Por Pedro Samora para o site da Band
Dica de Augusto Martins
A intolerância com os homossexuais é uma particularidade presente
na maior parte das igrejas tradicionais. Apresentando a orientação
sexual diferente como “coisa do demônio” ou "doença", as instituições
religiosas ajudam a intensificar o já grande preconceito contra os gays.
Foi
diante desse cenário, e com o objetivo de incluir o homossexual na
religião, que a pastora Llana Holder e a cantora gospel Rosania Rocha,
hoje casadas, fundaram a igreja evangélica Comunidade Cidade de Refúgio em junho do ano passado.
A
igreja, localizada na Avenida São João, 1600, no centro de São Paulo,
já conta com mais de 300 fieis, sendo muitos deles de famílias
tradicionais, e já tem células em outras cidades e países.
Confira a entrevista do Portal da Band com a pastora Llana.
Quando surgiu a ideia de criar a Comunidade Cidade de Refúgio?
Eu e a minha esposa, a pastora Rosania, éramos da Assembleia de Deus.
Ela, assim como outras igrejas, tem a visão de que a homossexualidade é
fruto de opressão demoníaca e defende que isso é um problema que deve
ser superado. Quando percebemos não era possível suprimir nossa
orientação, percebemos que havia uma enorme quantidade de pessoas na
mesma situação. Então, a Comunidade Cidade de Refúgio nasceu com esse
objetivo: de resgatar essas pessoas e apresentar a elas um Deus que não
as condene pela sua orientação.
Como se deu a escolha de São Paulo como sede?
A
ideia inicial era fazer a Cidade de Refugio em Boston, nos EUA, onde
nós morávamos. O objetivo era atender a comunidade brasileira que
conhecíamos e que estavam fora da igreja. No entanto, tive que voltar
para o Brasil por motivos pessoais. Foi aí que surgiu a ideia de fundar a
igreja aqui. Ficamos cerca de dois anos procurando um lugar para
começar o trabalho, quando enfim conseguimos esse local, na Avenida São
Joao. Na época, não conhecíamos São Paulo e não sabíamos que essa
Avenida é o centro da comunidade homoafetiva da capital, com muitos
bares e boates. Foi uma feliz coincidência.
Quais as diferenças entre a Cidade de Refúgio e outras igrejas evangélicas?
Essa
é uma dúvida muito comum entre as pessoas que vêm conhecer a igreja.
Elas querem saber como funciona uma “igreja gay”. E a gente deixa bem
claro: a Cidade de Refúgio não é uma igreja gay. É uma igreja de Cristo.
E, assim como toda igreja deveria ser, ela aceita a todos. Mas aceita
seguindo qual ótica? De que a pessoa vem e continua do mesmo jeito? Não,
a pessoa tem que vir e se dispor a mudar tudo aquilo na vida dela que
vai contra os princípios da palavra de Deus. Pregamos que, da mesma
forma que um heterossexual que vive na promiscuidade e na safadeza não
vai para o céu, o homossexual que fizer o mesmo também não vai. A mesma
bíblia do hetero é a do homo.
Qual foi a reação das igrejas evangélicas tradicionais quando a Comunidade de Refúgio foi fundada?
Quando
decidimos criar a Comunidade, já tínhamos noção de que seriamos
bombardeadas por outras igrejas. Tanto eu quanto a minha esposa éramos
duas pessoas conhecidas dentro da igreja e que resolveram assumir sua
sexualidade, indo contra tudo que ela pregava. Então, as igrejas
evangélicas fundamentalistas tinham que se levantar contra. Recebemos
uma onda de criticas, muitas ligações ofensivas e muitas pessoas vieram
reclamar na porta da igreja.
Houve algum tipo de manifestação violenta?
Chegamos
a receber diversas ameaças e logo entramos em contato com a polícia.
Hoje, conhecemos a polícia e o delegado da região. Em uma ocasião,
inclusive, ele chegou a mandar viaturas para a porta da igreja. Existem
também comunidades no Orkut que defendem a minha morte, planejam
atentados contra a vida da minha esposa, contra a igreja. Mas, graças a
Deus, não houve qualquer incidente.
E manifestações de apoio?
Recebemos
muito apoio de outras igrejas inclusivas e de pastores que se
levantaram para ajudar. Então, teve sim seu lado ruim, mas teve um lado
muito melhor.
A igreja recebe muitas pessoas que foram vítimas de violência?
Infelizmente
sim. Temos casos de pessoas que foram vítimas de violência doméstica
por parte dos pais. Existem fiéis que chegam aqui sem ter aonde ir por
que foram expulsos de seus lares. Há também casos de mulheres que foram
agredidos pelo cônjuge quando assumiram sua sexualidade. E casos de
pessoas que foram expulsas das igrejas pelo pastor por não serem
bem-vindas.
O que a Comunidade Refúgio consegue fazer por essas pessoas?
Estamos
com um projeto de uma ONG, a Mãos em Ação. Ela vem com o intuito de
fazer o que a igreja não pode fazer. Por que como igreja, trabalhamos em
nível de espírito. Só que existe a questão do trauma. E desse problema
temos que lidar de forma profissional, através de psicólogos e
analistas.
O projeto do governo de instalar o “kit gay”
nas escolas é muito criticado. A igreja é a favor desse tipo de medida
com o objetivo de reduzir a violência?
Os fundamentalistas
acreditam que o fato de distribuir um “kit gay” nas escolas vai induzir
as crianças a ser gays. Certa vez li uma frase interessante: “Quando eu
era pequena meus pais me ensinaram a respeitar os índios, e não virei
índio por causa disso”. Então, acho que a adoção da medida seria boa
para o país. Hoje, as crianças aprendem desde pequena a criticar o
homossexual, a serem homofóbicas, e por isso os gays sofrem tanto na
sociedade. É preciso orientá-las.
Além de São Paulo, a comunidade pode ser encontrada em outras cidades?
Sim. Hoje, contamos com uma célula em Teresina, em Curitiba (PR), em Portugal e agora abrimos uma nova igreja em Londrina.
E a unidade que foi aberta em Porto Alegre (RS)?
A
igreja que acaba de ser aberta em Porto Alegre não tem nada a ver com a
gente. Eles estão usando nosso nome, nossa imagem, o que está trazendo
uma proporção muito maior para eles.
Vocês vão tomar alguma atitude em relação à igreja? Há alguma possibilidade de fraternização?
Gravamos um vídeo
para esclarecer ao nosso público que não temos nenhuma relação com essa
igreja. Quanto à fraternização, infelizmente a incompatibilidade de
visão impede isso. A nossa igreja não veio para levantar bandeiras. Já
nas entrevistas com os pastores da igreja que foi aberta no RS, um deles
aparece segurando uma bíblia e uma bandeira gay. Nunca você vai ver uma
foto minha ou da Pastora Rosana segurando uma bandeira gay com o
intuito de divulgar a igreja.
Existem planos para novas células pelo país?
Sim,
temos o desejo de expandir. Mas uma coisa que uma igreja inclusiva tem
que entender é que temos que escolher com cautela onde abriremos novas
células. Isso por que o Brasil é o país mais homofóbico que existe no
mundo. Não podemos colocar um casal de pastores ou pastoras na mira de
uma população assim. Logo, nosso plano de expansão se concentra nas
capitais ou cidades grandes onde já há mais aceitação, como o Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Campinas, entre outros.
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