Publicado na Alfa
Dica de Augusto Martins
Artigo de Guy Franco
Eu deveria falar de casamento igualitário ou de adoção por casais
homossexuais, mas tenho preguiça. Enquanto fazem marcha pela aprovação
do projeto de lei que criminaliza a homofobia, estou pensando em comprar
meias. Acabei de me dar conta de que preciso de meias. Antes de querer
mudar a realidade, da qual entendo pouco, preciso dar um pulo no
shopping. Não é só porque sou gay que devo lutar pela causa ou sequer me
preocupar com ela. Os bullyings que sofri na infância por ser um pouco
diferente foram resolvidos e revidados lá atrás, de modo que não cresci
com essa vontade toda de mudar o mundo. Apoio a causa, claro, mas tenho
mais com o que me preocupar. Ao defender o direito de tomar minhas
urgências pessoais como prioridade, em vez de sair à rua para protestar
exibindo meu abdome trabalhado, apareceu quem me acusasse na internet de
ser um infiltrado na comunidade LGBT. Fui comparado por um ativista a
um cara que matou um homossexual e um modelo, na Rua Oscar Freire, em
São Paulo, no ano passado. Agora é assim: qualquer ideia sua que vá
contra o pensamento de quem está na luta pelo fim da homofobia, e logo
aparece alguém para acusá-lo de homofóbico; senão, de fascista.
Fascismo, aliás, de acordo com a novíssima definição, é tudo aquilo que
vai contra a opinião de alguém.
Essa mania de querer separar o mundo em dois, com simpáticos à causa gay
de um lado e homofóbicos de outro, é de uma baixeza sem tamanho. Quem
não está preocupado com uma causa não é contra a causa, só tem mais o
que fazer. Se quiserem enfiar na sua cabeça que parte da culpa pelos
crimes de ódio no Brasil é dos que se omitem, pode revidar dando
petelecos no lóbulo deles. Um para cada crime sem envolvimento seu.
Há por aí uma gente de bem, transbordando de boas intenções, que põe a
sexualidade antes dela mesma. Acreditam que dessa maneira estão
contribuindo para o fim do preconceito. Falam do orgulho gay. Mas eu não
gostaria de ser lembrado somente por minha sexualidade. Não sei você,
mas tenho mais a oferecer. Penso quão deprimente seria, por exemplo, se
tivesse uma avó falecida cuja única qualidade, ou ao menos a mais
destacada, fosse sua heterossexualidade. Grande dona Ilda e sua
heterossexualidade sapeca!
Acredito que homossexuais têm pelo menos dois momentos importantes na
vida: sair do armário e desvencilhar-se da imagem de que são apenas
gays. A preferência sexual pouco importa, fica em segundo plano. Fazer
da homossexualidade algo extraordinário é pedir para ser tratado como
ser de outro mundo. E não é exatamente contra isso que a militância
luta? Antes de me lembrar que Oscar Wilde era homossexual, penso nele
como autor. Também Proust. Ou Gore Vidal. Se saltitavam, não sei; o
respeito que têm não veio daí. Torço para Laerte ter a mesma sorte e ser
lembrado como cartunista.
O problema é exagerar, enxergar incitações à violência onde não existem;
comprar picolés para tentar encontrar o palito premiado com homofobia,
xenofobia ou racismo. Já me chamaram de tudo quanto é nome apenas por
não concordar com algumas das maneiras como conduzem essa busca pela
justiça, como se na causa LGBT não houvesse falhas. Espero que aprovem
todas as reivindicações do movimento para que possamos mudar de assunto e
falar de algo mais interessante. E se não aprovarem o casamento gay,
tem sempre um jeito de trapacear o Estado. Por esse lado, é até bom que
não saiam institucionalizando qualquer reivindicação. Quando o Estado
concorda com um pensamento seu, fica sempre aquela sensação desagradável
de que você não está no caminho certo. Ser gay está perdendo a graça um
pouco por causa disso, querem oficializar tudo. Estou pensando em
adotar uma minoria mais subversiva. Será que é muito tarde para eu virar
boliviano?
NOVE MANEIRAS SIMPLES E INOFENSIVAS PARA VOCÊ EVITAR MAL-ENTENDIDOS
1. Não use o termo homossexualismo perto de um gay. O correto, vão lhe
dizer, inflando o peito, é homossexualidade. Lesbianismo, até onde sei,
pode. Lésbicas não têm essas frescuras.
2. Gays costumam ter fixação por barracos, principalmente envolvendo
subcelebridades. Descubra algo a respeito de um barraco atual e você
terá material suficiente para bater papo com um homossexual. Tombos de
gente famosa também rendem.
3. Música pop é o futebol dos gays. Veja se o cara torce para o time
Gaga, Britney ou Madonna antes de sair falando mal de alguma delas.
4. Pode ajudar: curtir a página de Almodóvar no Facebook; compartilhar
qualquer texto falando mal do Bolsonaro ou do Silas Malafaia; saber, de
cabeça, o nome das principais subcelebridades; ter maldade na hora de
criticar a roupa dos outros.
5. Gays não são de outro mundo. Aja de modo natural. Eles têm imunidade
contra a maioria dos palavrões, que surtem o efeito contrário justamente
por eles gostarem da coisa. Use isso a seu favor.
6. Atualize-se, as expressões LGBT mudam a cada segundo. Em vez de dizer
que apoia o casamento gay, diga que apoia o casamento igualitário.
7. Citar Foucault, por algum motivo, pega bem. Não importa o assunto,
procure encaixar uma citação de Foucault. Logo virá um olhar de
aprovação.
8. Todo mundo pertence a uma minoria, até você. Descubra a sua e conte,
em solidariedade, como foi passar por situações difíceis.
9. Nunca fale mal de Glee.
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