientação sexual de Kassab
não importa, mas que ele é autoritário.
Truque baixo: se a orientação sexual não importa ao autor, por que está
no título? Porque o objetivo, além de chamar a atenção do público, é
explicar os defeitos que vê em Kassab pela orientação sexual que lhe
atribui. “Alguma coisa deve ter de errado, alguém que só sabe dizer não.
‘Pode ser gay ultra reprimido’, devem pensar muitos que me perguntam
sobre sua orientação sexual. Mas este não é o caso nem a explicação
muito menos a desculpa, o que existe de verdade e fato é um governo
municipal repressor.”
Vale a insinuação, portanto, para atacar o governo municipal, sem ter de
falar em política ou administração. A crítica política é livre, mas tem
volta; as críticas administrativas podem ser rebatidas; as críticas
sobre posturas municipais são frequentemente injustas e a população o
percebe. Mas como as insinuações sobre orientação sexual muitas vezes
são ignoradas, para que não ganhem corpo, servem para proteger de
contestação e resposta as afirmações eleitorais do texto. Falta coragem
para afirmar que o alvo é gay, é lésbica, é bissexual, é seja lá o que
for. Troca-se isso pela insinuação covarde, cobrindo uma iniciativa
eleitoral, partidária, com o manto da fofoca. Pior: com a fofoca que se
repete a cada quatro anos, periodicamente, sempre na época das eleições.
É inominável: busca-se o que há de pior na natureza humana, a
intolerância, para tentar ganhar alguns votos. O cavalheiro é gay porque
alguém disse que é gay; e, se é gay, seu comportamento é sempre nocivo,
idêntico ao de todos os gays. São fofocas autoconfirmantes: a
informação é verdadeira porque alguém disse que é verdadeira,
independentemente do que aconteça. Nos Estados Unidos, onde há bolsões
fundamentalistas de grande influência, as mudanças boas aconteceram
rapidamente: um católico, John Kennedy, se elegeu presidente, um negro,
Barack Obama, está hoje na Casa Branca. Aqui no Brasil, perde-se tempo
discutindo se “x” ou “y” é veado ou não – não por preconceito,
naturalmente, que o fofoqueiro tem muitos amigos gays, mas porque o
homossexual reprimido, seja ele quem for, tem sempre comportamento
socialmente inaceitável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário