Por William De Luca para o Eleições Hoje do Gay 1
Dica de Cláudio Guerra (via Facebook)
Fundador de grupo de ‘cura de
homossexuais’ que e se assumiu gay revela: “Ninguém deixava de ser gay,
houve relacionamentos até dentro do grupo”
Nada melhor do que um exemplo para
refutar a eficiência de tratamentos para a conversão de orientação
sexual, que dizem que gays podem se ‘converter’ em heteros. O professor
de inglês, filosofia e teólogo carioca Sergio Viula, 42 anos, foi um dos
fundadores do Movimento pela Sexualidade Sadia (Moses), ONG evangélica
que dá auxílio a pessoas que desejam abandonar a homossexualidade. Ele
casou-se, teve dois filhos e viu de perto os métodos de ‘reorientação
sexual’. Sergio conversou comigo com exclusividade, e mostra que os
métodos de mudança de orientação sexual são ineficazes e causam dor e
sofrimento a quem se dispõe a passar por qualquer deles.
Como começou sua vida junto à igreja evangélica? Como foi a sua entrada?
Eu comecei aos 16 anos, numa igreja
noepentecostal, mas depois migrei para a igreja batista. Eu me converti a
partir da pregação de colegas, não era de família, que era católica.
Hoje parte é católica e parte é evangélica.
Nessa época você já sabia que era gay? Já tinha tido relacionamentos com guris?
Havia tido relacionamentos gays,
sim, mas não assumia, eu pensava que fosse passageiro. Meu primeiro
relacionamento foi aos 12 anos, com um garoto um pouco mais velho, de
forma escondida, é claro, durante dois anos. Na verdade, queria pensar
que tudo isso fosse passageiro, por causa das pressões em casa. Minha
família era muito tradicional.
Como foi o processo de “virar ex-gay”?
Na verdade, ex-gay não existe, é
pura auto-sugestão. Eu comecei a ir à igreja e percebi que os
homossexuais não tinham como lidar com suas ‘dificuldades’, por falta de
orientação das lideranças, então decidi fundar o Movimento pela
Sexualidade Sadia (Moses), junto com João Luiz Santolin e Liane França.
Foi aí que comecei realmente a dizer em momentos oportunos que era
ex-gay.
Você nunca se convenceu que tinha virado ex gay? Sempre soube que estava se enganando?
Hoje sei que estava me enganando. Na
época, pensava que qualquer sentimento ou atração fosse mera ‘tentação’
e que isso poderia ser superado com oração e dedicação a deus. No
grupo, basicamente, pensávamos que ser gay fosse pecado, que devia ser
confessado e abandonado e para isso, fazíamos proselitismo,
aconselhamento, oração, pregação, recomendávamos certos livros, leitura
bíblica, coisas que os crentes geralmente fazem, mas com foco na
homossexualidade, sempre demonizando a homoafetividade, infelizmente. Eu
trabalhei com a igreja num total de 18 anos, o Moses começou em 1997,
em 2003 eu estava fora, foram quase sete anos. Tínhamos psicólogos
parceiros e contávamos com vários voluntários. Uma vez enchemos um
ônibus e levamos para o Miss Brasil Gay em Juiz de Fora só para
evangelizarmos os LGBT que foram ao evento, mas na diretoria eram cerca
de 10 pessoas.
Mas como era esse processo de ‘abandonar o pecado’? Era como um tratamento?
Isso não acontecia de fato, era o
que se chamava discipulado, acaba sendo uma lavagem cerebral. Você tem
que se isolar do seu antigo círculo de amigos, começar a se enfiar nas
reuniões da igreja, fazer sessões de aconselhamento, orar, jejuar, essas
coisas. Quando acontecia de alguém se envolver com outro homossexual,
ele tinha que confessar o que fez, UMA LOUCURA DO CARALHO! Desculpe, mas
ainda hoje tenho até raiva de lembrar disso.
Por que raiva?
Ninguém deixava de ser gay, houve
relacionamentos até dentro do grupo, entre uma atividade e outra da
igreja, eles sempre arrumavam tempo pra isso. Você consegue imaginar
quanto sofrimento para mim mesmo e para todos os que atuaram ou foram
influenciados por esse trabalho? É irritante! E tem gente até hoje
repetindo esse discurso imbecil.
O que tu sente quando vê pessoas como o pastor Silas Malafaia fazendo pregações do tipo que você fazia? É um discurso parecido?
Ele é um idiota! Eu era um garoto
quando me envolvi com tudo isso, tinha pouquíssima experiência de vida e
não ainda não havia tanta informação como hoje. Agora, ele atua na base
da má-fé mesmo, com interesses financeiros, projetos de poder, etc. E
diz ele que nunca foi gay, será? Fico muito desconfiado de gente que
gasta tanta energia e dinheiro para combater algo que não tenha nada a
ver consigo mesma. Entendo heterossexuais que compreendem os riscos da
homofobia, mas não entendo heterossexuais que quase surtam só por
saberem que os gays estão felizes, saudáveis e produzindo para o país…
Será que não é pra ter uma bandeira atualmente? Ganhar visibilidade, sei lá…
Não deixa de ser má-fé. Só confirma minha tese.
Quando você decidiu que era momento de parar? Você saiu do movimento ao mesmo tempo em que saiu do armário?
Sim, saí ao mesmo tempo. Tudo
aconteceu quando eu tive certeza de que já tinha feito e crido ao
máximo. A gota d’água foi uma viagem a Cingapura, durante a qual conheci
um filipino e fiquei com ele. Já voltei decido que iria colocar um fim
nessa panacéia. Fiz isso e comecei imediatamente a repensar diversas das
minhas posturas e crenças, levou ainda dois anos para que eu dissesse
tudo o que digo até hoje. Houve perseguição por parte do Moses, muita
gente ficou em choque, mas eles tiveram que se dobrar, pois minha
atuação no movimento era grande. Minha maior projeção, porém, se dava na
igreja. Eu era pastor, editor do jornal Desafio das Seitas, que teve
seu auge durante minha atuação, e por aí vai…
E na sua família? Qual foi a reação?
Houve um choque por parte dos meus
pais, mas meus filhos nunca criaram problema, só ficaram perplexos,
porque eu saí da igreja, já que eu era tão dedicado. Separei-me da mãe
deles, mas isso não criava grandes problemas, aparentemente. Só me
perguntaram francamente sobre o assunto aos 12 (ela) e aos 11 (ele).
Ambos compreenderam numa boa e sempre foram meus amigos. Relacionam-se
muito bem comigo e com meu parceiro Emanuel.
Você hoje se sente completo, feliz?
Sim, hoje me sinto em paz comigo mesmo, feliz e me pergunto como pude ter suportado tanta castração inútil por tanto tempo.
Você acha que o que vocês faziam era uma violência, contra vocês mesmos, e contra os outros?
Sim, era uma violência contra nós
mesmos, por termos internalizado a homofobia que nos circundava desde
cedo, e contra os outros, porque reproduzíamos essa mesma homofobia que
eles mesmos já tinham internalizado. Só reforçávamos ainda mais isso.
Você não apenas largou a igreja, o movimento, como deixou de acreditar em deus… Como se deu isso?
Isso se deu em função de
questionamentos honestos e ousados sobre deus/deuses, escrituras cristãs
e de outras religiões, igreja e outras instituições religiosas. Meu
pensamento e atitude com relação a ideia de deus/deuses não é mero fruto
de sofrimento com essa ou aquela igreja ou crença. Na verdade, muitas
igrejas se abriram para mim quando saí do armário e confessaram seu
interesse em que eu, não só participasse da vida da igreja, como
ministrasse como pastor dela. O próprio bispo fundador da Metropolitan
Community Church, Troy Perry, me disse isso pessoalmente. Também não foi
por ver mau comportamento de crentes em geral, uma vez que conheço
alguns que considero pessoas fantásticas até hoje (tanto do mainstream
evangélico e protestante, como das modernas igrejas inclusivas). Tendo
isso em mente, nem deus, nem escrituras, nem igrejas passam pelo crivo
da razão, e não me refiro à razão de uma mente brilhante como a de
Nietzsche, Darwin, Sartre, Hopkins, Dawkins, etc., refiro-me à razão de
uma mente mediana como a minha. Não posso ir contra mim mesmo e contra
aquilo que enxergo tão distintamente. No entanto, defendo a liberdade. E
por isso, crer e não crer são coisas que não podem ser controladas,
coibidas, exceto quando colocam os direitos humanos em xeque.
Pra terminar, o que você
diria pra um jovem gay que está passando por este processo de ‘cura
espiritual da homossexualidade’? Vale a pena?
Conversão religiosa que não admite e
CELEBRA sua homossexualidade não merece seu tempo e talento. Se quiser
frequentar alguma comunidade, procure uma que tenha maturidade até para
questionar a validade das assertivas religiosas. Mas, preferencialmente,
viva sem depender de muletas existenciais quaisquer que sejam elas.
Aproveito para sugerir a leitura de um post escrito
por mim. Esse post nasceu do esboço de uma palestra que dei na Igreja
Ecumênica de Copacabana por ocasião das comemorações do dia da Bíblia no
calendário católico. Foi esse ano.
William De Luca é repórter de economia do Jornal da Paraíba. Jornalista, ativista LGBT.
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