Dica da Augusto Martins
Por Sarah Boseley, do "Guardian"
Nas décadas de 1980 e 90, eles ouviram que iriam morrer jovens, então
largaram seus empregos e embolsaram as pensões das quais não
precisariam, enterraram seus amigos e tentaram aproveitar ao máximo o
tempo que lhes restava.
Décadas depois, milhares de homens e mulheres soropositivos no mundo
todo estão chegando a uma idade que nunca esperavam viver para ver. Em
2001, nos EUA, 17% dos soropositivos tinham mais de 50 anos. Agora, a
cifra está em 39%, e até 2017 deve chegar à metade.
No Reino Unido, a Agência de Proteção da Saúde diz que um em cada seis
pacientes que receberam tratamento para o HIV em 2008 (16,8%) tinha mais
de 50 anos --e isso irá dobrar nos próximos cinco anos.
Muitos dos que foram salvos pela descoberta de drogas antirretrovirais
no começo da década de 1990 sentiam que era um milagre estarem vivos.
Mas a vida para os sobreviventes do HIV, conforme a idade chega, é
amarga.
Muitos são pobres e estão há muitos anos excluídos do mercado de
trabalho. Os potentes medicamentos consumidos ao longo de metade de uma
vida cobram seu preço. Além das questões de saúde física decorrentes do
vírus, há também uma elevada incidência de problemas mentais.
John Rock, morador de Sydney (Austrália), foi diagnosticado com HIV há
30 anos. "Meu parceiro começou a ficar doente em 1983 e morreu no começo
de 1996", disse ele numa recente conferência internacional sobre Aids
em Washington. "Muitos dos meus colegas e amigos foram excluídos da
força de trabalho em meados dos anos 90 porque não estavam bem para
trabalhar", disse.
"Subsequentemente, as combinações triplas [de drogas antirretrovirais]
apareceram, e eles continuam vivos, mas no auge da sua capacidade de
renda eles passaram dez anos fora da força de trabalho. Agora eles estão
destinados a uma aposentadoria que eles acharam que nunca teriam, mas
ela vai ser na pobreza."
Lisa Power, do Fundo Terrence Higgins (THT), que na conferência falou
sobre o envelhecimento da comunidade soropositiva no Reino Unido,
reconheceu as lamentáveis consequências dos conselhos dos grupos de
apoio para quem supostamente estava morrendo.
"Nas décadas de 1980 e 90, incentivamos as pessoas a largarem o
trabalho, a viverem dos benefícios do Estado e a não serem
economicamente produtivas", disse ela. "Agora, condenamos as pessoas a
viverem da pensão estatal por idade."
SOLIDÃO E ISOLAMENTO
O dinheiro não é a única necessidade. Muitos se sentem solitários e
isolados. Em um vídeo feito para um projeto chamado "Envelhecimento do
HIV nos EUA", Bill Rydwels, 77, de Chicago, relembrou uma época de
terror e tristeza, quando a Aids estava ceifando seus amigos.
Era, no entanto, uma época de apoio e carinho que ele não tem mais.
"Está muito melhor hoje em dia, mas ainda assim é uma época mais
solitária. Anos atrás, era um tempo que todos passávamos juntos. Era uma
época terrível e uma época maravilhosa, porque você conhecia todo mundo
muitíssimo bem. Eles choravam no seu ombro e riam com você. A gente não
tem mais isso."
Recentes pesquisas do THT no Reino Unido revelam uma tristeza
semelhante. O homossexual James, 61, que não quis revelar o sobrenome,
está sofrendo sérios problemas de saúde, inclusive a cegueira decorrente
do uso de uma droga experimental para tratar de outra doença que não o
HIV.
"Minha vida está vazia", disse ele aos pesquisadores. "Eu me empenhei
muito nos últimos dez anos em preencher o vazio. Trabalhei realmente
duro para isso. Eu estou em um beco sem saída. Seria bom simplesmente
ter alguém ao telefone."
"Estou farto de que as pessoas no topo das organizações do [combate ao]
HIV digam que por haver uma teoria combinada tudo está bem. Nós, pessoas
com neuropatias e em cadeira de rodas, somos os esquecidos."
A meio mundo distância, na África, que arca com o maior ônus da
epidemia, o número de idosos com HIV também está aumentando rapidamente.
Epidemiologistas da Universidade de Sydney estimam que haja mais de 3
milhões de soropositivos com mais de 50 anos na África Subsaariana, e
que essa cifra esteja crescendo velozmente.
A queniana Ruth Waryero, 65, fez um exame de HIV aos 48 anos. Ela foi
para casa e contou ao seu marido. "Ele me escutou, então se levantou e
disse: 'Problema seu; cuide de você, eu estou fora'. Desde aquela época,
não o vi mais, embora ele fosse o arrimo da família. Ele me deixou com
os quatro filhos, e dois anos depois eu tinha dois netos."
"No Quênia, temos problemas diferentes [dos europeus]. Os homens mais
velhos tentam arrumar mulheres mais jovens para fazer sexo. Eles ignoram
você porque, no que lhe diz respeito, você está acabada. Você não
precisa de sexo e eles podem procurar meninas jovens. Mas, quando você é
velha, está propensa a ser estuprada pelos soropositivos, porque eles
acreditam que se estuprarem você, por mais velha que seja, vão se
negativar."
IDEIA ASSUSTADORA
As mulheres mais velhas também enfrentam constrangimentos em clínicas
quando precisam fazer exames ou receber medicamentos, disse ela. Os
funcionários perguntam para quem elas vão levar os remédios.
"Não se espera que a gente faça sexo nessa idade", disse ela. "Como
mulher, perguntam se a gente sustenta um garotão. Eu digo que este HIV
veio de um velho, e que esse velho fugiu de mim."
A geração mais antiga de soropositivos --na África e em outros lugares--
não é composta apenas por pessoas diagnosticadas há muito tempo. Há
também quem tenha recebido o diagnóstico tardiamente, depois de viver
anos sem saber da contaminação. E muita gente está atualmente sendo
infectada numa idade mais avançada.
Laura, que participou da pesquisa do THT, é uma heterossexual branca,
mãe divorciada de dois filhos. Aos 52 anos, ela iniciou um novo
relacionamento e então repentinamente adoeceu. Como seus sintomas eram
parecidos com o de uma amiga soropositiva, ela fez o teste. Laura disse
que, ao saber que tinha o HIV, ficou atordoada e chocada. Ela não podia
acreditar que, sendo uma pessoa instruída, tivesse parado de usar
preservativos com seu parceiro e permitido que isso acontecesse.
Mark Brennan-Ing, da Iniciativa Comunitária da América para a Pesquisa
da Aids, falou na conferência sobre as "frágeis redes sociais entre as
pessoas que vivem com HIV nos EUA e na Europa". As famílias abandonam
essas pessoas, ou não lhes prestam auxílio suficiente, o que significa
que os soropositivos acabam dependendo de amigos que muitas vezes também
são portadores do HIV.
Homens homossexuais, disse ele, têm muito menos probabilidade de terem
parceiros, cônjuges ou filhos que cuidem deles na velhice. Muitos dos
entrevistados vivem com medo de enfrentarem hostilidade e rejeição nos
lares para idosos.
Um homossexual de 52 anos, morador de Londres, disse ao THT: "Estou meio
temeroso de uma velhice solitária. Em termos práticos, se eu me tornar
mental ou fisicamente frágil, a perspectiva de ser o único homem gay em
um lar para idosos é de fato muito assustadora".
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