Por Dr. Dráuzio Varella para a Agência LGBT Brasil
Dica de Augusto Martins
A homossexualidade é uma ilha cercada de
ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do
comportamento humano que se lhe compare.
Não há descrição de civilização alguma,
de qualquer época, que não faça referência à existência de mulheres e
homens homossexuais. Apesar dessa constatação, ainda hoje esse tipo de
comportamento é chamado de antinatural.
Os que assim o julgam partem do
princípio de que a natureza (ou Deus) criou órgãos sexuais para que os
seres humanos procriassem; portanto, qualquer relacionamento que não
envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).
Se partirmos de princípio tão frágil,
como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo
oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a
língua para articular palavras?
Se a homossexualidade fosse apenas
perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início
do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de
espécies de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e
mamíferos.
Em virtualmente todas as espécies de
pássaros, em alguma fase da vida, ocorrem interações homossexuais que
envolvem contato genital, que, pelo menos entre os machos,
ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.
Comportamento homossexual envolvendo
fêmeas e machos foi documentado em pelo menos 71 espécies de mamíferos,
incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos,
porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes,
carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.
Relacionamento homossexual entre
primatas não humanos está fartamente documentado na literatura
científica. Já em 1914, Hamilton publicou no Journal of Animal Behaviour
um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual
descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração
anal entre machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações
semelhantes.
Masturbação mútua e penetração anal
fazem parte do repertório sexual de todos os primatas não humanos já
estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais
próximos.
Considerar contra a natureza as práticas
homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido
pelos etologistas em mais de um século de pesquisas rigorosas.
Os que se sentem pessoalmente ofendidos
pela simples existência de homossexuais talvez imaginem que eles
escolheram pertencer a essa minoria por capricho individual. Quer dizer,
num belo dia pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas como sou sem
vergonha prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.
Não sejamos ridículos; quem escolheria a
homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é
dura para os heterossexuais, imagine para os outros.
A sexualidade não admite opções,
simplesmente é. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais.
O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da
cachoeira.
Mais antiga do que a roda, a
homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a
heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de
forma exemplar, como alguns países fazem com o racismo.
Os que se sentem ultrajados pela
presença de homossexuais na vizinhança, que procurem dentro das próprias
inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário
dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade
pessoal costumam aceitar a alheia com respeito e naturalidade.
Negar a pessoas do mesmo sexo permissão
para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões
heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais
elementares de justiça social.
Os pastores de almas que se opõem ao
casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos
que não o façam, mas não podem ser fascistas a ponto de pretender impor
sua vontade aos que não pensam como eles.
Afinal, caro leitor, a menos que seus
dias sejam atormentados por fantasias sexuais inconfessáveis, que
diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o
vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será
herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu trinta anos?
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