sábado, 21 de julho de 2012

"A culpa não é sua", por Guy Franco


Publicado na Alfa
Dica de Augusto Martins
Artigo de Guy Franco
Eu deveria falar de casamento igualitário ou de adoção por casais homossexuais, mas tenho preguiça. Enquanto fazem marcha pela aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia, estou pensando em comprar meias. Acabei de me dar conta de que preciso de meias. Antes de querer mudar a realidade, da qual entendo pouco, preciso dar um pulo no shopping. Não é só porque sou gay que devo lutar pela causa ou sequer me preocupar com ela. Os bullyings que sofri na infância por ser um pouco diferente foram resolvidos e revidados lá atrás, de modo que não cresci com essa vontade toda de mudar o mundo. Apoio a causa, claro, mas tenho mais com o que me preocupar. Ao defender o direito de tomar minhas urgências pessoais como prioridade, em vez de sair à rua para protestar exibindo meu abdome trabalhado, apareceu quem me acusasse na internet de ser um infiltrado na comunidade LGBT. Fui comparado por um ativista a um cara que matou um homossexual e um modelo, na Rua Oscar Freire, em São Paulo, no ano passado. Agora é assim: qualquer ideia sua que vá contra o pensamento de quem está na luta pelo fim da homofobia, e logo aparece alguém para acusá-lo de homofóbico; senão, de fascista. Fascismo, aliás, de acordo com a novíssima definição, é tudo aquilo que vai contra a opinião de alguém.
Essa mania de querer separar o mundo em dois, com simpáticos à causa gay de um lado e homofóbicos de outro, é de uma baixeza sem tamanho. Quem não está preocupado com uma causa não é contra a causa, só tem mais o que fazer. Se quiserem enfiar na sua cabeça que parte da culpa pelos crimes de ódio no Brasil é dos que se omitem, pode revidar dando petelecos no lóbulo deles. Um para cada crime sem envolvimento seu.
Há por aí uma gente de bem, transbordando de boas intenções, que põe a sexualidade antes dela mesma. Acreditam que dessa maneira estão contribuindo para o fim do preconceito. Falam do orgulho gay. Mas eu não gostaria de ser lembrado somente por minha sexualidade. Não sei você, mas tenho mais a oferecer. Penso quão deprimente seria, por exemplo, se tivesse uma avó falecida cuja única qualidade, ou ao menos a mais destacada, fosse sua heterossexualidade. Grande dona Ilda e sua heterossexualidade sapeca!
Acredito que homossexuais têm pelo menos dois momentos importantes na vida: sair do armário e desvencilhar-se da imagem de que são apenas gays. A preferência sexual pouco importa, fica em segundo plano. Fazer da homossexualidade algo extraordinário é pedir para ser tratado como ser de outro mundo. E não é exatamente contra isso que a militância luta? Antes de me lembrar que Oscar Wilde era homossexual, penso nele como autor. Também Proust. Ou Gore Vidal. Se saltitavam, não sei; o respeito que têm não veio daí. Torço para Laerte ter a mesma sorte e ser lembrado como cartunista.
O problema é exagerar, enxergar incitações à violência onde não existem; comprar picolés para tentar encontrar o palito premiado com homofobia, xenofobia ou racismo. Já me chamaram de tudo quanto é nome apenas por não concordar com algumas das maneiras como conduzem essa busca pela justiça, como se na causa LGBT não houvesse falhas. Espero que aprovem todas as reivindicações do movimento para que possamos mudar de assunto e falar de algo mais interessante. E se não aprovarem o casamento gay, tem sempre um jeito de trapacear o Estado. Por esse lado, é até bom que não saiam institucionalizando qualquer reivindicação. Quando o Estado concorda com um pensamento seu, fica sempre aquela sensação desagradável de que você não está no caminho certo. Ser gay está perdendo a graça um pouco por causa disso, querem oficializar tudo. Estou pensando em adotar uma minoria mais subversiva. Será que é muito tarde para eu virar boliviano?
NOVE MANEIRAS SIMPLES E INOFENSIVAS PARA VOCÊ EVITAR MAL-ENTENDIDOS 
1. Não use o termo homossexualismo perto de um gay. O correto, vão lhe dizer, inflando o peito, é homossexualidade. Lesbianismo, até onde sei, pode. Lésbicas não têm essas frescuras.
2. Gays costumam ter fixação por barracos, principalmente envolvendo subcelebridades. Descubra algo a respeito de um barraco atual e você terá material suficiente para bater papo com um homossexual. Tombos de gente famosa também rendem.
3. Música pop é o futebol dos gays. Veja se o cara torce para o time Gaga, Britney ou Madonna antes de sair falando mal de alguma delas.
4. Pode ajudar: curtir a página de Almodóvar no Facebook; compartilhar qualquer texto falando mal do Bolsonaro ou do Silas Malafaia; saber, de cabeça, o nome das principais subcelebridades; ter maldade na hora de criticar a roupa dos outros.
5. Gays não são de outro mundo. Aja de modo natural. Eles têm imunidade contra a maioria dos palavrões, que surtem o efeito contrário justamente por eles gostarem da coisa. Use isso a seu favor.
6. Atualize-se, as expressões LGBT mudam a cada segundo. Em vez de dizer que apoia o casamento gay, diga que apoia o casamento igualitário.
7. Citar Foucault, por algum motivo, pega bem. Não importa o assunto, procure encaixar uma citação de Foucault. Logo virá um olhar de aprovação.
8. Todo mundo pertence a uma minoria, até você. Descubra a sua e conte, em solidariedade, como foi passar por situações difíceis. 
9. Nunca fale mal de Glee.

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