quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Sobreviventes do HIV enfrentam pobreza, solidão e preconceito



Publicado no Estadão
Dica da Augusto Martins
Por Sarah Boseley, do "Guardian"
Nas décadas de 1980 e 90, eles ouviram que iriam morrer jovens, então largaram seus empregos e embolsaram as pensões das quais não precisariam, enterraram seus amigos e tentaram aproveitar ao máximo o tempo que lhes restava.
Décadas depois, milhares de homens e mulheres soropositivos no mundo todo estão chegando a uma idade que nunca esperavam viver para ver. Em 2001, nos EUA, 17% dos soropositivos tinham mais de 50 anos. Agora, a cifra está em 39%, e até 2017 deve chegar à metade.
No Reino Unido, a Agência de Proteção da Saúde diz que um em cada seis pacientes que receberam tratamento para o HIV em 2008 (16,8%) tinha mais de 50 anos --e isso irá dobrar nos próximos cinco anos.
Muitos dos que foram salvos pela descoberta de drogas antirretrovirais no começo da década de 1990 sentiam que era um milagre estarem vivos. Mas a vida para os sobreviventes do HIV, conforme a idade chega, é amarga.
Muitos são pobres e estão há muitos anos excluídos do mercado de trabalho. Os potentes medicamentos consumidos ao longo de metade de uma vida cobram seu preço. Além das questões de saúde física decorrentes do vírus, há também uma elevada incidência de problemas mentais.
John Rock, morador de Sydney (Austrália), foi diagnosticado com HIV há 30 anos. "Meu parceiro começou a ficar doente em 1983 e morreu no começo de 1996", disse ele numa recente conferência internacional sobre Aids em Washington. "Muitos dos meus colegas e amigos foram excluídos da força de trabalho em meados dos anos 90 porque não estavam bem para trabalhar", disse.
"Subsequentemente, as combinações triplas [de drogas antirretrovirais] apareceram, e eles continuam vivos, mas no auge da sua capacidade de renda eles passaram dez anos fora da força de trabalho. Agora eles estão destinados a uma aposentadoria que eles acharam que nunca teriam, mas ela vai ser na pobreza."
Lisa Power, do Fundo Terrence Higgins (THT), que na conferência falou sobre o envelhecimento da comunidade soropositiva no Reino Unido, reconheceu as lamentáveis consequências dos conselhos dos grupos de apoio para quem supostamente estava morrendo.
"Nas décadas de 1980 e 90, incentivamos as pessoas a largarem o trabalho, a viverem dos benefícios do Estado e a não serem economicamente produtivas", disse ela. "Agora, condenamos as pessoas a viverem da pensão estatal por idade."
SOLIDÃO E ISOLAMENTO
O dinheiro não é a única necessidade. Muitos se sentem solitários e isolados. Em um vídeo feito para um projeto chamado "Envelhecimento do HIV nos EUA", Bill Rydwels, 77, de Chicago, relembrou uma época de terror e tristeza, quando a Aids estava ceifando seus amigos.
Era, no entanto, uma época de apoio e carinho que ele não tem mais. "Está muito melhor hoje em dia, mas ainda assim é uma época mais solitária. Anos atrás, era um tempo que todos passávamos juntos. Era uma época terrível e uma época maravilhosa, porque você conhecia todo mundo muitíssimo bem. Eles choravam no seu ombro e riam com você. A gente não tem mais isso."
Recentes pesquisas do THT no Reino Unido revelam uma tristeza semelhante. O homossexual James, 61, que não quis revelar o sobrenome, está sofrendo sérios problemas de saúde, inclusive a cegueira decorrente do uso de uma droga experimental para tratar de outra doença que não o HIV.
"Minha vida está vazia", disse ele aos pesquisadores. "Eu me empenhei muito nos últimos dez anos em preencher o vazio. Trabalhei realmente duro para isso. Eu estou em um beco sem saída. Seria bom simplesmente ter alguém ao telefone."
"Estou farto de que as pessoas no topo das organizações do [combate ao] HIV digam que por haver uma teoria combinada tudo está bem. Nós, pessoas com neuropatias e em cadeira de rodas, somos os esquecidos."
A meio mundo distância, na África, que arca com o maior ônus da epidemia, o número de idosos com HIV também está aumentando rapidamente. Epidemiologistas da Universidade de Sydney estimam que haja mais de 3 milhões de soropositivos com mais de 50 anos na África Subsaariana, e que essa cifra esteja crescendo velozmente.
A queniana Ruth Waryero, 65, fez um exame de HIV aos 48 anos. Ela foi para casa e contou ao seu marido. "Ele me escutou, então se levantou e disse: 'Problema seu; cuide de você, eu estou fora'. Desde aquela época, não o vi mais, embora ele fosse o arrimo da família. Ele me deixou com os quatro filhos, e dois anos depois eu tinha dois netos."
"No Quênia, temos problemas diferentes [dos europeus]. Os homens mais velhos tentam arrumar mulheres mais jovens para fazer sexo. Eles ignoram você porque, no que lhe diz respeito, você está acabada. Você não precisa de sexo e eles podem procurar meninas jovens. Mas, quando você é velha, está propensa a ser estuprada pelos soropositivos, porque eles acreditam que se estuprarem você, por mais velha que seja, vão se negativar."
IDEIA ASSUSTADORA
As mulheres mais velhas também enfrentam constrangimentos em clínicas quando precisam fazer exames ou receber medicamentos, disse ela. Os funcionários perguntam para quem elas vão levar os remédios.
"Não se espera que a gente faça sexo nessa idade", disse ela. "Como mulher, perguntam se a gente sustenta um garotão. Eu digo que este HIV veio de um velho, e que esse velho fugiu de mim."
A geração mais antiga de soropositivos --na África e em outros lugares-- não é composta apenas por pessoas diagnosticadas há muito tempo. Há também quem tenha recebido o diagnóstico tardiamente, depois de viver anos sem saber da contaminação. E muita gente está atualmente sendo infectada numa idade mais avançada.
Laura, que participou da pesquisa do THT, é uma heterossexual branca, mãe divorciada de dois filhos. Aos 52 anos, ela iniciou um novo relacionamento e então repentinamente adoeceu. Como seus sintomas eram parecidos com o de uma amiga soropositiva, ela fez o teste. Laura disse que, ao saber que tinha o HIV, ficou atordoada e chocada. Ela não podia acreditar que, sendo uma pessoa instruída, tivesse parado de usar preservativos com seu parceiro e permitido que isso acontecesse.
Mark Brennan-Ing, da Iniciativa Comunitária da América para a Pesquisa da Aids, falou na conferência sobre as "frágeis redes sociais entre as pessoas que vivem com HIV nos EUA e na Europa". As famílias abandonam essas pessoas, ou não lhes prestam auxílio suficiente, o que significa que os soropositivos acabam dependendo de amigos que muitas vezes também são portadores do HIV.
Homens homossexuais, disse ele, têm muito menos probabilidade de terem parceiros, cônjuges ou filhos que cuidem deles na velhice. Muitos dos entrevistados vivem com medo de enfrentarem hostilidade e rejeição nos lares para idosos.
Um homossexual de 52 anos, morador de Londres, disse ao THT: "Estou meio temeroso de uma velhice solitária. Em termos práticos, se eu me tornar mental ou fisicamente frágil, a perspectiva de ser o único homem gay em um lar para idosos é de fato muito assustadora".

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