Dica do Querido Victor Maccari
Os pedidos de asilo político feitos por brasileiros gays que vivem no
exterior passaram de três, em todo o ano de 2011, para 25 apenas nos
três primeiros meses deste ano. A informação é da ABGLT (Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais), que afirma ter remetido os
casos à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
De acordo com o presidente da entidade, Toni Reis, os pedidos se
referem a tentativas de asilo principalmente em países como Estados
Unidos e Canadá, e ganharam força após notícias de violência contra
homossexuais em cidades brasileiras como São Paulo –onde diversos casos
foram notícia, ano passado, sobretudo com a avenida Paulista de palco
das agressões.
Segundo Reis, apesar de remeter à SDH os casos que chegam, a própria
associação ainda não assumiu um posicionamento formal sobre esses
pedidos. O motivo, diz ele, é a possibilidade de que parte dos autores
desses pedidos se valham de casos recentes de violências contra
homossexuais no Brasil como escudo a tentativas de asilo político
tentados, mas não obtidos.
“Temos cartas de pessoas dizendo que não dá pra viver no Brasil, e
sempre com a alegação de homofobia no nosso país. Antigamente
endossávamos esses pedidos com um relatório de assassinatos de
homossexuais --foram 3.500 ao longo de 20 anos--, além do
fundamentalismo religioso de um Bolsonaro da vida”, disse Reis,
referindo-se ao deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que provocou a ira dos
defensores dos direitos LGBT, ano passado, com declarações polêmicas e
consideradas ofensivas.
Para o militante, no entanto, o aumento de pedidos de asilo omite a
adoção de políticas públicas específicas ao público LGBT, por exemplo, e
a conquista de direitos civis, por meio do poder Judiciário, como a
união estável garantida ano passado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Sabemos que algumas pessoas usam a questão da homofobia para tentar
mesmo o asilo político. E não somos um Irã. Mas também é fato que os
homofóbicos estão ‘saindo do armário’, o que torna um absurdo a
homofobia ainda não ter sido criminalizada”, defende Reis. “Acho que
ainda dá para viver aqui; se piorar, aí a gente vai mesmo ter que sair
do país”, completou.
Não criminalização da homofobia
Para a presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do
Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Maria Berenice
Dias, os pedidos de asilo não são uma novidade --mas o aumento deles,
sim.
A advogada --uma das pioneiras, no Brasil, em direito homoafetivo--
considera, a exemplo do presidente da ABGLT, que a não criminalização da
homofobia é a raiz de iniciativas como essa por parte de brasileiros
residentes fora. “A homofobia pais é uma realidade social, e a ausência
de uma legislação que a criminalize, por si só, já justifica esses
pedidos de asilo”, definiu.
Na opinião da especialista, o avanço das tentativas de asilo não se
revela medida extrema, mas, sim, “necessária”. “É medida necessária à
medida em que se tem um número muito significativo de violência sem
qualquer tipo de repressão. E acho até bom que esses asilos sejam
concedidos, pois acabam até expondo o Brasil a um constrangimento
--porque o Judiciário avança em termos de reconhecimento de direitos
civis, mas na criminalização está difícil de avançar”, constatou a
presidente da comissão.
Direitos Humanos
Procurada, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
informou, por meio de nota, que “tem trabalhado para enfrentar a
violência homofóbica no Brasil de forma preventiva e repressiva”, seja
por meio de campanhas institucionais ou em parcerias com veículos de
comunicação, ou por meio de termos de cooperação com as secretarias
estaduais de Segurança Pública.
A nota diz ainda que o governo brasileiro “cumpre com as recomendações
das Nações Unidas e está realizando o levantamento dos dados de
homofobia no Brasil” e ressalta que o cidadão pode denunciar casos pelo
telefone 100, 24 horas por dia, anonimamente. Esses dados, continua a
SDH, “demonstram que o Brasil desenvolve políticas públicas para que a
população LGBT não seja obrigada a sair do país devido a sua orientação
sexual”.
Não foram informados, contudo, quais encaminhamentos foram dados a pedidos de asilo que a ONG ABGLT afirma ter repassado à SDH.
O advogado brasileiro André Aggi, 36, está desde novembro do ano
passado em Vancouver, Canadá, e aguarda a concessão do asilo para não
retornar mais ao país. “Não volto de jeito nenhum. Porque aí no Brasil
eu serei pra sempre uma condição. Aqui, sou um ser humano”, desabafou,
por telefone, em entrevista ao UOL.
Natural de Pouso Alegre, sul de Minas Gerais, Aggi é um dos 25 homossexuais brasileiros que tentam este ano conseguir asilo
em outros países de acordo com a ONG ABGLT (Associação Brasileira de
Gays, Lésbicas e Transexuais). Sobre a volta ao país natal, o advogado é
taxativo: enquanto a homofobia não for criminalizada nas leis
brasileiras, a possibilidade de voltar não passa, nem de longe, por sua
cabeça. No Canadá, Aggi --que também é ator-- está casado com um
francês.
Abaixo, um relato do brasileiro --que foi informado, pela reportagem,
da posição da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da
República a respeito do combate à homofobia no país.
“Pedi asilo ao governo canadense em novembro de 2011, em razão da
minha orientação sexual, e aguardo a minha audiência. Vim como turista.
Se pedisse asilo no Brasil, acredito que nunca conseguiria.
Advoguei quatro anos e meio no Brasil, em Pouso Alegre. Não tinha
dinheiro nem para uma consulta oftalmológica; aqui, mesmo ainda
pleiteando o asilo, tenho seguro de saúde federal e consegui meu óculos
de graça. Isso pra dizer o seguinte: falam que não tem homofobia no
Brasil, mas tem, sim, nem que seja velada. E eu sentia isso mesmo para
trabalhar.
Nesse tempo em que advoguei, tive 45 casos. Perdi um só: uma
queixa-crime relacionada a discriminação por condição sexual. Até de
juiz, advogando, já ouvi piadinha por eu ser gay...
Eu morava no centro de Pouso Alegre e uma vez dois rapazes
encapuzados me espancaram quando eu voltava para casa. Um deles colocou
uma faca no meu pescoço e, perdão pela expressão, me disse: “Isso é pra
você tomar vergonha na cara e deixar de ser viado”. Como esquecer isso?
Agora, quanto à Secretaria [de Direitos Humanos] dizer que combate a
homofobia para que os gays, como eu, não sejamos obrigados a sair do
país por conta de orientação sexual... sinceramente? Na prática não é
absolutamente nada disso. Essa conversinha não convence. Digam isso aos
juízes que zombavam de mim veladamente; digam isso aos tantos
adolescentes que ainda sofrem bullying na escola todos os dias.
Aqui no Canadá o debate é tão mais avançado que você vê casais
homossexuais andando nas ruas de mãos dadas, empurrando carrinho de
bebê, com famílias já constituídas, sem ninguém olhando torto para eles.
E não é pelo canadense ser ou não melhor que o brasileiro: é que aqui, e
nos Estados Unidos, o homofóbico é um criminoso. É lei, não é questão
de boa vontade.
E pela proteção que me deram, pela compreensão que tive do oficial
de imigração aqui –perguntaram até se eu queria assistência psicológica,
para você ter uma ideia --, digo que não volto de jeito nenhum. Porque
aí eu serei pra sempre uma condição. Aqui eu sou um ser humano."
"Ainda dá para viver aqui", diz presidente da ABGLT
O presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e
Transexuais, Toni Reis, diz que a associação ainda não tem um
posicionamento formal sobre os pedidos de asilo.
O motivo, diz, é a possibilidade de que parte dos autores desses
pedidos se valham de casos recentes de violências contra homossexuais no
Brasil como escudo a tentativas de asilo político tentados, mas não
obtidos.
"Acho que ainda dá para viver aqui; se piorar, aí a gente vai mesmo ter que sair do país".
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