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Por Susana Mendoza
Dica de Hernanny Queiroz
Apesar de reunir uma pluralidade de crenças e estilos de vida, a intolerância contra homossexuais ainda é grande
Uma terra de contrastes. Ao mesmo tempo em que Jerusalém é considerada
sagrada por três religiões monoteístas – o cristianismo, o judaísmo e o
islamismo – e reúne símbolos e pessoas tão diferentes entre si, é também
terreno sinuoso para a manifestação de direitos civis. A cidade abriga
uma comunidade homossexual vibrante, mas que frequentemente é alvo das
camadas mais conservadoras.
Em Jerusalém, há apenas um bar gay e a realização da Parada do Orgulho
Gay foi um direito conquistado após muito esforço. Ela reuniu quatro mil
pessoas em 2011, que exigiram a aprovação de uma legislação que proteja
os homossexuais em Israel. Indignados com o desfile, grupos de judeus
ortodoxos protestaram em diversos pontos da cidade, controlados por
cerca de mil policiais espalhados por Jerusalém -- alguns chegaram a
agredir os participantes do evento. Em junho daquele ano, a marcha em
Tel Aviv conseguiu reunir 70 mil pessoas.
“Embora não existam tantos homossexuais quanto em Tel Aviv, todos os
anos Jerusalém atrai milhares de ativistas gays para participar da
marcha, para mostrar que, mesmo que os religiosos nos considerem
‘sujos’, esta é nossa cidade também”, comenta A.S. um membro da
comunidade homossexual da cidade.
Apesar das diversas ameaças de morte que recebem ano após ano durante a
parada, a marcha anual se supera cada vez mais em termos de assistência e
organização. “A diferença entre a nossa marcha anual e a de Tel Aviv e
outras partes do mundo é que, em Jerusalém, adquire também um
significado de luta pelos nossos direitos e contra o ódio que uma ampla
maioria da população de Jerusalém sente por nós”, acrescenta Natalie V.,
uma belga que desembarcou em Jerusalém há cinco anos.
Natalie, que há cinco anos namora uma mulher israelense, é prova da
dualidade do estado de Israel em relação à homossexualidade. Embora
Israel seja um país democrático, o judaísmo ortodoxo interfere em muitos
assuntos civis, incluindo os casamentos. Em Israel, é impossível
realizar um casamento civil, mesmo entre heterossexuais. No entanto, em
uma distorção, estão permitidas as uniões homossexuais, inclusive se uma
delas for estrangeira, como é o caso de Natalie.
“É curioso que isto seja possível em um país onde predomina tanto a
religião. Eu quero deixar claro que em Jerusalém e Israel, até o
momento, não tive nenhum problema por andar de mãos dadas com a minha
namorada, nem por darmos um beijo”, diz. “No entanto, trabalho com uma
família ortodoxa judia e não comentei nada sobre a minha orientação
sexual em quase quatro anos", conta Natalie.
Ultraortodoxos caminhando ao lado de uma mulher muçulmana usando o véu e
uma menina de minissaia logo atrás são cenas comuns nas ruas de
Jerusalém. E é nessa heterogeneidade que, no final, reside uma espécie
de acordo tácito de não agressão. Embora, às vezes, essa bolha possa
estourar, como aconteceu durante a Parada do Orgulho Gay de 2005, quando
um judeu ultraortodoxo esfaqueou vários participantes. Atentado pior
aconteceu à comunidade gay de Tel Aviv, quando uma bomba matou duas
pessoas e feriu uma. O culpado, um colono da Cisjordânia, afirmou que os
homossexuais são “animais”.
Portanto, apesar da mescla aparentemente suave entre religiosos e
seculares em Jerusalém, assim como no resto do país, uma tensão
soterrada pulsa abaixo da superfície. “Aqui, em geral, como os gays não
carregam um cartaz dizendo ‘sou gay’, não há tantos problemas, mas
também você não vai dar um beijo em outro homem em Mea Shearim (o bairro
ultraortodoxo), não queremos provocá-los em seu bairro”, diz Adam.
Segundo ele, porém, o resto da cidade é de todos. O bar Mikve, antes
conhecido como Shushan, na rua Shushan, foi o primeiro voltado para o
público gay a ser aberto na cidade. O lugar está vivendo uma nova era
dourada depois de permanecer fechado durante muitos anos devido às
pressões dos ortodoxos. Durante toda a semana há festas para clientes
homossexuais e as segundas-feiras são exclusivas das drag queens.
“Em Jerusalém, não há muitas festas nem lugares para dançar, por isso
sempre aparecem heterossexuais. Na cidade, todos nos conhecemos e amigos
de todas as orientações sexuais se juntam a nós. Estamos misturados”,
conta com um sorriso Daniel R., empresário.
A empresa encarregada de organizar as festas, Unibra, garante que é um
sucesso, que atrai dezenas de pessoas a semana toda, embora as festas
drag sejam as preferidas. “As pessoas querem se divertir, já estão
cansadas de se esconder, mas infelizmente nesta cidade não há lugares
para onde sair à noite”, lamenta a Unibra.
Palestinos
Para os membros da comunidade homossexual palestina os desafios são
ainda maiores. “Para eles é mais difícil, pois vem de uma sociedade mais
conservadora, em que a homossexualidade é punida ou humilhada em
público. Por isso, a última coisa que querem é fazer uma declaração
pública de que são gays, sejam homens ou mulheres”, explica Adam.
A organização para palestinos homossexuais em Israel Al Qaws organiza
eventos para os palestinos e ajuda a criar uma rede de apoio e
conscientização entre a comunidade árabe. Uma vez por mês organiza uma
festa para que os gays e lésbicas palestinos que vivem em Israel possam
se conhecer.
“Mesmo que os palestinos que vivem em Israel contem com os mesmos
direitos que os cidadãos judeus, muitas vezes há racismo e incompreensão
em relação aos gays palestinos”, comenta um porta-voz da Al Qaws. “Há
também muita incompreensão por parte da comunidade internacional, que se
foca na ocupação israelense. Além disso, a opinião da comunidade
palestina pesa demais. Dessa forma, não podemos esperar que eles saiam
do armário como no Ocidente.”
Às vezes, Israel chega a acolher como refugiados os palestinos
homossexuais que correm risco de morte ou que tenham recebido ameaças,
embora não seja algo tão frequente. Enquanto isso, em Jerusalém,
continua a luta para que a comunidade religiosa aceite aos homossexuais,
se não como iguais, como cidadãos com os mesmos direitos de todos.
“Este é o nosso objetivo. Não queremos nem mais nem menos do que têm os
demais e poder passear tranquilamente de mãos dadas, sem ter medo que
nos façam sentir inferiores, nem ter a nossa Parada do Orgulho Gay
cercada por centenas de policiais”, diz Adam.
Para mostrar que, embora nem sempre venha à tona, o ódio contra os gays
corre solto em Jerusalém, em 2006 foi a homofobia que uniu
representantes das três religiões monoteístas para protestar contra a
marcha gay daquele ano. “É uma pena. Poderiam ter se unido para
protestar contra outras coisas mais importantes”, lamenta Adam.
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