Visto na Época
A presidente reeleita da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, dividiu com
outras duas mulheres o Prêmio Nobel da Paz de 2011 por sua luta pela
emancipação feminina. O mundo inteiro aplaudiu. Única mulher a comandar
um Estado africano até hoje, Sirleaf, de 73 anos, foi vista como uma
governante africana diferente, sensível a grupos discriminados. Ou
melhor, a nem todos os discriminados.
Há duas semanas, em entrevista ao jornal The Guardian, ao lado do
ex-premiê britânico Tony Blair, Sirleaf defendeu a prisão de
“praticantes de atos homossexuais”, como estabelece a legislação da
Libéria. “Temos certos valores tradicionais em nossa sociedade que
gostaríamos de preservar”, afirmou, diante de um inerte e surpreso
Blair, que se limitou a falar de projetos de governança de sua ONG para o
país.
A declaração soaria mais adequada na boca de algum ignóbil ditador
africano, como Robert Mugabe, do Zimbábue. Há um mês, Mugabe afirmou que
os gays são “piores que porcos e cachorros, porque eles sabem que
existem machos e fêmeas”. Mas Sirleaf é uma líder respeitada, conhecida
exatamente pela luta no campo dos direitos humanos. Sua posição revela
que a perseguição aos homossexuais é hoje uma triste realidade africana.
Nada menos que 38 dos 54 países do continente têm algum tipo de
legislação que criminaliza a homossexualidade (leia o quadro abaixo). As
sentenças variam de um a dez anos de prisão e podem chegar à pena de
morte, como na Mauritânia, no Sudão e em regiões da Somália e da
Nigéria. Na Libéria da vencedora do Nobel da Paz, a “sodomia voluntária”
é considerada delito passível de até um ano de cadeia. Legisladores
liberianos consideram a pena branda, e dois projetos propõem aumentá-la.
Na capital, Monróvia, seis ataques deixaram oito gays feridos nos
últimos seis meses. Mesmo em países sem leis antigays, o tratamento
dispensado a eles é marcado por ódio e preconceito. Um exemplo é a
África do Sul, onde é comum a ocorrência do “estupro corretivo”,
violência sexual praticada com a intenção de “curar” a homossexualidade
de uma vítima.
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A homofobia está presente tanto na África árabe e muçulmana quanto na
negra e cristã, além de ganhar terreno com o avanço evangélico no
continente. Pastores ficaram célebres nos últimos meses por discursos
contra a prática homossexual na Libéria, na Nigéria e em Uganda. Alguns
chegam a exibir filmes pornográficos gays nos cultos para comprovar a
“bestialidade” da prática. Além da influência religiosa, há uma crença
de que a homossexualidade é um hábito trazido pelos colonizadores
europeus – daí a lógica de Ellen Sirleaf de preservar “certos valores
tradicionais”.
A antropóloga nigeriana Ifi Amadiume, autora de uma dezena de livros
sobre a sexualidade no continente, considera esse discurso uma mistura
de má-fé com desconhecimento histórico. “É uma forma de escapismo
hipócrita: relações homossexuais sempre estiveram presentes em etnias e
tribos africanas”, afirma. Antes da colonização, muitas sociedades
praticavam atos homossexuais. No Lesoto, homens casavam-se com mulheres
apenas para procriar, e a relação com outros homens era um passatempo.
Algumas nigerianas podiam se casar com mulheres. No Zimbábue,
acreditava-se que o sexo entre homens trazia poderes divinos. “A ironia é
que muitas das leis que garantem a ilegalidade dos gays são heranças do
período colonial”, diz o americano Andre Banks, diretor executivo da
All Out, uma ONG que defende os direitos dos gays, bissexuais e
transgêneros.
A comunidade internacional tem aumentado o tom das críticas à homofobia
africana. Há dois meses, a secretária de Estado americana, Hillary
Clinton, disse que pode condicionar o auxílio financeiro a algumas
nações do continente a reformas políticas que deem mais liberdade aos
gays. O premiê britânico, David Cameron, ameaçou fazer o mesmo. Pelo
episódio envolvendo Ellen Sirleaf, percebe-se que os líderes africanos
não estão dispostos a ouvir conselhos de fora sobre o assunto. Que o
diga John Nagenda, o principal conselheiro do ditador de Uganda, Yoweri
Museveni. Ao ser questionado pela BBC sobre as declarações de Hillary e
Cameron, ele disse: “Se pensam que podem nos dizer o que devemos fazer,
podem ir para o inferno”. Se a nova batalha da diplomacia ocidental na
África for pelos gays, não será nada fácil.
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