Liorcino Filho e Odílio Neto: anunciados como o primeiro casal homossexual a oficializar sua união estável no Brasil - Foto: Mirelle Irene/Especial para Terra
Por Mirelle Irene especial para o Terra
Dica de Augusto Martins
Há cerca
de um ano, o jornalista Liorcino Mendes Pereira Filho, 48 anos, e o
estudante Odílio Cordeiro Torres Neto, 22 anos, foram notícia no Brasil,
e até no exterior, por terem sido anunciados como o primeiro casal
homossexual a oficializar sua união estável no Brasil após decisão
histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu este direito.
No entanto, viram o sonho cair com a decisão do juiz da 1º Vara da
Fazenda Pública de Goiânia, Jeronymo Pedro Villas Boas, anulou este
primeiro "casamento", dando aos dois um segundo momento de notoriedade
com a polêmica suscitada pelo caso. Após um ano, eles consideram que
homofobia cultural no Brasil ainda é muito forte.
Mas a história teve um final feliz, já que a decisão do juiz foi
cassada pela corregedoria do Tribunal de Justiça de Goiás, mas Liorcino,
mais conhecido como, Leo, e Odílio, acreditam que, com o episódio de
superexposição de sua história pessoal, eles deram sua contribuição para
o debate sobre os direitos dos gays no Brasil. "Não imaginávamos que ia
dar aquela repercussão toda na mídia. Apenas fomos lá e casamos. Mas
teve muita gente que nos parava na rua para pedir autógrafo e tirar
foto", conta Leo Mendes, que também é ativista e presidente a entidade
Articulação Brasileira de Gays - a ArtGay.
Segundo Leo, mesmo um ano depois do episódio ainda é muito procurado
por outros gays de todo o País interessados em conversar sobre a
experiência do casamento registrado no cartório. "Muita gente liga,
pedindo conselhos. A maioria quer saber se é melhor casar ou fazer a
união estável, se já pode fazer o casamento civil direto. Quanto que
paga, onde faz, enfim, todos os detalhes, né?", conta.
O casal, que mora em Goiânia, acha importante ter sido um símbolo de
luta contra a homofobia, mas após um ano, alerta que os direitos dos
homossexuais ainda são muito agredidos e que a consciência da diferença
ainda é embrionária na sociedade brasileira. "Não só a diversidade
sexual, a diversidade humana não é respeitada. Como a religiosa", afirma
Leo Mendes. "A homofobia cultural é muito forte. Ela não mudou".
O jornalista lembra, por exemplo, que poder casar não significa que
gays já estão livres do preconceito, "o que muda é que agora são duas
pessoas para lutar contra o preconceito", assinala. Ele lembra que há,
com a união estável reconhecida, a garantia de direitos que casais
heterossexuais já tinham, como a inscrição em programas sociais do
governo, a pensão em decorrência de morte do companheiro, a inclusão em
plano de saúde familiar e a possibilidade menos burocratizada de adotar
uma criança. "A partir do momento que você registra uma união estável
você se torna uma família", compara.
Apesar disso, o companheiro de Leo, Odilio, lembra que na prática, a
igualdade de direitos não funciona muito bem. "Promoção de churrascaria é
só para casal homem e mulher", brinca. "No consumo ainda existe o
problema da homofobia cultural. Os empresários e comerciantes ainda não
estão preparados para lidar com esta nova realidade", completa Leo,
lembrando, porém, que da discriminação cabe ações de indenização.
Apesar das dificuldades, o casal acha que a conquista da união
estável foi um avanço mais que necessário e garante a formalização de
uma necessidade subjetiva de todo ser humano. "Eu percebo é que a
maioria dos casais gays e lésbicas quer casar, se você perguntar, todos
vão dizer isso. Porque as pessoas vivem muito sozinhas e há muito
preconceito. Elas querem, sim, alguém ao lado delas que compartilhe, que
conviva", acredita Leo Mendes.
Para ele, porém, que muitos homossexuais tem uma visão
heterossexual do casamento. "Tem gente que acha que ao casar vai viver
como um casal heterossexual. Não vai, vai continuar sendo um casal gay,
sofrendo preconceito, infelizmente", alerta. "Nós não podemos
desenvolver o nosso afeto publicamente como casal. A acolhida na família
também é diferente o preconceito é cultural", analisa.
Neste ponto, Odílio conta a experiência que teve com a sua família e
com a igreja que frequentava na cidade de origem, Lizarda, no Tocantins,
na região do Jalapão. Odilio disse que não conversava sobre ser
homossexual com os pais. "Minha mãe ficou sabendo do meu casamento pela
TV. Sei que ela ficou em pânico, mas nunca tocou no assunto comigo",
conta.
Segundo Odílio, mesmo sendo a família conhecida na cidade - o pai
havia sido vice-prefeito - os irmãos menores chegaram a ter de evitar ir
na escola por causa das brincadeiras contra o irmão que ficou famoso no
Brasil todo por seu casamento gay. Porém após um ano, a situação se
inverteu. "Fui lá no Natal e vi que a cabeça das pessoas é outra agora.
Superaram o baque inicial por causa da visibilidade do nosso caso na
mídia", disse. Segundo Odílio, a acolhida foi mais calorosa e ele foi
tratado quase como um herói, que venceu uma cruzada. "Acho que, após a
decisão do juiz e de tudo o que aconteceu, entenderam que eu era a
vítima".
Odilio confessa, no entanto, que, afetado pelo preconceito de membros
da igreja evangélica, não congrega mais na Assembléia de Deus, que
freqüentava até a adolescência. "Acabei com esta ilusão. Sofri muito na
igreja. Mas acredito em Deus", sintetiza.
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